'Dei primeiros passos e, 13 dias depois, fui infectado pela poliomielite'
Pouco depois de dar os primeiros passos aos 11 meses de idade, Paulinho Dias começou a apresentar os sinais da poliomielite. Hoje, aos 47 anos, ele ainda convive com as sequelas da doença, que é causada por um vírus e pode provocar paralisias musculares. Leia abaixo o relato do músico a VivaBem.
'Não conseguia firmar a perna'
"Comecei a andar com 11 meses de idade, mas, 13 dias depois, meus sintomas da poliomielite apareceram, como febre e prostração.
Minha avó foi a primeira a perceber que minha perna estava 'repuxada'. Não conseguia firmá-la no chão.
Quando tive febre, fui levado ao hospital e deram analgésicos. Também já tinha tomado a primeira dose da vacina [anticorpos contra doença podem demorar 15 dias e, nesta janela, é possível se infectar].
Aliás, meus pais sempre foram muito atentos ao calendário de vacinação. Minha mãe iria me levar para tomar a segunda, mas o vírus já tinha feito o que devia fazer.
'Teve um surto onde morava'
Tive sequela nos dois membros inferiores. Iniciei a fisioterapia e foram 10 cirurgias desde então. Boa parte da minha infância eu passei dentro do hospital.
Minha mãe sempre lembra que muitas crianças da cidade, em Boa Esperança, no Paraná, não tomaram a vacina. Tivemos um surto na região em que eu morava. Alguns pais não levaram os filhos para os hospitais para tratar a doença e outros buscaram benzedeiras, coisas do tipo. Sei que muitas crianças morreram por falta de atendimento.
Eu basicamente consegui andar por 13 dias. Quando fui crescendo, mais criança, eu andava e brincava usando as mãos, de quatro. Só fui usar as muletas quando tinha 8 anos —e descobri aos 35 anos que sempre usei do jeito errado.
Nasci em 1977 e sei que nessa época os profissionais ainda se preparavam para lidar com a doença. Não existia ali perto uma AACD para explicar tudo certinho. Mas fomos atrás de tudo o que podíamos naquele momento.
Os neurônios da região que daria conta da musculatura morreram e paralisaram, mas consigo me mover com a muleta —não perdi a sensibilidade da região.
As partes mais atingidas na minha perna começaram a passar por um encurtamento —ela ficou mais 'magrinha'. Hoje, a perna esquerda tem os movimentos mais limitados, ela não consegue firmar bem. Costumo contar que é uma perna desobediente.
Uma das primeiras cirurgias que fiz foi no calcanhar de Aquiles porque, quando o pé crescia, ele ficava encurvado para baixo. Então a cirurgia era para arrumar isso. Tinha 10 anos e precisei fazer o alongamento ósseo. Estava numa fase de crescimento.
Fiz outra cirurgia, talvez a mais traumatizante, em que minha perna chegou a aumentar uns dois centímetros. Pelo que entendi, tinha de usar aquela 'gaiola', com parafusos ao redor e ir apertando.
Nunca fui uma criança sedentária e entendo como é importante a minha família, que pensava muito na questão da inclusão e aceitação, tanto que não ficam querendo me proteger.
'Aprendi a andar de muleta com 35 anos'
Quando completei 18 anos, fui para a estrada viajar com meu irmão e mais quatro amigos, de muleta mesmo. Saímos do Paraná até a Bahia, de mochilão nas costas.
E tudo para mim era natural, sempre andei de muleta. Quando fui atendido, aos 35 anos, em um centro especializado em reabilitação, descobri que a forma como usava o apoio estava errada.
Os médicos falaram de uns desgastes no meu ombro durante uns exames e perguntaram: 'Quem te ensinou?' Eu respondi: 'A vida'.
Aprendi na base do malabarismo e poderia ter tido mais qualidade de vida. Tenho uma escoliose bem acentuada por conta disso.
Sou músico, canto, toco violão, gaita e flauta. Vim morar em São Paulo em 2003. Sou casado há 20 anos e tenho uma filha de 8. Ao lado da minha esposa, no grupo 'O Jardineiro e a Bella Flor', fazemos shows e apresentações de música infantil pelo Brasil.
O teatro trouxe uma consciência corporal muito grande, para lidar e explorar melhor meu corpo, não só no palco, mas no dia a dia.
'Vacinar é cuidar'
Meus pais poderiam ter ficado paranoicos com a minha paralisia quando chegou a vez de os meus irmãos se vacinarem, mas não: eles nem pestanejaram.
É uma responsabilidade. Igual precisamos comer, a gente também precisa cuidar para que as crianças não passem por isso, que elas não tenham sua infância roubada, ou seus passos roubados.
Dependendo grau da doença, pode atingir os músculos do diafragma e a criança pode não respirar mais.
Minha filha foi vacinada. Fico atento a todas as vacinas. É de graça, então, vai lá. Se você não vacina [seus filhos], isso é uma grande prova de falta de amor, de que você não está presente na vida deles. É uma falta de cuidado extrema."
Entenda a poliomielite
É uma doença contagiosa provocada pelo poliovírus. A infecção pode ocorrer com crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes e provocar ou não paralisia. Os membros inferiores são os mais atingidos quando há caso de paralisia muscular (mais graves).
Sintomas da doença envolvem dor de cabeça, cansaço (mal-estar) e febre. São sinais parecidos aos de uma virose, explica Sheila Homsani, diretora médica de vacinas na Sanofi Brasil.
Algumas pessoas evoluem para formas paralíticas, quando ocorre a falta de movimento de membros, ou para o óbito. A musculatura passa a não funcionar e, se isso ocorre com o diafragma, por exemplo, a pessoa não consegue respirar.
Sheila Homsani, diretora médica de vacinas na Sanofi Brasil
Recentemente, a vacina contra a doença deixou de ser oral para ser injetável. "Ela protege sem nenhum risco de infecção para desenvolver a doença. Ela é aplicada em quatro doses aqui no Brasil. É importante lembrar que a vacina é a única forma de proteger as pessoas contra a poliomielite. Não existe outra forma", diz a médica.
Vacina injetável é segura e bastante eficaz na proteção contra a poliomielite. Agora, o esquema vacinal será feito exclusivamente com ela. As doses serão administradas aos 2, 4, 6 meses e um reforço será aplicado aos 15 meses.