O que acontece no seu corpo quando você medita regularmente
Imagine encontrar uma estratégia de saúde física e mental que seja segura, não envolve medicamentos, pode ser utilizada em qualquer lugar, é acessível e ainda promove a autonomia. Estamos falando da meditação, uma prática que conta mais de 5.000 anos.
Nas últimas décadas, a meditação tem sido objeto de inúmeros estudos científicos, já integra políticas públicas de saúde em países como o Brasil, o Reino Unido e o Canadá e tem sido cada vez mais utilizada com fins terapêuticos para combater o estresse, a ansiedade e a depressão, os desafios da vida e do trabalho, e também melhorar a qualidade de vida.
O conceito de meditação abrange centenas de técnicas que variam em suas funções e se encaixam em diferentes contextos de caráter científico, filosófico, religioso, ecumênico etc. O que torna cada uma delas única é o caminho que adotam para alcançar seus objetivos.
A prática integra a PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) (Portaria do Min. da Saúde n. 849/2017).
Em 2019, 4,6% das pessoas no Brasil usaram PIC (Práticas Integrativas e Complementares). Nos EUA, 36,7% fazem uso de práticas semelhantes (2022).
Em nosso país, a representação da meditação entre as PIC foi 11,5% (cerca de 0,5% da população geral). Nos EUA, em 2022, o percentual foi de 17,3%.
A estratégia cresceu entre pessoas com 65 anos ou mais, indivíduos sem acesso a cuidados de saúde mental e entre os com menor escolaridade. (Dados dos EUA).
Os efeitos no seu corpo
Desde a década de 1970, quando os cientistas começaram a observar os efeitos clínicos de variados tipos de meditação na saúde, muitos benefícios foram identificados e descritos. As pesquisas ainda prosseguem.
Uma recente revisão desses estudos destaca o bem-estar, o relaxamento e a melhora da qualidade de vida como ganhos para quem medita, mas também ressalta mudanças positivas em determinadas condições e sintomas — seja em pessoas enfermas ou saudáveis. Confira algumas delas:
Menos ansiedade e depressão
Práticas que atuam na mente e no corpo, como a meditação, podem ajudar na melhoria de sintomas da depressão e ansiedade, e em uma proporção de 43% e 35%, respectivamente.
A ação antidepressiva é mais evidente entre pessoas com quadros de saúde mental (entre eles, a resposta positiva beneficiou cerca de 58% dos pacientes, quando comparados às pessoas com apenas condições físicas).
Os cientistas acreditam que tais resultados são consequências da regulação dos neurotransmissores serotonina e dopamina (associados ao humor, sono e à digestão), operado pela interação dos sistemas neurológico, endócrino e imunológico.
Dados publicados nos periódicos científicos BMJ, Revista Brasileira de Epidemiologia e Complementary Therapies in Clinical Practice.
Bye bye, estresse
Os especialistas consultados afirmam que a meditação não é uma "poção mágica" que vai mudar a sua vida. Mas ela pode ser uma aliada na construção de habilidades para lidar com os desafios do dia a dia e da vida em geral.
As mudanças, observadas já nas primeiras semanas, são maiores atenção e foco, o que pode trazer a sensação de estar dando mais conta de tudo.
Na sequência, poderá ser observado um processo chamado de autorregulação da atenção: com o passar do tempo e a regularidade da prática, você passa a equilibrar pensamentos, sentimentos e ações.
Noites de sono zen
De acordo com o Centro Nacional para a Saúde Complementar e Integrativa, práticas de meditação e mindfulness são mais eficientes no aprimoramento da qualidade do sono e na melhora da insônia quando comparadas a abordagens baseadas em educação para o sono.
Por outro lado, esses resultados foram semelhantes (não superiores) a outras estratégias terapêuticas como exercício físico e terapia cognitivo-comportamental.
Isso significa que unir essas práticas pode potencializar os efeitos benéficos buscados.
Coração em dia
Em 2017, a Associação Americana do Coração publicou um documento científico abordando a meditação e a redução da probabilidade de ter doenças cardiovasculares (infarto, AVC etc.), sobretudo pelo benefício de redução da pressão arterial.
A sociedade médica ressalva a necessidade de mais pesquisas para consolidar esse resultado, mas declara que, diante dos baixos custos e risco associados à meditação, a prática deve, sim, compor estratégias de prevenção de doenças cardiovasculares.
O público-alvo seria pessoas interessadas em fazer mudanças positivas em seu estilo de vida.
Importante saber que ainda não foi completamente explicado como a meditação reduz a pressão arterial. A hipótese é que alterações na química do cérebro (neurofisiológicas) ao longo da prática podem facilitar mudanças mediadas pelo Sistema Nervoso Autônomo. Esse sistema está associado à regulação do batimento cardíaco e da pressão arterial.
Dor sob controle
Os efeitos da redução do estresse, somados aos da autorregulação, podem influenciar os níveis de tolerância à dor, ou seja, as pessoas se tornam capazes de reduzir sua resposta emocional à sensação dolorosa.
Algumas pesquisas indicam melhoria nos seguintes quadros: dor lombar; dor entre pessoas que fazem uso de analgésicos; dores agudas decorrentes de cirurgia, parto ou traumas.
Os dados são do Centro Nacional para a Saúde Complementar e Integrativa, que igualmente ressalva a existência de estudos com resultados contraditórios.
Mais vida: dentro e fora do trabalho
Como a meditação integra programas de saúde pública da Inglaterra, as autoridades sanitárias observaram que na hora de promover a saúde e prevenir doenças no trabalho, esse tipo de prática — junto à ioga— é a mais efetiva quando o objetivo é reduzir o estresse e os sintomas mentais nesses ambientes.
O bem-estar mental é o resultado mais positivo. Esse benefício é efetivo quando a prática é feita em grupo ou quando é online.
Oferecer aos funcionários ou facilitar o acesso a modalidades como mindfulness, outros tipos de meditação e ioga também é recomendado aos empregadores, segundo o Instituto Nacional para a Saúde e o Cuidado de Excelência, do Reino Unido.
Como a meditação funciona
De acordo com o Ministério da Saúde, a meditação é uma ferramenta — ou recurso terapêutico— capaz de promover o fortalecimento físico, emocional, mental, social e cognitivo.
Mas ela também pode ser compreendida como um estado mental, difícil de ser compreendido, porque se refere a algo para além da lógica, ou seja, algo situado no campo da observação consciente. Trata-se exatamente do contrário de estar com a mente dispersa ou no piloto automático.
Além disso, os especialistas ainda a descrevem como uma técnica capaz de harmonizar os estados mentais utilizando elementos conhecidos como "âncoras" de atenção (respiração, mantras, foco no agora) ou "relaxamento da lógica", isto é, um distanciamento ou uma visão em perspectiva dos pensamentos.
O que os cientistas descobriram até o momento é que a forma como a meditação atua na mente e no corpo parece estar associada ao funcionamento do cérebro.
Muitos pesquisadores avaliaram a atividade cerebral em diferentes regiões cerebrais (córtex pré-frontal, hipocampo, ínsula etc.) entre meditadores e não meditadores. A hipótese é que as práticas meditativas podem alterar a atividade cerebral. Mas faltam ainda melhores meios de interpretar esses resultados e entender suas implicações na prática.
Atenção às contraindicações
Meditação é contraindicada para indivíduos com questões de saúde mental ou física com quadros agudos. Exemplo: pessoas com depressão durante um período de crise.
O aumento da ansiedade e quadros psicóticos também já foram observados, especialmente entre os que nunca praticaram meditação e ignoraram a recomendação de que a imersão na técnica deve ser progressiva, evitando práticas muito intensas ou prolongadas no início do treinamento.
Na hora de começar, é sempre indicado conhecer mais sobre a técnica escolhida e, quando possível, receber a orientação de um facilitador de meditação.
Não é tudo igual, não!
Os objetivos buscados por cada técnica de meditação pode ser diferente, assim como a sua metodologia. São exemplos: a prática feita após o final de uma aula de ioga, a contemplação da natureza, uma pausa para observar o seu entorno, seus sentimentos, ou técnicas nas quais é preciso usar uma âncora específica.
No geral, essas variações são classificadas em três grandes grupos:
- Atenção plena: objetivo é desenvolver o foco, estado de maior consciência e autopercepção. Um exemplo é a mindfulness.
- Generativas: buscam promover estados mentais ou afetivos, tal como a técnica da compaixão.
- Desconstrutivas: a autopercepção e os insights são facilitados para melhorar padrões cognitivos disfuncionais (distorções cognitivas), como as práticas de autorreflexão.
Saiba por onde começar
Os especialistas consultados sugerem que o ideal é aprender alguma das muitas técnicas existentes seja por meio de leituras, facilitadores, participação em algum grupo de meditação.
Os aplicativos são considerados uma porta de entrada para a prática e também podem inspirar a conhecer mais sobre ela. A ideia é que, com o avanço na técnica, você se torne autônomo.
Experimente algumas variações para saber qual é a que mais se identifica com o seu estilo de vida e objetivos. Comece devagar, praticando 5 a 10 minutos todos os dias, e vá aumentando esse tempo progressivamente, ao longo de semanas e meses.
Evite participar de retiros de meditação se você é um iniciante porque esses encontros geralmente têm como público-alvo os meditadores avançados.
O passo a passo
Antes de começar, escolha um lugar confortável e livre de distrações.
Sente-se em uma cadeira ou mesmo deite-se no chão.
Feche os olhos.
Foque a atenção na sua respiração, em um objeto, ou mesmo em um som à sua volta.
Observe os momentos naturais de divagação mental com mais curiosidade e, gentilmente, traga a sua atenção de volta à respiração.
Invista na regularidade para que a meditação se torne um hábito e traga os benefícios buscados.
Fontes: Maíra Siqueira, psicóloga clínica com formação em gestão de pessoas, análise comportamental clínica, é pós-graduanda em prática baseada em evidências em psicologia clínica e psicóloga organizacional e do trabalho do HUPES-UFBA/Ebserh (Hospital Universitário Prof. Edgard Santos, da Universidade Federal da Bahia, que integra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares); Marcelo Demarzo, instrutor de mindfullness e compaixão, médico, pesquisador e professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e coordenador do Centro Mente Aberta - Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde; Roberto Cardoso, médico com mestrado e doutorado em ciências pela Unifesp, membro fundador do NUMEPI-Unifesp (Núcleo de Medicina e Práticas Integrativas) e responsável pelo Curso de Formação de Facilitadores de Meditação da mesma instituição, é autor do livro Medicina e Meditação (MG Editores); Rubens Maciel, psicólogo com mestrado e doutorado em saúde pública pela USP e instrutor de meditação da mesma instituição.
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