Ela recusa romantizar câncer: 'Não precisava ter doença para aprender algo'
Quando Magda Niño, 38, recebeu o diagnóstico de um tipo raro de câncer de mama, ouviu diversas vezes que deveria, pelo menos, "agradecer por estar viva" ou "fazer as pazes" com a doença.
Toda vez que escuta algo do tipo, a colombiana, que vive em Bogotá, sente um misto de emoções: "Não vou romantizar a doença. Não tenho nada para agradecer", diz, em entrevista a VivaBem.
Magda foi diagnosticada em 2022 com doença de paget, um tipo raro de câncer de mama, que acomete o mamilo e a aréola, e, meses depois, com uma metástase no cérebro. Ela conta como lida com a doença:
'Não tenho que agradecer'
"Antes de ser diagnosticada com a doença, me sentia muito feliz ao lado do meu marido, filhos e no trabalho, mas minha vida mudou completamente. Agora, tenho diversas limitações. Não posso fazer mais nada sem perguntar ao oncologista antes. Me sinto uma criança de novo.
Não acho que precisava ter uma doença para aprender alguma coisa. Já me considerava uma mulher feliz.
Tenho até medo de falar sobre isso com as pessoas e ser julgada. Toda vez que faço algum comentário, me perguntam por que me sinto assim ou o que aconteceu.
Explico que perdi meu trabalho, minha estabilidade econômica e meus filhos passaram por situações que não mereciam.
Perdi pessoas que achei que eram minhas amigas e parte da minha autoestima — quando me olhava no espelho, me sentia bonita, mas hoje não é mais assim. Meu cabelo caiu e, além disso, perdi massa muscular.
Me falam para fazer as pazes com a doença ou, então, que eu deveria amá-la. Mas eu não vou fazer isso. Não vou romantizar algo de que não gosto, que me fez mal.
'Diagnóstico é diferente quando você tem dinheiro'
Quando descobri o câncer, ainda tinha um trabalho como consultora comercial. Após uma sessão de quimioterapia, das mais fortes, fiquei doente. Peguei uma gripe forte e o médico pediu para eu descansar durante uma semana.
Não passou pela minha cabeça que meu contrato de trabalho tinha algumas cláusulas. Meu chefe me explicou que qualquer ausência injustificada seria motivo para cancelar meu contrato. Com isso, fui demitida.
Todo dinheiro que recebia, de repente, acabou. Estava vivendo uma fase boa, tinha terminado meus estudos, trabalhava certinho. Tínhamos comprado um apartamento que estávamos mobiliando e um carro novo. Pagava a faculdade da minha filha mais velha, mas tive de cortar tudo.
Quando você tem dinheiro, é muito diferente. Tudo fica mais fácil com ele. Apesar de ter um plano de saúde por parte do meu marido, preciso pagar algumas coisas, como medicamentos.
Me falam que 'dinheiro não é importante, mas saúde, sim' e que eu preciso agradecer por estar viva. Estou viva, sim, mas muitas coisas aconteceram também. Precisamos de dinheiro para tudo, é indispensável.
Tentei procurar emprego agora que estou um pouco melhor. Quero me sentir útil novamente, ter meu dinheiro. Mas as empresas não me contratam sabendo que tenho câncer com metástase.
Mas lembro dos meus filhos, que precisam tanto de mim, e tiro forças para seguir em frente, lutando por eles. Por isso, reforço: não tenho nada a agradecer por ter essa doença.
'Filhos sofreram bullying'
Assim que as mudanças físicas começaram a aparecer, em dezembro de 2022, as pessoas perceberam que estava doente. Meu cabelo caiu e eu não usava peruca e nem turbante para esconder. Também fiquei muito pálida.
Mesmo assim, continuava levando meus filhos para a escola. Eles tinham 12 e 11 anos. Percebi que os amigos da escola dele começaram a me olhar mais. Os garotos perguntavam o que estava acontecendo comigo.
Só que eles não sabiam o que responder. Meus filhos se sentiam mal ao comentar sobre o assunto.
Descobri depois que eles estavam sofrendo bullying na escola, principalmente o mais velho, de 12 anos na época. Diziam que a mãe deles ia morrer por causa do câncer e que a culpa era deles.
O bullying foi se tornando algo permanente até que meu filho perdeu a vontade de ir para a escola. Ele sempre amava ir mais cedo para jogar futebol antes da aula. Mas, depois, tinha dificuldade para levantar da cama, se arrumar. Estava sempre desanimado.
Perguntava o que estava acontecendo e ele não dizia nada. Imaginava que tinha brigado com algum amigo da escola.
Um dia, ele resolveu se abrir comigo, chorando. Dizia que não queria mais viver e não queria que eu morresse. Ele contou tudo do bullying, o que os amigos diziam, e não queria mais voltar para a escola.
Ele entrou em um quadro de depressão. Buscamos ajuda psicológica e psiquiátrica. O processo durou oito meses.
Já meu filho mais novo teve sintomas físicos: desenvolveu um problema no coração que acelerava constantemente. Ele também precisou de ajuda psicológica, que durou uns cinco meses.
Eles aprenderam a lidar melhor com as emoções. Saímos todos mais fortes deste processo.
'Tive medo de perder meus filhos'
Neste tempo, eles acabaram ficando afastados da escola. Estavam muito vulneráveis. Inclusive, os médicos pediram autorização do colégio para que eles estudassem de casa, mas não permitiram.
Para minha surpresa, as duas mulheres responsáveis pela escola não tiveram nenhuma empatia por mim: só disseram que a criança que fazia bullying tinha pedido desculpas, mas não deram nenhum tipo de apoio a mais.
Decidi que iria tirar meus filhos de lá. Preferia que perdessem um ano de estudo do que tivessem problemas maiores. Na minha cabeça, vários cenários se formaram. Tinha medo de perdê-los.
Conseguimos, depois, matriculá-los em uma nova escola. Eles foram bem, conseguiram se recuperar e terminaram o ano letivo.
Hoje, sinto que eles estão mais fortes, com mais autoestima. Não se sentem intimidados por qualquer coisa.
Meses depois, o câncer se espalhou e tive metástase no cérebro, em uma região que não posso operar. Então sigo com o tratamento por tempo indeterminado.
'Muitas crenças devem ser desmistificadas'
Meus sintomas iniciais do câncer de mama foram as dores do lado direito do braço e a secreção e o sangue que saíam pelo mamilo.
Quando fui ao médico, disseram que a dor era por passar o dia digitando no trabalho. Outra coisa que falaram era que não deveria me preocupar porque câncer de mama não costumava dar dor.
Cheguei a usar um protetor no seio direito porque tinha uma secreção abundante. Quando cheguei ao mastologista, ele disse que era algo ruim. Pediu exames e fez o diagnóstico. Tinha 36 anos na época.
É importante falar desses mitos sobre o câncer de mama: de que não causa dor, de que só mulheres mais velhas ou com seios grandes podem desenvolver. São muitas crenças que devem ser desmistificadas."
Experiência do paciente é particular
Pacientes que lidam com diagnóstico de doença devem ter espaço para falar sobre tudo, diz Mariana Britto, psicóloga do A.C.Camargo Cancer Center. "Se fisicamente cada paciente com câncer responde de um jeito ao tratamento, imagine psicologicamente."
Temos de tomar cuidado com 'o lado bom do câncer' porque isso pode invalidar o sofrimento da pessoa. Ninguém tem obrigação de continuar positivo depois disso.
Mariana Britto, psicóloga
É preciso tomar cuidado para que o quadro não vire uma depressão. "Temos altos índices de depressão entre os pacientes. A doença tira a capacidade de olhar a vida de uma maneira boa."
Ao receber o diagnóstico, o paciente passa a vivenciar um estado de luto. "A maioria sofre perdas reais e simbólicas, como o papel social porque deixa de ser o chefe ou a chefe de uma família, a chefe no emprego. É um furacão de perdas."
Temos uma sociedade que teme o câncer por ainda estar muito ligado à morte. E ninguém fala sobre isso. Precisamos apoiar os pacientes para que eles falem. Senão eles se sentem mal e se fecham.
Mariana Britto, psicóloga
É fundamental procurar ajuda psicológica se o sofrimento estiver muito intenso. Além disso, apoio familiar e de amigos é importante neste momento. Crianças, inclusive, devem ser informadas de que aquela pessoa está doente —tudo isso respeitando, claro, a idade dela.
O que é doença de paget
Esse tipo de câncer é considerado raro e costuma ter bom prognóstico. "O diagnóstico costuma ser mais difícil porque ele não é interno e nem externo, fica na região no mamilo", diz Fabiana Makdissi, mastologista e líder do Centro de Referência em Tumores de Mama do A.C.Camargo.
A atenção e autoconhecimento da paciente são coisas importantes. Se há alguma alteração no mamilo, busque o médico, pode não ser um alergia.
Fabiana Makdissi, mastologista
Os principais sintomas são alterações na região do mamilo, como ardência, úlceras, endurecimento, pele descamada ou avermelhada. Secreções amarelas ou sangue também estão entre os sinais da doença.
O diagnóstico é feito com biópsia. O tratamento depende da extensão do câncer, mas, geralmente, é por meio da cirurgia para retirada do tumor. Na maioria dos casos, é tratável e não desenvolve para metástase, diz a mastologista.
Procure ajuda
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV (Centro de Valorização da Vida) e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente.
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