'Bebia para não pensar em merda': Adriano narra depressão após morte do pai
Se o Adriano não estiver bem, o Imperador não presta.
Adriano Imperador, 42, ídolo do Flamengo e da Inter de Milão, abriu o coração em sua biografia "Adriano, Meu Medo Maior" (Planeta), publicada no último mês. Escrita pelo jornalista Ulisses Neto, a obra resume em pouco mais de 500 páginas a trajetória do jogador — da Rua 9 na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, passando pelos anos na Itália, o retorno ao Brasil e sua despedida nos gramados pelo Miami United.
Na publicação, Didico toca em temas sensíveis, como a morte do pai em 2004, no auge do seu momento no futebol, que desencadeou o diagnóstico de depressão. Quem vê Adriano sempre sorrindo, fazendo piadas e repetindo bordões — 'morde as costas'; 'nem cavalo aguenta'; 'habib és'— não imagina o vale sombrio que ele atravessou.
Seu desempenho em campo já não era mais o mesmo e seus momentos de "danone" (como ele se refere ao álcool) eram cada vez mais frequentes. "Me afundei mesmo, 'xará'. Na época eu não sabia, mas eu tinha entrado em depressão", afirma Adriano, no livro.
Eu não tinha ânimo para acordar cedo e ir treinar com vontade, cara, que dirá fazer as outras coisas que você precisa fazer fora do clube: comer direito, dormir bem, descansar e, principalmente, pegar leve na cachaça. Minha única preocupação era beber e ir pra balada. Essa rotina não me deixava feliz, ao contrário do que muita gente imagina. As pessoas confundem as coisas até hoje. Acham que a gente é bagunceiro porque é pilantra mesmo, cabeça de bagre, sem vergonha. Não, cara. Beber era a única forma que eu encontrava para não ficar pensando merda em casa.
'Não gosto nem de lembrar'
Durante toda a leitura, a impressão é de se estar sentado, conversando com ele em um quiosque na Barra da Tijuca ou em sua casa em Búzios — dois ambientes muito presentes no livro e que fazem parte de sua rotina hoje.
Com um papo tão direto e sem tabus, não tem como não sentir empatia: o Imperador aguentou muito e ainda foi simpático. Quando foi deixado fora do time que disputaria a Champions League, Adriano se fechou ainda mais.
"Meu poço não tinha fundo, negão. (...) Eu me afundei numa depressão braba, cara. Foi feio mesmo. Minha família percebeu e ficou perto de mim." Dona Rosilda e dona Vanda, sua mãe e sua avó, tiveram — e ainda têm, ele deixa claro— papel importante no sucesso e recuperação do jogador.
Minha depressão tinha chegado a um nível que eu não gosto nem de lembrar. Nada mais funcionava. (...) Para não beber e não ir para a balada, eu tinha que estar com a cabeça no lugar. E sem jogar nem fazer gol era impossível. Tá entendendo o tamanho da cagada? Uma coisa estava ligada a outra.
'Rehab' no SPFC
Foi quando Massimo Moratti, na época presidente da Internazionale, o chamou para conversar e sugeriu que ele fosse internado em uma clínica de reabilitação na Suíça. "Olhei para a porta, assustado. Achei que entrariam uns enfermeiros com camisa de força a qualquer momento. Que merda era aquela, mano? Eu não aceitaria de jeito nenhum. Queria sair da sala imediatamente", lembra ele.
A solução proposta por Gilmar Rinaldi, procurador de Adriano na época, foi de o jogador ir para o São Paulo e se tratar no Reffis (Reabilitação Esportiva Fisioterápica e Fisiológica) do time do Morumbi. A ideia foi vendida para o Imperador como "uma clínica dentro do CT" e ele topou.
Depois, Adriano ainda ficou no SPFC para jogar a Libertadores.
Passavam umas ideias erradas na minha cabeça o tempo inteiro. Eu tinha que sair da Itália. O São Paulo foi o meu escape. Montaram um plano maneiro para eu me recuperar. O psiquiatra que colocaram para me tratar funcionou melhor que o da Inter, para ser sincero.
O tratamento que os caras fizeram comigo era bom mesmo. Começou a dar resultado rápido. Eu me sentia mais animado. A vontade de correr no campo, de fazer aquela parte chata da preparação voltou. Eu tive uma explosão de ânimo. (...) Tinha dado um tempo com a bebida. Conversava com o psiquiatra. Seguia o tratamento dele e fazia a minha parte no campo. (...) Achei que tinha me recuperado. Não pode dar mole, eu dei.
Depressão e futebol
Em abril, VivaBem publicou uma matéria mostrando as principais demandas dos jogadores da Série A do Campeonato Brasileiro e da seleção brasileira quando o assunto é saúde mental. Após a Copa do Mundo de 2022, o atacante Richarlison se disse "no fundo do poço" e buscou ajuda.
Até pouco tempo atrás, a seleção brasileira não tinha psicólogos em sua comissão técnica. O treinador na última Copa, Tite, chegou a dizer que sua comissão conseguia lidar com as questões de saúde mental do grupo sem um profissional da área.
Mas as coisas parecem estar mudando. Em março deste ano, Marisa Santiago, psicóloga do Bahia, acompanhou a delegação nos amistosos. Isso é necessário porque a alta performance esportiva se opõe expressivamente à saúde mental.
A pressão dentro e fora de campo, os treinos excessivos e as viagens constantes entram em desacordo com o que a psicologia indica. As principais questões dos jogadores envolvem calendário intenso, competitividade, cobrança da torcida, problemas pessoais e casos de violência e intimidação.
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