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'Descobri 19 tumores e entrei em remissão após terapia de R$ 2 milhões'

Ana Carolina começou sentindo dores intensas nas costas Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

22/11/2024 05h30

Com dores intensas e cansaço, a enfermeira pediátrica e oncológica Ana Carolina Tunussi, 33, descobriu que estava com 19 tumores no corpo. Após quimioterapias, radioterapias, transplante de medula óssea e retorno do câncer, ela entrou em remissão com uma terapia inovadora, mas ainda de alto custo. A VivaBem, ela conta o que viveu.

'Check-up não tinha dado nada'

"Em agosto de 2021, viajei de férias e no avião senti dor nas costas e no estômago. Como tinha saído da rotina alimentar, tomei um remédio e achei que ia melhorar. Chegando ao hotel, a dor nas costas aumentou e me mediquei de novo. Tinha feito um check-up 30 dias antes e não tinha nada.

Quando voltei, estava bem, mas numa noite não conseguia dormir com muita dor, a lágrima escorria. Fui ao pronto-socorro e o médico falou que eu estava com crise de nervo ciático. Tomei injeção intramuscular e fui para casa com receita de medicação.

Nos dez dias seguintes, a dor piorou e fiquei amarela. Vinha com perda de peso, cansaço, suor noturno e coceira muito grande na pele. Busquei outro pronto-socorro, onde o exame de sangue deu que a bilirrubina estava muito alterada.

Um ultrassom de abdome mostrou que tinha pedra na vesícula, que tampou o canal, então a bile estava caindo no sangue, causando esses sintomas. Internei pra fazer uma endoscopia mais detalhada e tirar as pedras. Tinha previsão de tirar a vesícula também.

Quando acordei da anestesia, o médico falou que tinha dado tudo certo, mas não tiraram a vesícula porque tinham visto uma imagem estranha no abdome, principalmente no pâncreas. Teria de fazer endoscopia com biópsia.

'Tinha 19 tumores'

Eles não sabiam o que era, mas falaram que podia ser câncer. Eu tinha acabado de fazer pós em oncologia, fiquei desesperada. Comecei uma série de exames e foi confirmado que era câncer, mas ainda sem saber o tipo e nem onde tinha começado.

Eu tinha 19 tumores, o maior em frente ao coração, do tamanho de uma manga, e o segundo maior no ovário esquerdo, do tamanho de um limão.

As três primeiras biópsias vieram inconclusivas, mas as hipóteses eram de que poderia ser tumor de ovário ou hematológico. Fiz uma cirurgia no ovário em que tiraram toda a massa e preservaram o órgão. Foi para análise e veio que era linfoma não Hodgkin de células B. Em novembro, iniciei a quimioterapia.

'Lutei e morri na praia'

Fiz protocolo de primeira linha e ciclos de outra medicação para acabar com um possível restinho de tumor, porque eram muitos. Após 30 dias do fim do tratamento, os exames mostraram uma atividade pequena do tumor.

Iria fazer de novo em 30 dias, mas nesse intervalo senti uma bolinha no lado direito do pescoço. Era uma reação inflamatória, sem sinal de câncer, mas observamos. A bolinha cresceu, virou duas e no novo exame veio a notícia de que o câncer tinha voltado.

Receber o diagnóstico é péssimo, mas a recidiva foi pior, porque a sensação era de que nadei, lutei e morri na praia. Mas eu ainda tinha força para lutar.

Voltei para as quimioterapias, mas precisei fazer um transplante de medula óssea autólogo (com uso de células da própria pessoa). Fiquei 29 dias internada e saí bem disposta. Depois, fiz 20 sessões de radioterapia, porque fiquei com doença residual.

Todo mundo estava muito confiante, mas comecei a sentir a fadiga que sentia no começo de tudo. Fiz novo exame e, após quatro meses do transplante, o câncer tinha voltado de novo.

Falei que não queria mais tratar, queria cuidados paliativos, porque não tinha mais forças. A médica insistiu e depois de conversar com a família, resolvi tirar força de não sei onde e tentar novamente. Fui pela insistência, mas não tinha vontade.

'Apostei minha esperança'

A médica sugeriu a terapia CAR-T, mas eu não teria como pagar —na época, estava estimado entre R$ 1,2 milhão e R$ 2 milhões. Entrei com processo judicial contra o convênio e ganhei a primeira liminar, que foi derrubada em menos de 24 horas com a justificativa de que não estava no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Entrei com recurso e, enquanto isso, um dos meus médicos avisou que o hospital conseguiria arcar com o custo do tratamento, mas não poderia ter processo envolvido. E assim foi feito.

No dia 28 de novembro do ano passado, fiz a coleta dos linfócitos. Em 3 de janeiro, internei para fazer novas quimios e no dia 11 recebi a infusão das células. A bolsa do CAR-T é de 100 ml, um líquido transparente que parece soro e foram dez minutos de infusão. Apostei ali toda a minha esperança que restava.

Antes e depois da terapia CAR-T: em agosto de 2023 (esq.) e fevereiro de 2024 (dir.) Imagem: Arquivo pessoal

'Não falava nome dos objetos'

Onze horas depois, tive febre e dor intensa nas pernas. Fui medicada e, na manhã seguinte, fiquei bem, mas de novo vieram a dor e mais febre. No quarto dia pós-infusão, tive confusão mental.

Ficava brava, cada vez mais confusa, olhava para a comida e dava risada. Tive convulsões e fui para a UTI, onde eu não deixava ninguém chegar perto. Tive queda de pressão e de batimentos cardíacos.

Entraram com medicação e disseram ser normal essa reação do CAR-T, mas no meu caso foi muito forte. Depois de 17 dias desse quadro, eu não conseguia falar o nome dos objetos, mas fui voltando ao normal aos poucos.

No dia do CAR-T, a equipe faz várias perguntas e pede para escrever e decorar uma frase. A minha foi: 'Estou curada a partir de hoje'. Eu tinha que escrever essa frase ao longo dos dias, como um teste de função neurológica, mas não conseguia.

Minha letra ainda não é a mesma. Fiquei 35 dias internada e, no começo, fazia acompanhamento três vezes por semana no ambulatório para receber transfusão de plaquetas, hemácias, sódio, potássio e magnésio. No final de maio, estabilizou o sistema do corpo.

No exame que fiz em julho, o terceiro pós procedimento, não tinha mais sinal da doença. Estou em remissão. É um sentimento de alívio, mas não faz muito tempo que comecei a acreditar que deu certo. A sensação é libertadora."

O que é terapia CAR-T

É um dos mais promissores tratamentos contra o câncer. Na terapia, os linfócitos do próprio paciente são coletados, modificados geneticamente e, em seguida, reinseridos no corpo para atuarem no reconhecimento e combate do tumor.

Tem a vantagem de ser totalmente personalizado. Causa menos efeitos adversos que outros tratamentos, como quimioterapia e radioterapia, exige menos tempo de internação e combate apenas as células do câncer, não as saudáveis.

É usada em ocasiões específicas e para alguns tipos de câncer. Atualmente, há terapias para tipos de linfomas, de leucemias e mieloma múltiplo recidivado ou refratário.

O tratamento é usado principalmente depois que já tratou o paciente com quimioterapia e ele recai. Tem que fazer nova quimio e transplante autólogo ou, em vez disso, o CAR-T.
Vanderson Rocha, professor titular da USP e coordenador nacional de terapia celular da Oncologia D'Or, da Rede D´Or

Efeitos colaterais são esperados e tratáveis. Há dois principais efeitos colaterais imediatos: a síndrome de liberação de citocinas, que ocorre do segundo ao décimo dia após a infusão, e a síndrome de neurotoxicidade, entre o sétimo e o 12º dia.

Ambas ocorrem pela reação inflamatória causada pela destruição das células do tumor. A intensidade depende da quantidade de tumor —quanto mais células cancerosas maior é a inflamação—, condições clínicas e número de tratamentos prévios. Provocam febre, pode levar à falta de oxigênio e falência de múltiplos órgãos.

De 30% a 40% dos pacientes vão para UTI. No início do CAR-T, não sabíamos como tratar, mas agora usamos corticoide e anticorpo para evitar a síndrome. Com isso, diminuiu muito a mortalidade, que antes era de 1% a 3%.
Vanderson Rocha

Já a síndrome de neurotoxicidade afeta o sistema nervoso central. Pode levar a convulsões e distúrbios psiquiátricos, sendo que o primeiro sinal dela é a mudança de caligrafia, por isso o exercício de escrita é necessário.

Alto custo

Só o produto, sem internação, gira em torno de R$ 2 milhões. A maioria dos tratamentos é feita por meio de liminar da justiça. "Isso traz grande problema para o paciente e para a gente, porque atrasa o tratamento. O que deveria ser em um mês, no Brasil dura três meses", diz Rocha.

Para otimizar o processo, pesquisas no Brasil desenvolvem o produto de terapia gênica. O Hospital Israelita Albert Einstein iniciou o primeiro ensaio clínico em junho de 2022. O Instituto Butantan, o Hemocentro de Ribeirão Preto e a USP também estão desenvolvendo células nacionais, com investimento inicial de R$ 100 milhões. Mais estudos e análises são necessários para que estejam disponíveis no sistema de saúde.

A farmacêutica Gilead Kite disponibiliza a terapia na rede privada desde agosto do ano passado. É indicada para tratar:

  • Linfoma difuso de grandes células B;
  • Linfoma primário do mediastino de grandes células B;
  • Linfoma de células B de alto grau;
  • Linfoma de grandes células B surgidos de linfoma folicular;
  • Linfoma folicular recidivado ou refratário após a primeira linha de tratamento.

Por enquanto, não há previsão para que a terapia chegue ao SUS. "Disponibilizar medicamentos inovadores no mercado não é suficiente, caso esses medicamentos não cheguem efetivamente a quem mais precisa deles: os pacientes. Trabalhamos pelo acesso a tecnologias disruptivas para o maior número de pacientes", disse Douglas Vivona, diretor médico de terapia celular da empresa.

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