'Meu coração dava uns trancos, e um aparelho com IA ajudou a diagnosticar'
A produtora e fotógrafa Victoria Amon, 26, começou a perceber acelerações em seu coração quando tinha 18 anos. Era como se o órgão desse um tranco, parasse e voltasse a bater. Como os exames não detectaram nada, tanto médicos quanto a família entenderam se tratar de um caso de ansiedade. Mas não era.
Amon só conseguiu um diagnóstico após entrar no teste de um aparelho com inteligência artificial desenvolvido pelo Instituto do Coração (InCor) e a Lenovo chamado TRAdA (Telemonitoramento Remoto Assistido de Arritmia), pensado para detectar arritmias avançadas.
A VivaBem, Victória conta sua história.
'Coração dava um tranco'
"Desde os 18 anos tenho supostas crises de ansiedade muito intensas. Elas duravam pouco, coisa de um minuto. Às vezes, estava quieta, deitada e, quando me virava, meu coração acelerava muito.
Comprei um aparelho de pressão e até um smartwatch para conseguir acompanhar meus batimentos. Eles chegavam a 220 [o normal é entre 60 e 100 batimentos por minuto].
Não tinha padrão. Acontecia quando eu estava parada, quando fazia exercício. A primeira vez que rolou tinha 18 anos.
Era como se meu coração desse um tranco, parasse e voltasse. Comentei com a minha família, porque fiquei assustada, e eles também me disseram que era ansiedade.
Eu procurei médicos e fiz eletrocardiogramas, mas eles não acusavam nada. Fiz também o holter, o exame que analisa seus batimentos por 24 horas, que nunca registrou anormalidade.
Sem diagnóstico, meu quadro foi piorando. Em 2023, tive depressão e o aumento dos meus batimentos foi se tornando mais frequente e longo: o que antes durava até três minutos passou a chegar a duas, seis horas.
Observação com IA
Descobri que o Instituto do Coração (InCor) estava fazendo testes com um holter que ainda era experimental e que usava inteligência artificial para monitorar o coração.
Nesse teste, eu ficaria sete dias ligada ao dispositivo. Me encaixei nas necessidades da pesquisa e fui escolhida para participar.
Os eletrodos ficavam ligados em mim, mas eram confortáveis, e recebi um celular para poder registrar os meus sintomas e problemas no período. O que eu dissesse seria transmitido direto para o hospital.
No quinto dia, ele detectou minha arritmia. Foi muito rápido, durou cerca de dois minutos. Marquei no aplicativo que eu estava com sintomas durante a noite e, na manhã seguinte, eles me ligaram para entender como foi e se eu estava bem. Me avisaram que o médico gostaria de marcar uma consulta comigo na semana seguinte.
Quem me atendeu desta vez foi um especialista em arritmia, que confirmou meu diagnóstico de arritmia supraventricular. Eu poderia resolver de duas maneiras: ou tomando remédio a vida toda, sem garantia de melhora, ou fazendo uma cirurgia.
Ele me explicou que a cirurgia para esses casos era pouco invasiva. Eles entrariam com um cateter com câmera pela minha virilha e uma ponta elétrica. No coração, eu levaria um choque, para forçar a arritmia, para que os médicos percebessem onde estava o problema e pudessem corrigir. Duas horas de cirurgia me curariam.
Os médicos precisaram me dar dois choques no coração para funcionar, mas, quando acordei, falaram que o problema estava resolvido: um furinho que causava todas essas arritmias foi fechado. E tudo isso graças a um aplicativo."
Como surgiu e como funciona
Um representante do InCor tinha visto uma tecnologia na área da saúde da Lenovo nos Estados Unidos. Ele, então, procurou a empresa para pensar algo para o Brasil. A negociação levou quase um ano, em confidencialidade. Os testes, mais três.
O TRAdA é como um holter, pequeno e discreto, que fica instalado 24 horas por dia no paciente, de sete a 15 dias, dependendo da necessidade. Ele acompanha a todo tempo o comportamento cardíaco do paciente. Junto com o TRAda, vem um pequeno aparelho, semelhante a um celular, onde quem usa pode notificar sintomas. Ao monitorar os batimentos cardíacos e os sinais elétricos do coração, o aparelho usa algoritmos de IA para identificar potenciais eventos de arritmia em tempo real.
O hospital tem um monitoramento em tempo real e, se detectar algo grave, os profissionais da saúde podem entrar em contato com a pessoa imediatamente. A partir de então, podem solicitar uma ambulância ou pedir que ela vá para o pronto-socorro. O aplicativo passou por três fases clínicas de desenvolvimento, com 253 participantes.
O TRAdA pode ajudar na diminuição de gastos com tratamentos complexos e terá valores acessíveis, mesmo para o SUS, diz o diretor da divisão de cirurgia cardiovascular do Instituto do Coração e vice-presidente do conselho da instituição, Fabio Jatene. Como ele ainda não está disponível, não há referência de preço.
Desenvolvemos a tecnologia visando disponibilizá-la ao mercado nacional e internacional. Pensamos também na viabilidade para o SUS, pois o InCor é uma instituição de saúde pública.
Fabio Jatene
Para Jatene, o TRAdA pode ajudar a salvar vidas. "De certo modo, a identificação precoce leva a uma intervenção preventiva, o que reduz o risco de morte evitável", diz. Ele espera que a tecnologia já esteja disponível no próximo ano. O Brasil registra 320 mil mortes súbitas anualmente por arritmias, segundo dados da Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac).
Marco Antônio Gutierrez, diretor da unidade de tecnologia da informação do InCor, acredita que a inovação pode mudar a medicina cardiológica como conhecemos hoje. "Se o paciente faz uma cirurgia, vai para casa e começa a passar mal, precisa voltar para o hospital. Ele passa por todo o processo no PS, e, às vezes, vai demorar frente a um caso grave. Com o monitoramento, você tira esse paciente da fila e toma a ação mais rápida antes que o problema seja irreversível."
* A repórter viajou a convite da Lenovo
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