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Irregulares, sachês de nicotina são vendidos online como alternativa a vape

Imagem: Arte/O Joio e o Trigo

Pedro Nakamura

De O Joio e o Trigo

10/12/2024 05h31

Sachês e bolsas de "nicotina oral" fabricados por empresas de cigarros como Philip Morris, que produz o Marlboro, e British American Tobacco, dona da antiga Souza Cruz, são vendidos de forma clandestina para brasileiros no Instagram, apurou O Joio e O Trigo. Esses produtos contêm nicotina sintética, podem viciar e são comercializados em sabores como hortelã, menta ou citrus, o que os torna mais atraentes aos jovens.

Essas "bolsas" artificiais têm se popularizado na Europa e nos Estados Unidos e imitam o snus, um sachê de pó de tabaco umedecido típico da Suécia, que é inserido ao lado da gengiva para que a mucosa absorva a sua nicotina. Muitos desses sachês, inclusive os produzidos por BAT e Philip Morris, têm formaldeído, substância classificada como carcinógena pela Iarc (Agência Internacional de Pesquisa em Câncer) e que também está presente na fumaça dos cigarros tradicionais.

De acordo com o levantamento da reportagem, ao menos três perfis impulsionaram anúncios de snus sintéticos com foco no público brasileiro a partir de novembro no Instagram. Identificamos também outras oito páginas de vendas desses sachês na rede social, sendo que a importação e o comércio desse tipo de produto não são permitidos no país pela falta de marco regulatório, afirmou a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ao Joio.

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As publis impulsionadas incluíram de promoções a convites para se tornar revendedor dos sachês, que também são chamados de "pouches". A reportagem contatou os anunciantes que encontrou no Instagram sem dizer que investigava o assunto e fingindo interesse na compra do produto. Adotamos essa abordagem porque não seria possível saber mais sobre a operação irregular de outra maneira.

"Acabamos conseguindo um canal de vendas para trazer [os sachês] ao Brasil e agora estamos distribuindo", explicou por áudio no WhatsApp o dono da página Mundo do Snus, que impulsionou anúncios nas redes buscando interessados em revender os pouches da Philip Morris.

Ele publica fotos de suas encomendas prontas para despacho via Correios no Instagram, expondo o próprio nome e endereço, que fica em Bento Gonçalves, cidade da serra gaúcha, no Rio Grande do Sul, como remetente dos envios.

O dono da página clandestina também explicou que, no exterior, os pouches estariam fazendo sucesso com quem deseja parar de fumar ou trabalha em escritórios. "É uma febre que pegou forte no ambiente corporativo, onde quem não pode estar fumando, mas precisa da sensação da nicotina, pode colocar esse pouch em cima da gengiva e ninguém sabe que você está usando [o snus]", diz.

Um dos anúncios de snus sintéticos impulsionados no Instagram afirma que o produto é natural e ajuda a parar de fumar vapes. Na verdade, pouches de nicotina viciam e são uma das apostas da indústria do tabaco para compensar suas perdas com as vendas em queda de cigarros tradicionais (Reprodução: Biblioteca de Anúncios da Meta).

Alternativa aos vapes e predileto dos atletas

Pelos registros disponíveis nas fotos publicadas, o nome do administrador da página seria Pietro Trabbold Fedatto. Ele também é o dono do domínio "mundodosnus.com.br", usado para promover os produtos na internet.

"Já trabalho com vape descartável e pontos de venda, aí decidi colocar [os sachês] neles e tive um resultado muito positivo, então pensei em abrir o mercado para o resto do pessoal vender também um produto que com certeza vai ser tendência desse verão que tá chegando", apostou o dono na página, no áudio enviado à reportagem.

Perguntado se os sachês são originais, o dono da Mundo do Snus disse comprar os produtos diretamente da Philip Morris nos Estados Unidos e que "de lá damos nosso jeito do produto chegar até o Brasil".

Dias após essa conversa, a reportagem retornou a contatar o dono da página para perguntá-lo diretamente sobre a irregularidade e se Pietro Fedatto era seu nome. Na oportunidade, ele negou, disse que não iria se manifestar e excluiu os perfis de redes sociais da página Mundo do Snus.

Procurada pelo Joio, a fabricante de cigarros norte-americana Philip Morris disse que não vende suas bolsas de nicotina sintética no país, que observa "integralmente a legislação brasileira" e que "sempre atuou em respeito às determinações dos órgãos reguladores". Já a BAT, que também tem uma de suas marcas de sachês vendida de forma clandestina no país, disse que não iria se manifestar.

Entre os posts e anúncios de sachês de nicotina identificados pela reportagem no Instagram, os perfis de vendas publicam conteúdos que tentam promover esses produtos como uma alternativa "mais saudável" para quem deseja deixar os cigarros eletrônicos, algo que combate a ansiedade e até mesmo melhora a performance de atletas, como Messi e o lutador de MMA Alex Pereira.

Posts de páginas que vendem pouches de nicotina sintética apresentam o produto como uma alternativa "mais saudável" aos vapes, como um "pré-treino" que reduz a ansiedade e como algo utilizado por atletas de alto rendimento Imagem: Reprodução/Instagram
Posts de páginas que vendem pouches de nicotina sintética apresentam o produto como uma alternativa "mais saudável" aos vapes, como um "pré-treino" que reduz a ansiedade e como algo utilizado por atletas de alto rendimento Imagem: Reprodução/Instagram

Ao Joio, a dona do Instagram, a Meta, disse proibir anúncios "que promovam a venda ou o uso de produtos de tabaco ou nicotina e de equipamentos relacionados". A plataforma afirmou que usa uma combinação de denúncias de usuários, tecnologia e revisão humana para remover conteúdos que violem suas regras, mas não derrubou os anúncios de snus sintéticos identificados pela reportagem e enviados à assessoria de imprensa da rede social.

Em relação a uma possível regulamentação desses pouches, a Anvisa disse à reportagem ter um "monitoramento de mercado" de novos produtos de nicotina em andamento e que "a análise dos dados encontrados poderá levar a eventual justificativa para a abertura de proposta regulatória". A agência também afirmou que não poderia comentar se empresas de tabaco já sinalizaram interesse em comercializá-los no país por motivo de "sigilo comercial".

Anúncio no Instagram promove pouches de nicotina vendidos pela BAT e Philip Morris no exterior Imagem: Reprodução/Biblioteca de Anúncios da Meta

Aposta da indústria, risco incerto à saúde

Hoje, esses sachês já estão disponíveis em vários mercados de países desenvolvidos, fabricados sobretudo por empresas de cigarro tradicionais, como BAT e Philip Morris.

"Nas últimas décadas, o aumento de medidas de controle do tabaco se provou eficaz e reduziu os índices de tabagismo, o que é uma ameaça à indústria do tabaco", diz a pesquisadora britânica Sophie Braznell, coordenadora do pesquisa no Grupo de Estudos em Controle do Tabaco da Universidade de Bath, na Inglaterra.

Com isso, a crise no mercado consumidor do setor motivou o lançamento de novos produtos, como vapes, dispositivos de tabaco aquecido e sachês para compensar perdas no faturamento e impulsionar de volta os lucros com produtos viciantes, explica Braznell.

"Eles dizem que estão criando alternativas ao tabagismo, mas na verdade estão impulsionando o mercado de cigarros enquanto vendem esses novos produtos, de modo que agora têm múltiplas fontes de renda", afirma.

Em 2023, a Philip Morris enviou mais de 384 milhões de latas de seus pouches para os EUA —62% a mais comparado a 2022— e também viu um acréscimo de 3,5% em seus lucros globais com cigarros convencionais, segundo seus resultados anuais apresentados a investidores.

Já a BAT viu a produção de seus snus sintéticos saltar em 33% de 2022 para 2023, o maior crescimento em comparação a outros produtos do portfólio da empresa. A venda de unidades de vapes avançou 7%, enquanto o comércio de cigarros convencionais decaiu 8% e o de produtos de tabaco aquecido teve queda de 1,3%.

A pesquisadora britânica também ressalta que esses novos produtos costumam driblar regulações antigas que visam regular o tabaco convencional e facilitam a entrada da indústria em novos mercados consumidores. No caso do Brasil, a Anvisa disse que as regulações existentes para produtos fumígenos, como cigarros, também se aplicariam às bolsas de nicotina.

Além disso, como esses sachês estão no mercado há poucos anos e têm composições variadas, de folhas de tabaco a nicotina sintética, não se sabe sobre seus riscos à saúde e faltam dados de longo prazo sobre os impactos de seu uso, explica a especialista em prevenção ao tabaco Lisa Ermann, da Sociedade Sueca do Câncer (Cancerfonden).

No país escandinavo, onde nasceu o snus tradicional, que usa apenas folhas de fumo, produtos sintéticos entraram no mercado nos últimos anos e têm atraído sobretudo os mais jovens e as mulheres. Em 2023, 22% das adolescentes suecas de 17 anos usavam snus, índice que inclui os sachês de nicotina sintética —em 2018 esse índice era de 9%, por exemplo.

"Há estudos que mostram que o snus aumenta o risco de certas formas de câncer, como os de esôfago, pâncreas, estômago e reto", explica Ermann. Ela ressalta, no entanto, que não há evidências de nexos causais entre o uso dos sachês e tumores. Ainda assim, há pesquisas que encontraram um risco maior de se contrair diabetes ou morrer por câncer entre usuários de snus em comparação a quem não usa o produto, entre outros indícios de malefícios.

No caso sueco, há indicativos de que o snus favorece a iniciação ao tabagismo. Um relatório recente do governo do país sobre as conexões entre snus, vapes e cigarros convencionais mostrou que o uso dos sachês ou cigarros eletrônicos aumenta o risco de se começar a fumar, diz a especialista.

Leia a íntegra dos posicionamentos recebidos pelo Joio

O que disse a Anvisa, em resposta às perguntas enviadas pela reportagem:

Qual o status regulatório das bolsas de nicotina oral, em particular as de nicotina sintética? Há vedação contra comercializá-las no país ou importá-las? Se não, qual tipo de violação seu comércio enseja? Já houve algum tipo de fiscalização nesse sentido?

Trata-se de produtos sujeitos à vigilância sanitária, e a importação e a comercialização destes produtos no país, no momento, não são permitidas uma vez que não há marco regulatório para a sua comercialização.

Empresas como BAT Brasil, Philip Morris ou JTI já fizeram consultas ou enviaram dúvidas à Anvisa sobre a possibilidade de registrar pouches de nicotina ou snus no Brasil? Já há algum pedido de registro neste âmbito, em particular de produtos como Velo ou Zyn? É possível confirmar alguma forma de demonstração de interesse da indústria em vender esse tipo de produto?

Eventuais dúvidas ou questionamentos feitos por qualquer empresa interessada em comercializar produtos regulados pela Anvisa são protegidos por sigilo empresarial, pois envolvem a estratégia comercial da empresa, portanto a informação relativa a se foram feitas consultas ou o teor destas não pode ser divulgado. Por outro lado, a Anvisa possui canais de comunicação com a sociedade, onde qualquer cidadão pode dirimir suas dúvidas ou questionamentos sobre qualquer assunto relacionado ao escopo de atuação da Agência, incluindo aí produtos fumígenos.

Na eventualidade de registro de pouchs de nicotina oral livre de tabaco, em qual categoria regulada constariam, já que em tese não podem ser considerados produtos fumígenos?

A definição de fumígenos não se limita a produtos que produzem fumaça. Por definição, produtos fumígenos, são produtos manufaturados, derivados ou não do tabaco, que contenham folhas, extratos de folhas, outros componentes de vegetais, substâncias sintéticas ou naturais, ou que mimetizem produtos de tabaco.

Considerando o avanço de novos produtos de nicotina vendidos pela indústria do tabaco no exterior e que já estão chegando ao país, criar normas para as bolsas de nicotina oral livres de tabaco consta em algum tipo de agenda regulatória da agência ou são elas objeto de algum tipo de estudo/nota técnica?

Inicialmente, é importante destacar que existem etapas anteriores ao efetivo acompanhamento de um tema na Agenda regulatória.

Uma dessas etapas é a prospecção de produtos e assuntos no mercado que necessitem intervenção regulatória. No caso dos novos produtos de nicotina, esse monitoramento do mercado se encontra em andamento e a análise dos dados encontrados poderá levar a eventual justificativa para a abertura de proposta regulatória.

O item 16.3 da agenda regulatória versa sobre a regulamentação de produtos fumígenos. No detalhamento do tema está descrito que ele abrange atualização dos requisitos atualmente previsto para os produtos fumígenos derivados do tabaco e as propostas regulatórias referentes a produtos fumígenos emergentes.

O que disse a Philip Morris Brasil:

A Philip Morris não comercializa o Zyn no Brasil. A empresa observa integralmente a legislação brasileira e ressalta que sempre atuou em respeito às determinações dos órgãos reguladores. Acreditamos que o melhor modo de coibir o contrabando é apoiar uma regulamentação robusta, que assegure ao consumidor que os produtos que ele deseja consumir tenham qualidade e controle.

O que disse a Meta, dona do Instagram:

Proibimos anúncios que promovam a venda ou o uso de produtos de tabaco ou nicotina e de equipamentos relacionados. Os anúncios não devem promover dispositivos de vaporização como cigarros eletrônicos, vaporizadores ou outros produtos que simulem o fumo. Usamos uma combinação de denúncias da nossa comunidade, tecnologia e revisão humana para aplicar nossas políticas, removendo conteúdos violadores. Recomendamos que as pessoas denunciem quaisquer conteúdos que acreditem ir contra as Diretrizes da Comunidade do Instagram e os Padrões de Publicidade da Meta através do próprio aplicativo.

Errata: este conteúdo foi atualizado
O boxe de resumo da notícia gerado por inteligência artificial dizia incorretamente que os sachês são vendidos clandestinamente no Instagram pela British American Tobacco. A informação foi corrigida e, posteriormente, o boxe de resumo desativado.

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