Após diagnósticos errados, cápsula com câmera fez ela descobrir o que tinha

Problemas intestinais desde criança, internações e sintomas intensos a partir dos 17 anos, com perda de peso. Mesmo após exames, dietas e tratamentos, não havia um diagnóstico nem tampouco uma melhora do que a nutricionista Maria Júlia Veiga, 24, tinha.

"Chegaram a pensar em doença psiquiátrica, que era algo da minha cabeça, além de gastrite crônica e síndrome do intestino irritável", lembra Maria Júlia, que reside em Salvador.

Após passar por muitos especialistas, em 2019, ela fez um exame chamado cápsula endoscópica. "Eu engoli uma cápsula que percorreu todo o trato gastrointestinal fazendo fotos. O monitoramento é feito por um cinto magnético que fica ao redor da cintura e registra todo o percurso. Com as imagens, tive o diagnóstico", diz. Era doença de Crohn.

A maioria dos casos —entre 60 e 70%— a doença lesiona o final do intestino delgado. No entanto, o gastroenterologista Alexandre de Sousa Carlos, médico-assistente do departamento de gastroenterologia do HC (Hospital das Clínicas) de São Paulo, explica que pode haver inflamações em segmentos que a colonoscopia e a endoscopia não conseguem visualizar. Foi o que ocorreu com Maria Júlia, que relata ter feito outros exames, mas sem conclusão do que era.

"A doença de Crohn tem um espectro bem heterogêneo que pode acometer qualquer região do trato gastrointestinal, da boca ao ânus, por isso se fala que cada Crohn é um Crohn diferente", diz o médico, que também é membro do núcleo de doença inflamatório intestinal dos Hospitais Sírio Libanês, São Camilo Pompeia e Albert Einstein.

Existem dois exames capazes de investigar mais profundamente a região: a enteroscopia por balão e a cápsula endoscópica, que ainda não são feitos pelo SUS. O primeiro procedimento é realizado sob sedação ou anestesia geral, dura de 45 minutos a 2 horas, e consiste na introdução de um tubo flexível (pela boca ou ânus), que permite a visualização do intestino delgado, vias anterógrada ou retrógrada.

Já a cápsula revolucionou o diagnóstico das doenças do intestino delgado, segundo Cristiane Kibune Nagasako, endoscopista do Fleury Medicina e Saúde. "Possibilitou a avaliação de toda mucosa jejuno-ileal por meio de um método seguro e não invasivo, modificando completamente a abordagem destas patologias, com diagnóstico e tratamento adequados", diz.

Como é o exame cápsula endoscópica?

Exame investiga patologias do intestino delgado. Além da suspeita de doença inflamatória intestinal, como o Crohn, a cápsula endoscópica é indicada para a investigação de patologias do intestino delgado, como sangramento ou anemia por deficiência de ferro, quando a endoscopia digestiva alta e colonoscopia não definiram o diagnóstico, doença celíaca e poliposes intestinais.

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Paciente engole cápsula que atravessa o trato gastrointestinal. O exame consiste na colocação de um cinturão abdominal que possui receptores para captar as imagens transmitidas pela cápsula, deglutida. "As imagens são armazenadas em um gravador e, posteriormente, analisadas por um médico especialista", afirma Nagasako. O paciente permanece em observação no local até que seja confirmada a passagem para o intestino delgado, em torno de 30 a 60 minutos, liberado para suas atividades habituais. O retorno para a retirada do equipamento é feito após oito horas.

Exame exige preparo para ser realizado, dieta leve e jejum no dia anterior. A especialista do Fleury Medicina e Saúde explica que são suspensas medicações, como anticoagulantes, anti-inflamatórios, ferro oral e substâncias que possam interferir no esvaziamento gastrointestinal.

Demora do diagnóstico e sequelas

Os números de casos de Crohn no país têm aumentado nos últimos anos, conforme explica o gastroenterologista do HC, devido às mudanças ambientais, como alimentação e sedentarismo, visto que as causas são multifatoriais, sem uma concreta, têm influências genéticas e de alterações da microbiota (bactérias intestinais).

Dados da ABCD (Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn) mostram que cerca de 12% dos pacientes demoraram mais de três anos para procurar um médico especialista, e 43% foram ao menos quatro vezes ao pronto-socorro antes de receber o diagnóstico final.

"Há uma série de impactos provocados pelas inflamações que prejudicam a autoestima, a vida social e a qualidade de vida. Quanto mais cedo reconhecermos a doença e tratarmos adequadamente, maior a chance do paciente ficar sem sequelas e sem necessidade de outros cuidados, e até cirurgias", afirma o médico.

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Maria Júlia ficou com manchas na pele, devido à demora para saber o que tinha.

Tratamento e a escolha profissional

Após a descoberta da doença, o tratamento passou por corticoides e imunossupressores sem, no entanto, atingir à remissão. "Os sintomas iam e voltavam e chegou um momento que entrei em crise de novo e a especialista optou por uma terapia mais avançada, por meio da prescrição de medicamento imunobiológico para melhor controle da doença", diz a nutricionista.

Na fase mais aguda da doença, Maria Júlia decidia também sua carreira profissional. Ela escolheu a nutrição após ter passado por consultas que não a ajudaram a estabilizar os sintomas por meio da alimentação. Hoje, ela atende pessoas com doenças crônicas. "Por mais que os diagnósticos sejam iguais, as dietas podem ser diferentes de acordo com cada um, sem precisar restringir alimentos, só os que de fato fazem mal."