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Como a obesidade aumenta o risco de diversos tipos de câncer

Imagem: Getty Images

Colunista de VivaBem

28/11/2024 12h30

Não tem nem o que discutir sobre essa relação: a obesidade comprovadamente aumenta o risco de, pelo menos, treze tipos de tumores malignos. A própria Organização Mundial de Saúde assume isso faz algum tempo.

A gordura em excesso mantém um péssimo relacionamento com os mais diversos tecidos do corpo, espalhando substâncias que os inflamam e desencadeando um caos, com encrencas por todos os lados. Para muita gente acima do peso, o câncer é uma delas.

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O risco parece ser maior para as mulheres: entre as que recebem a notícia de um câncer, 55% têm um tumor associado à obesidade, enquanto isso só acontece com 24% dos homens com diagnóstico da doença maligna. Foi o que aprendi na aula da médica Ada Cuevas, diretora do Centro Avanzado de Medicina Metabólica y Nutrición, em Santiago, no Chile. Ela esboçou as diferenças entre os sexos biológicos na incidência de cânceres relacionados ao excesso de peso, durante o ICO (International Congress on Obesity), que aconteceu em meados deste ano em São Paulo.

De acordo com a doutora, para as mulheres o perigo aumenta após a menopausa, quando caem os níveis de estrógeno. "Enquanto esse hormônio se mantém nas alturas, elas acumulam mais gordura subcutânea", comentou. "Depois, a distribuição do tecido adiposo se altera e ele se concentra mais entre as vísceras." Sim, é na circunferência abdominal aumentada — ou, em português claro, na barriga volumosa — que mora o problema.

Por isso, por acumularem mais gordura na linha da cintura desde sempre, no final das contas os homens têm o maior número de casos de tumores ligados à obesidade, apesar de representarem só um quarto dos diagnósticos de câncer entre eles.

Mas, sopa de números à parte, de que doenças estamos falando? E o quanto a obesidade aumentaria o risco relativo? Para você entender o conceito de "relativo" na Medicina, seria a probabilidade de alguém que tem ou que foi exposto a alguma coisa — no caso, que tem obesidade — desenvolver um problema de saúde em comparação com aqueles indivíduos que não apresentam o mesmo fator de risco. Neste assunto, portanto, a comparação é com pessoas com peso normal e circunferência abdominal de até 94 centímetros para homens e de até 80 centímetros para mulheres.

Os 13 tumores associados à obesidade

A seguir, você irá saber quantas vezes, em média, a obesidade multiplica o risco de cada uma dessas doenças aparecer, considerando os dados mundiais.

  • Câncer de endométrio: 7,1 vezes, sendo de longe o tipo mais influenciado pelo excesso de adiposidade. Na verdade, metade dos casos tem a ver com isso.
  • Câncer de esôfago: 4,8 vezes.
  • Câncer de estômago: 1,8 vez, ou seja, o risco quase duplica.
  • Câncer de fígado: 1,8 vez, mas há quem desconfie que seria bem mais que isso.
  • Câncer de rim: 1,8 vez, também.
  • Câncer de pâncreas: 1,5 vez, ou seja, 50% a mais.
  • Meningioma, o tumor nas meninges do cérebro: 1,5 vez.
  • Mieloma múltiplo: 1,5 vez.
  • Câncer de intestino: 1,3 vez, ou 30% de risco a mais.
  • Câncer de mama: 1,1, ou um aumento de 10% no risco.
  • Câncer de ovário: 1,1 vez.
  • Câncer de tireoide: 1,1 vez.

Por que o risco aumenta?

Levei a pergunta ao endocrinologista Fernando Gerchman, que é professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Primeiro, porque ele também participou da tal aula sobre câncer e obesidade no ICO 2024. Mas, acima de tudo, porque é um dos maiores estudiosos do tema no país. Suas pesquisas vão bem além da história de como as pessoas emagrecem e como sustentam o novo peso. O médico, que em sua formação passou pelo departamento de oncologia de instituições americanas, é interessado na intrincada relação entre a prevenção e o tratamento do excesso de peso com diversas condições de saúde e tem vários artigos nessa linha publicados em revistas internacionais.

"Por que o risco de câncer aumenta? A resistência insulínica é uma das razões", começa a me responder o professor Gerchman. "E faz todo sentido: a insulina é um hormônio anabolizante. Isso quer dizer que estimula o crescimento dos tecidos, desencadeando várias reações que, no final, promovem a divisão celular."

A gente está careca de ouvir o seguinte enredo: a insulina é a chave que faz a glicose presente no sangue entrar nas mais diversas células do corpo para fornecer energia. Pois bem: em quem tem obesidade, é como se essa chave não funcionasse direito. Essa resistência faz sobrar nutrientes no sangue, algo que o pâncreas tenta compensar produzindo mais e mais insulina. Resultado: seus níveis na circulação aumentam.

"Apesar de, nas pessoas com obesidade, esse hormônio não captar adequadamente a glicose, sua elevação no sangue hiperativa as vias que provocam a divisão celular", complementa o médico. "Ora, tudo o que acelera a divisão celular em um órgão aumenta o seu risco de câncer", conclui.

É isso mesmo: quanto mais uma célula se divide, pilhada pela insulina para acelerar o ritmo desse trabalho, maior a probabilidade de, estabanada, fazer algo errado no meio do processo. Daí, pode surgir uma cópia com mutações malignas.

Questões mecânicas

Às vezes, elas também contam."Quem tem obesidade pode acumular muita gordura no abdômen e isso causa uma pressão mecânica capaz de interferir na motilidade dos órgãos da digestão, elevando o risco de refluxo esofágico", diz o professor Gerchman.

É fato bem conhecido: quando os sucos estomacais pegam a contramão, desafiam a gravidade e sobem até o esôfago, as paredes desse órgão sofrem, já que não estão acostumadas com tanta acidez. A irritação provocada por esse vai-e-volta de ácidos obriga a mucosa do esôfago a se renovar mais do que de costume. Logo... Voltamos ao papo da divisão celular: a ameaça de câncer esofágico sobe.

Gordura no pâncreas e em outros locais errados

O tecido adiposo é feito para armazenar gordura. "Mas, especialmente aquele que a gente encontra no abdômen, tem lá os seus limites, que são determinados por uma série de fatores, inclusive genéticos", explica o professor Gerchman. "Ou seja, cada um de nós tem uma capacidade máxima, maior ou menor, no tecido adiposo abdominal."

Quando essa capacidade máxima está prestes a ser atingida, as células desse tecido, que é tremendamente ativo, tentam se defender. Liberam substâncias que culminam na tal resistência à insulina — "é uma estratégia para que os nutrientes tenham dificuldade para entrar nos próprios adipócitos, para que eles não tenham de armazenar ainda mais", justifica o endocrinologista.

Porém, muitas vezes essa tática não dá conta e o limite é superado. Então, a gordura, sem encontrar abrigo no tecido onde deveria ser estocada, vai parar nas células de outros órgãos. Nas do pâncreas, por exemplo. "É muito provável que isso tenha relação com o câncer pancreático", observa o professor.

No fígado, essa história já está muito bem contada pela ciência. Quando a gordura se infiltra nas células hepáticas, ela primeiro causa uma inflamação, a esteato-hepatite. A inflamação, por sua vez, lesiona o fígado, que vai formando cicatrizes ou fibroses como uma reação. E a fibrose seria como a antessala da cirrose ou até mesmo do câncer hepático.

A interferência dos hormônios sexuais

Para completar, pessoas com obesidade tendem a exibir níveis alterados dos hormônios sexuais. "Esse desequilíbrio também pode aumentar aquele processo de divisão celular", ressalta o professor Gerchman.

A hipótese é que essa seja mais uma explicação para a maior incidência em mulheres acima do peso de alguns tumores malignos que têm o envolvimento hormonal — os de mama, os de ovário e os de endométrio.

Sobre a prevenção dos tumores

A lógica diria que, se uma pessoa com obesidade emagrecesse, o seu risco de desenvolver tumores malignos cairia— "assim como acontece com o indivíduo que para de fumar: a probabilidade de ele ter câncer de pulmão vai diminuindo com o tempo, ficando quase igual à de não fumantes passados uns quinze anos da cessação do tabagismo", compara o professor. "Mas talvez não seja bem assim com a obesidade", lamenta informar.

Estudos com quatro ou cinco anos de duração ainda não demonstram redução significativa do risco de câncer em pessoas com obesidade que perderam excesso de peso. Mas o médico gaúcho não desanima."Era assim com as doenças cardiovasculares, isto é, não tínhamos provas de que o emagrecimento ajudaria a evitá-las", lembra. Onde ele quer chegar: a comunidade científica acredita ser muito provável que os efeitos protetores do emagrecimento só apareçam depois de um bom tempo de manutenção de um novo peso.

Isso só reforça a ideia de que o tratamento é para o resto da vida — inclusive, os estudos provam que, ao contrário do que alguns temiam, as novas drogas contra a obesidade não aumentam o risco de câncer de mama, nem de qualquer outro tumor. Mas, claro, melhor seria nem chegar a esse ponto da balança, evitando a obesidade. E o câncer, por tabela.

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