O que acontece no seu corpo quando você fica dias sem fazer cocô
Cristina Almeida
Colaboração para o VivaBem
03/12/2024 05h30
Se você perguntar para um médico se é normal fazer cocô apenas duas vezes por semana, a resposta dele será depende. A razão para isso é que os movimentos intestinais de cada pessoa têm seus próprios padrões e ainda podem mudar em momentos diferentes.
O intervalo das idas ao banheiro pode variar entre três vezes ao dia e a cada dois dias. O que, de fato, caracteriza a normalidade é sentir vontade, ir ao banheiro, evacuar fezes pastosas, sem dor — antes, durante e depois — e ter aquela sensação de dever cumprido.
Os especialistas garantem que alterações nos hábitos intestinais podem acontecer em qualquer fase da vida, e na maioria das vezes o sintoma não preocupa porque se relaciona à dieta e aos hábitos de vida. Mas quando isso se repete ao longo do tempo, complicações são esperadas.
Cerca de 12% da população mundial apresenta queixa de constipação (prisão de ventre).
A população das Américas sofre duas vezes mais com esse tipo de problema quando comparada à população europeia.
30% a 40% das pessoas com 65 anos de idade ou mais citam a constipação como um incômodo.
Os efeitos no seu corpo
De acordo com os especialistas consultados, as causas associadas às mudanças da normalidade intestinal são multifatoriais, mas sempre envolvem fatores relacionados ao trato gastrointestinal, o sistema nervoso ou os músculos da pélvis.
Independente da origem do sintoma, quanto mais tempo você ficar sem defecar, maior é o acúmulo de fezes e maior é a probabilidade de complicações. A primeira delas é a perda da qualidade de vida. Confira outras possíveis consequências:
No curto prazo
Com a retenção das fezes, sintomas como cólicas, dificuldade para passar os gases, distensão local podem aparecer, assim como náuseas e alterações no apetite.
O ressecamento das fezes faz que elas fiquem duras.
Junto ao aumento do bolo fecal podem estar presentes a sensação de pressão e dores anais.
Em casos graves, esse quadro pode levar à compactação do cocô e bloquear o trânsito pelo reto, o que provocará desconforto intenso. Os médicos definem essa condição como fecaloma. A partir daí, não dá para evacuar de forma natural.
A longo prazo
A passagem de fezes duras ou volumosas pode provocar o aparecimento de pequenos cortes na pele que reveste o ânus, conhecidos como fissuras.
Elas causam dor intensa e sangramento, geralmente logo após a primeira evacuação do dia, podendo permanecer por horas.
O problema poderá acometer pessoas de todas as idades e gêneros. Crianças e adultos são os grupos mais afetados.
Medicamentos, cremes específicos, supositórios, banho de assento e higiene mais frequente ajudam a aliviar esses desconfortos.
O esforço e o aumento da pressão continuados durante as idas ao banheiro pode resultar na dilatação das veias da região anal (ou o seu agravamento) ou do reto, também conhecidas como hemorroidas.
Pode haver dor intensa, coceira em volta do ânus e inchaço local. Esses sintomas tendem a passar em poucos dias, mas há medicamentos que podem acelerar a recuperação.
A depender da gravidade, pode ser necessária cirurgia (quadros de tromboses hemorroidárias extensas).
Gestantes são mais suscetíveis, seja pelo aumento do peso, pela maior pressão na região, além de seu perfil hormonal, que favorece a constipação e a piora do problema.
Será que é mesmo constipação?
Mudanças ambientais ou o estresse diante de um evento importante podem alterar o ritmo dos movimentos intestinais. Uma vez que essas circunstâncias se acomodam, o intestino retoma a normalidade. A esse tipo de evento os especialistas denominam constipação aguda.
Por outro lado, quando a dificuldade de evacuação dura por um período de cerca de 30 dias, ela é definida como constipação crônica — que pode começar de forma sutil e persistir por meses ou anos.
Conheça alguns fatores associados:
Hábitos alimentares (dieta pobre em fibras e consumo reduzido de água);
Adiar a ida ao banheiro, segurando as fezes;
Fatores hormonais (hipotireoidismo);
Uso de determinados medicamentos que reduzem os movimentos involuntários do intestino (peristaltismo). São exemplos os antidepressivos, analgésicos como os opioides, medicações com cálcio, anticolinérgicos (tratam tremores, náuseas);
Problemas neurogênicos que afetam a musculatura do intestino (Doença de Chagas, traumas na medula);
Quadros de saúde emocional ou psíquica.
Devagar com o uso de laxantes
O uso desses medicamentos pode ser útil no tratamento da prisão de ventre, mas os especialistas consultados desaconselham a automedicação.
Como existem variados tipos dessa classe de remédios, é preciso saber quais são as opções mais adequadas para o seu quadro, considerando o seu histórico de saúde.
Quando procurar um médico
A sugestão é procurar ajuda especializada quando os sintomas persistirem por mais de um mês e apesar das iniciativas de mudar a alimentação — consumir fibras e mais água.
A medida permite que se faça diagnóstico rápido e se obtenha a indicação do tratamento correto.
Entre as crianças, o tempo dessa espera é de pouco mais de duas semanas, especialmente quando o quadro teve um caráter progressivo após o nascimento.
E se isso acontece com um idoso?
Essa população pode estar mais propensa a esse quadro, seja pela idade avançada, seja porque podem ter uma dieta pobre em fibras, dificuldade para mastigar e baixo consumo de água.
Veja as outras situações que colaboram para isso:
Pouca movimentação (alguns estão acamados ou são cadeirantes);
Perda da força muscular abdominal (prensa abdominal);
Uso de variados medicamentos simultaneamente (polifarmácia);
Presença de enfermidades degenerativas (Parkinson ou Alzheimer).
Quando possível, consulte um médico para que ele possa avaliar as possíveis causas e soluções da constipação do idoso.
Nesse grupo, a presença de outras doenças deve ser descartada. Quando a constipação tem como causa problemas neurogênicos ou psicogênicos, esses quadros devem também ser tratados.
Dicas para facilitar o processo
Nem sempre a correção alimentar resolve de vez a condição, e a ajuda de um nutricionista será essencial. Em alguns casos poderá ser necessário o uso de algum tipo de laxante, mas o ideal é que a prática seja orientada por um profissional da saúde.
Veja os cuidados sugeridos pelos especialistas consultados para colaborar com o bom funcionamento intestinal:
Aposte em exercícios físicos regulares. A caminhada é uma boa opção, mas você pode aproveitar as sugestões do Guia de Atividade Física para a População Brasileira.
Capriche na dieta consumindo alimentos naturais e, portanto, mais fibras (presente em itens de origem vegetal, especialmente os crus), reduzindo ao máximo o consumo de produtos ultraprocessados. Saiba como fazer isso consultando o Guia Alimentar para a População Brasileira.
Inclua no cardápio mamão, ameixa, laranja, banana nanica, abacate, verduras com folhagem, legumes, leite integral, mel, azeite, grãos e alimentos integrais, leguminosas, sementes como girassol e o gergelim, que têm efeito laxativo. Combinar alguns deles forma um coquetel que facilita a evacuação.
Aumente o consumo de água à medida que eleva a ingestão de fibras.
Esteja atento ao que come, especialmente em alimentos com poder de prender o intestino: ultraprocessados como os embutidos, carnes — especialmente as vermelhas, banana maçã, caqui, limão, caju, goiaba, pão de queijo e biscoito de polvilho.
Invista na saúde mental: estresse e questões relacionadas à saúde mental podem influenciar a saúde intestinal. Meditação, ioga, terapia ou atividades que proporcionem bem-estar ajudam a aliviar os sintomas.
Suplementos naturais, como o psyllium e goma acácia, podem ser úteis, mas somente como um complemento, e não como estratégia principal.
Fontes: Gisele P. Raymundo, coordenadora da pós-graduação em nutrição clínica funcional da PUCPR; José Joaquim Ribeiro da Rocha, professor livre-docente e coordenador da Divisão de Coloproctologia do Depto. de Cirurgia e Anatomia do HCRP/FMRP-USP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo); Nathalia Ramos, nutricionista do HU-UNIVASF/Ebserh (Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale São Francisco, que integra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) em Petrolina (PE); Walther de Oliveira Campos Filho, cirurgião do aparelho digestivo, mestre e doutor em cirurgia pela USP. Revisão técnica: Walther de Oliveira Campos Filho.
Referências: ACG (American College of Gastroenterology). Com informações de UOL VivaBem.
Diaz S, Bittar K, Hashmi MF, et al. Constipation. [Atualizado em 2023 Nov 12]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2024 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK513291/