Ela não pode se expor ao sol: 'Surgem feridas e até tomar banho é dolorido'
Simone Machado
Colaboração para VivaBem, em São José do Rio Preto (SP)
18/11/2024 05h30
Sara do Nascimento, de 23 anos, foi diagnosticada com uma doença rara chamada xeroderma pigmentoso aos 11 meses. Por causa da doença, atividades simples como sair de casa durante o dia são restritas. Além disso, ela já teve de passar por 23 cirurgias. A VivaBem, ela conta sua história.
'Raio que passa na fresta faz mal'
"Minha mãe conta que meu diagnóstico veio quando eu ainda era bebê. Como meus olhos lacrimejavam muito e eu tinha manchinhas esbranquiçadas na pele, ela desconfiou que havia algo de errado. Depois de ir ao pediatra, ao oftalmologista e fazer alguns exames, chegamos ao diagnóstico.
É como se a minha pele não se regenerasse dos danos causados pelo sol, então qualquer exposição aos raios ultravioleta, por menor que seja, já me faz mal e pode desencadear um câncer de pele.
O contato com o raio UV, seja ao sair na rua ou até mesmo quando ele entra pela fresta da porta ou janela, causa danos à minha pele. Isso também vale para as luzes que emitem esse raio.
Quando sou exposta aos raios, na hora não sinto nada, mas algumas horas depois minha pele começa a empipocar, aparecem feridas e arde muito. Até tomar banho é dolorido.
'Infância feliz, apesar das limitações'
Tive uma infância muito feliz: apesar das limitações que a doença me trouxe, aquela era a realidade que eu conhecia e eu me divertia dentro dela.
Para ir à escola, usava camiseta de manga longa com proteção UV e calça comprida. Também precisava colocar chapéu e estar sempre de óculos escuros. Tudo isso acompanhado do uso de protetor solar, que eu reaplicava três vezes ao dia, não importando se é verão ou inverno.
A minha sala de aula e a biblioteca eram adaptadas com luz de LED, película escura nos vidros e ar-condicionado. Esses eram os dois ambientes que eu costumava frequentar na escola.
Lembro que passei diversos períodos da minha infância dentro de um hospital. Por causa dos tumores que surgem na minha pele, faço ao menos quatro cirurgias por ano para retirá-los.
Ao terminar o terceiro colegial até tentei fazer faculdade a distância, mas acabei trancando minha matrícula por não conseguir acompanhar as provas, que são presenciais, devido aos meus períodos de internação.
'Desenvolvi depressão e ansiedade'
Os cuidados com a exposição da minha pele são apenas uma parte: eu também preciso usar alguns tipos de colírios, limpar frequentemente os meus olhos e tomar vitaminas e algumas medicações para retardar o surgimento de células cancerígenas.
Toda essa situação, as cirurgias frequentes e os períodos de internação me fizeram desenvolver depressão e ansiedade. Atualmente, faço acompanhamento com especialistas e com um gastroenterologista, já que tantos medicamentos me fizeram ter crises estomacais: de tanta dor chego a desmaiar.
Até hoje já passei por mais de 150 procedimentos para tirar pontos de câncer e já perdi as contas de quantas biópsias fiz. Mas, para mim, a pior cirurgia foi a que fiz em 2021 para retirar um tumor. Precisei fazer enxerto no rosto e a recuperação foi bastante dolorida.
'Precisamos tirar algo bom'
Sempre gostei de me comunicar e, com 9 anos, criei o meu primeiro blog onde compartilhava minha rotina e tudo o que eu gostava. Hoje, divido parte do meu dia a dia nas redes sociais e também falo de fé e mostro minha arte.
Eu amo pintar e já escrevi três livros. São essas minhas paixões, que me sustentam. Como sempre digo: 'Tudo é graça e precisamos tirar algo bom'."
O que é o xeroderma pigmentoso
O xeroderma pigmentoso é uma doença genética rara causada por uma alteração em um dos sete genes responsáveis por reparar a pele após a exposição à radiação ultravioleta. Esses genes produzem proteínas que têm a função de detectar e consertar as alterações na estrutura do DNA causadas por esses raios, após exposição ao sol.
Todas as vezes que nos expomos ao sol ocorrem mutações, ou seja, alterações no DNA das células da pele. O organismo tem mecanismos para nos defender e reparar este DNA alterado por meio de algumas proteínas. Quem tem xeroderma pigmentoso tem deficiência ou ausência destas proteínas.
Mario Cezar Pires, dermatologista do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE)
No caso da Sara, esses genes são defeituosos e, portanto, as células alteradas pela luz não são corrigidas, podendo se dividir e formar um câncer de pele. Além disso, esse gene "defeituoso" também aumenta em 50% os riscos de o paciente desenvolver outros tipos de câncer.
Como não há reparo do DNA, há um acometimento muito precoce dessas doenças, que em geral ocorrem depois da quarta a quinta década de vida no indivíduo. O surgimento de lesões pré-cancerosas e de cânceres acontece de maneira muito precoce, já nos primeiros anos de vida. Além disso, o paciente tem como característica uma pele seca e com manchas.
Carlos Barcaui, dermatologista, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e professor titular da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Por ser uma doença recessiva, o xeroderma pigmentoso é mais comum entre filhos de casais que têm ligação consanguínea, ou seja, quando há parentesco entre eles. Nesses casos, o risco de duas pessoas terem o mesmo erro genético é maior. Esse é o caso de Sara, cujos pais são primos.