Repórter de TV teve câncer aos 32: 'Médica disse que eu era azarada'
Marcela Varasquim, repórter da TV Record, passou a virada do ano de 2021 para 2022 deitada na cama, chorando, enquanto ouvia os fogos na rua. A jornalista tinha acabado de receber o diagnóstico de câncer de mama. "Foi inesquecível. Eram tantas incertezas. Pensava: Será que vai ser o último ano da minha vida?".
Marcela ainda não sabia em que estágio a doença estava, pois era período de recesso dos consultórios. Precisou esperar até o dia da consulta, quase uma semana depois. "Meu mundo caiu. Fiquei incrédula em imaginar que eu estava com câncer", diz a VivaBem.
Passados quase três anos do diagnóstico, Marcela, 35, tem hoje um cenário melhor: o câncer entrou em remissão —quando não há mais sinais do tumor. Ela conta como foi a fase da descoberta até o tratamento que envolve bloquear os hormônios estrogênio e progesterona.
'Só perguntava se iria sobreviver'
"Em 2021, senti um nódulo no seio esquerdo, mas não pensei que poderia ser câncer. Minha saúde sempre foi de ferro e não tenho nenhum histórico de câncer na família.
Deixei de ir atrás do médico e, uns dois meses depois, meu namorado (hoje, marido), comentou que estava muito evidente e que eu deveria ver. Tanto que foi ele que marcou a consulta para mim. O tempo todo eu tinha certeza que não seria nada.
Quando a médica sentiu o nódulo, já fizemos um ultrassom no mesmo dia, que deu suspeita de câncer. Para ter certeza, ela também pediu biópsia. Mas disse que eu era jovem e sem casos na família e, por isso, teria risco mais baixo.
Demorou quase um mês para o resultado ficar pronto. Nisso, já era fim de ano e eu ia para Curitiba passar o Natal com meus pais. Quando voltei, estava pronto. Era dia 27 de dezembro, aniversário do meu marido, e ele me levou até lá.
Quando peguei o envelope, estava escrito 'carcinoma mamário invasivo' e aí a minha mão começou a tremer, fiquei muito nervosa. Procurei no Google na hora e a primeira coisa que apareceu foi câncer de mama. Meu mundo caiu. Fiquei incrédula de imaginar que estava com câncer.
Chamei meu então noivo e contei do resultado. Chorava muito! Consegui um encaixe com o médico no mesmo dia e ele confirmou meu diagnóstico. Minha primeira pergunta era se iria sobreviver.
Tinha deixado passar uns dois, três meses desde que senti o caroço, então achei que estaria mais grave.
'Foi difícil me olhar no espelho sem cabelo'
Foram 16 quimioterapias e 15 radioterapias. O câncer foi para uma parte das axilas, então tivemos de fazer o esvaziamento dos linfonodos para evitar que a doença se espalhasse.
Tirei 100% do meu seio direito e coloquei silicone na mesma cirurgia. Foi uma recuperação muito difícil. Neste período me afastei do trabalho —mas, na verdade, queria muito trabalhar.
Quando chegou o momento de raspar o cabelo, que é muito emblemático para um paciente com câncer, foi complicado. A gente vive muito focado na aparência e beleza, e eu trabalho com vídeo, então foi difícil me olhar no espelho sem cabelo.
Por outro lado, tirei uma força interior que nem sabia que existia. Foi um processo muito doloroso, tanto fisicamente, quanto emocionalmente, mas também um divisor de águas na minha vida.
Tive tempo para pensar em quem eu sou e para onde quero ir a partir de agora, pois sei que vou continuar vivendo. Estava em um ciclo que não me levava para lugar nenhum. As coisas não faziam sentido, essa é a grande verdade.
Quando reorganizei meus pensamentos, comecei a pensar como iria fazer minha vida valer a pena nesse mundo.
Terminei a quimioterapia e toquei o sino que mostra que finalizamos a última sessão. Foi muito bacana, chorei muito. Aquilo representava que, a partir daquele momento, eu era uma nova pessoa. Era uma próxima etapa da minha vida que eu queria que valesse a pena.
'Médica disse que eu era azarada'
Lembro que quando ia começar a quimioterapia, perguntei aos médicos o que iria sentir, quais sintomas. Eles falaram que, por eu ser jovem, meu organismo ia suportar bem, que era ativa, e que nada de ruim iria acontecer neste processo.
Quando fiz a primeira quimioterapia, a vermelha, que costuma ser a mais forte, foi um baque enorme no meu corpo. Lembrei do médico falando que seria tranquilo, pensei: 'Será que só comigo acontece desse jeito?' Não conseguia sair da cama, tinha um cansaço tremendo. Nem tenho palavras para explicar.
Resolvemos ir ao médico que estava de plantão no hospital para entender o que estava acontecendo. A médica que estava lá me examinou, mediu todos sinais, e disse que estava tudo ok, que talvez eu tivesse tido 'um azar' por estar sentindo tantos sintomas.
Quando ela falou isso, fiquei muito triste. 'Poxa, além do câncer, também sou azarada por estar tendo esses sintomas terríveis', pensei no dia.
Acho que os médicos não têm humanização e nem tato para lidar com os pacientes. Falar que a pessoa 'tem azar' por estar sentindo os sintomas não é nada adequado.
Nesse momento, fui para o Instagram procurar outras pacientes. Tinha cansado de falar com os médicos. Foi assim que conheci a Jakeline, minha melhor amiga no processo de quimioterapia. Ela é de Juiz de Fora e quero muito conhecê-la pessoalmente.
Ela estava fazendo quimioterapia, tinha câncer de mama e exatamente a minha idade, 32 anos. Minha amiga sentia os mesmos sintomas que eu —cansaço, dor no corpo, enjoo, dificuldade para comer. Foi quando percebi que não era anormal, nem azarada.
'Vivo menopausa induzida'
Foram sete meses de sessões de quimioterapia e radioterapia. Como entrei em remissão, o trabalho agora é evitar que o câncer volte, que eu tenha uma recidiva.
Comecei meu bloqueio hormonal em outubro de 2022. Tomo dois medicamentos —um injetado na barriga e outro via oral —para bloquear a produção do estrogênio e a progesterona, que causaram o câncer.
Então, aos 32 anos, entrei na menopausa de um dia para o outro. Foi um choque muito grande porque meu corpo começou a se transformar. Precisei aprender a lidar com meu novo corpo, com essa falta de hormônios, que afeta muito nosso organismo.
Meu primeiro ano com esse tratamento foi bem difícil, sentia muito cansaço e desânimo, como uma leve tristeza e depressão, além das dores nas articulações e no corpo no geral também.
Mas nessa época, tinha voltado a trabalhar e meu cabelo voltou a crescer. Tinha perdido a 'cara de paciente', então quem via de fora nem imaginava o que estava vivendo, o que estava sentindo.
E isso é muito difícil, sabe? As pessoas acham que você já superou, que está 'curada', mas não é verdade porque o tratamento do câncer continua, com sintomas colaterais fortes. E a gente precisa continuar com a vida como se nada estivesse acontecendo.
Entenda tratamento de Marcela
O câncer de mama pode ser causado pela exposição aos hormônios femininos progesterona e estrógeno, como ocorreu com Marcela. "Se olharmos em proporção no Brasil e no mundo, 65%, 75% dos cânceres de mama estão relacionados a essa expressão hormonal", explica Larissa Muller Gomes, oncologista clínica do Hospital Edmundo Vasconcelos (SP).
As células de defesa conseguem bloquear as mutações que ocorrem no nosso corpo. No entanto, às vezes, a defesa não dá conta e "permite" que a doença se desenvolva. Pessoas que menstruam estão expostas aos hormônios desde sempre (incluindo uso de contraceptivos e outros métodos hormonais), o que pode aumentar o risco de câncer, explica a oncologista.
Quando as pacientes têm o receptor hormonal positivo para o câncer, a lesão 'usa' o estrogênio e a progesterona que estão no nosso sangue para crescer e proliferar. Então, a causa da doença para essas pacientes são esses hormônios femininos.
Larissa Muller Gomes, oncologista
Única maneira de "barrar" a doença é bloqueando esses hormônios. Isso pode durar de cinco a dez anos, dependendo do nível de comprometimento da doença. Marcela deve tomar medicação por sete anos.
Impacto da "menopausa induzida" é o mesmo da que ocorre naturalmente. Essa queda hormonal abrupta causa diversos sintomas, com efeitos diretos no cérebro (causando a "névoa mental"), além de provocar alterações emocionais (depressão, ansiedade) e físicas (calor, dor nas articulações).
Esses fatores podem complicar o enfrentamento emocional da paciente durante o tratamento, exigindo um acompanhamento especializado. Não dá para ficar apenas com a oncologia, é preciso de psiquiatria, psicologia, ginecologia. É muita mudança ao mesmo tempo. Larissa Muller Gomes, oncologista
Gomes reforça a importância de incluir medidas saudáveis na rotina. Entram na lista: sono reparador, dieta balanceada, atividade física, entre outras.