Por que casos de coqueluche aumentam no Brasil e como se proteger
Mais de 4.300 casos de coqueluche foram registrados no Brasil até novembro deste ano, número que surpreende comparado aos 214 contabilizados durante 2023 inteiro. Imunidade limitada, cobertura vacinal abaixo da meta, receio ou falta de informação sobre imunização e alta transmissibilidade explicam o crescimento, que é global também.
O que aconteceu
Aumento de casos de coqueluche também foi visto em países da Europa e da Ásia este ano. Em maio, a União Europeia divulgou boletim epidemiológico com 32.037 casos notificados em ao menos 17 países, entre 1º de janeiro e 31 de março. Já o Centro de Prevenção e Controle de Doenças da China teve 32.380 casos e 13 óbitos. "Em geral, quando acontece lá, acontece aqui na sequência", diz Rosana Richtmann, coordenadora de infectologia do Grupo Santa Joana.
Último grande surto no Brasil foi em 2014. Dados do painel epidemiológico do Ministério da Saúde mostram que há pelo menos dez anos o país não vê um grande aumento como esse. Naquele ano, foram registrados 8.620 casos. Em 2015, foram 3.108. De 2020 para cá, a média de casos foi de 212 por ano. "Muitos programas de vacinação foram interrompidos desde a pandemia de covid-19 e causou lacunas na imunidade coletiva", observa Camila Ahrens, infectologista do Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba.
São Paulo e Paraná têm o maior número de notificações. O estado da região Sudeste registrou 1.049 casos até agora, enquanto o estado do Sul tem 1.767 confirmados.
Faixa etária de 10 a 14 anos é a mais afetada em 2024. Ao todo, 1.066 crianças e adolescentes foram infectados com a bactéria que causa coqueluche. A doença atinge, principalmente, bebês menores de 1 anos, que é o segundo grupo mais atingido, com 720 casos.
Qual o motivo do aumento?
A imunidade é limitada. A infecção pela bactéria Bordetella pertussis não confere proteção para a vida toda, ou seja, pessoas que já tiveram a doença estão suscetíveis a uma nova contaminação. A eficácia da vacina também não dura para sempre, gira em torno de cinco a sete anos. "É esperado que de tempos em tempos aumente o número de casos", diz Richtmann.
A transmissão ocorre facilmente. Uma pessoa infectada pode passar a doença para outras 17 por meio de gotículas respiratórias, sendo que o principal sintoma da infecção é uma tosse persistente.
Baixa cobertura das vacinas. Outro painel do Ministério da Saúde mostra que, em 2024, as vacinas pentavalente e DTP (tríplice bacteriana), que protegem contra a coqueluche, chegaram a 87% do público-alvo (menores de 1 ano). Já a vacina dTpa, destinada a adultos e gestantes, foi aplicada em 86% do grupo. A meta de vacinação de todas elas é de 95%.
Falta de reforço das vacinas. O Calendário Nacional de Vacinação prevê a aplicação da vacina pentavalente aos dois, quatro e seis meses de vida do bebê, mais dois reforços da DTP aos 15 meses e aos 4 anos de idade. Segundo o Ministério da Saúde, o primeiro reforço também está com cobertura vacinal em 86%. Adultos deveriam tomar a tríplice bacteriana a cada dez anos.
Hesitação vacinal. Embora as vacinas sejam comprovadamente eficazes e estejam disponíveis, notícias falsas ou falta de informação podem atrasar a aceitação ou mesmo levar à recusa do imunizante. Uma pesquisa realizada pelo Ipec a pedido da Pfizer mostrou que 22% das gestantes entrevistadas sabiam que a vacinação na gravidez protege tanto a mãe quanto o bebê. Em contrapartida, 78% achavam que se vacinar durante a gestação só protegeria a mãe de doenças infectocontagiosas.
Diagnóstico tardio. A tosse persistente, secreção nasal, espirros e febre são alguns dos sintomas da coqueluche, que podem ser confundidos com outras condições e atrasar a identificação da doença. Enquanto isso, sem tratamento adequado, a pessoa infectada segue transmitindo a enfermidade.
Mutação genética da bactéria que causa coqueluche. "Há evidências de que a bactéria tem sofrido alteração genética, reduzindo a eficácia das vacinas", diz Ahrens. Mesmo assim, a vacina continua eficaz, principalmente para os quadros graves.
Deslocamento de pessoas pode espalhar a doença. Tendo em vista que os primeiros surtos foram vistos fora do Brasil, viagens internacionais podem facilitar a propagação da bactéria, impactando mais as áreas onde a cobertura vacinal é baixa.
Melhora no diagnóstico. Os testes moleculares, muito usados na pandemia de covid-19, tornaram-se mais populares e estão sendo usados para diagnosticar coqueluche. Isso acelera a notificação de casos, implicando no aumento dos números. Segundo Richtmann, o acesso facilitado ao diagnóstico explica o maior registro de casos em São Paulo e no Paraná, bem como entre o público de 10 a 14 anos. "Em teoria, o aumento é em locais com mais acesso à saúde. São jovens de classe alta." Ahrens lembra que quem tomou a vacina aos 4 anos está, hoje, com 14, prazo para que a proteção caia.
Quais os sintomas da coqueluche?
Fase 1 (catarral): de uma a duas semanas, caracteriza-se por coriza, febre baixa, espirros, tosse seca e leve. É a fase em que a transmissão é mais alta, então máscaras de proteção facial podem reduzir o impacto.
Fase 2: de duas a seis semanas, apresenta cansaço extremo, tosse intensa, seca e repetitiva que pode durar vários minutos. É comum episódios de vômito após a crise de tosse.
Fase 3 (convalescença): pode durar vários meses, com tosse persistente, e a recuperação é lenta.
Bebês e crianças desenvolvem quadros mais graves. Isso porque começam a vida sem proteção —a primeira dose é aos dois meses—, e a bactéria causa problema respiratório significativo, que pode levar à obstrução das vias aéreas.
Qual é o tratamento?
É feito com antibióticos específicos e precisa começar o quanto antes. "Enquanto não der o antibiótico certo, a pessoa está replicando, e a bactéria está em atividade", diz a infectologista do Santa Joana.
Quando buscar ajuda médica?
Com mais de uma semana de tosse, a recomendação é procurar atendimento médico. A doença precisa ser considerada para fazer o exame diagnóstico.
Tive contato com pessoa infectada, o que fazer?
O ideal é fazer profilaxia com antibiótico. Se a pessoa é gestante e teve o contato, pode tomar a vacina.
Quando tomar a vacina?
Bebês e crianças: aos dois, quatro e seis meses de vida com a pentavalente, com reforços aos 15 meses e aos 4 anos de idade com a DTP. A vacina DTP também é recomendada dos 4 a menores de 7 anos de idade (6 anos, 11 meses e 29 dias).
Adolescentes e adultos: a cada dez anos. Mas no Calendário Nacional de Vacinação, a dTpa é indicada como imunização primária ou reforço para gestantes, puérperas até 45 dias, parteiras tradicionais, profissionais e estagiários da área da saúde.
Em caso de suspeita de coqueluche: esperar pelo confirmação da doença e, se positivo, completar o tratamento antes de tomar a vacina. "Mas ela pode ser indicada como medida de controle de casos próximos suspeitos ou confirmados para limitar a propagação da doença", diz Ahrens.
As médicas ressaltam que a vacinação é a principal medida de proteção. "É a única forma para evitar mortes que são evitáveis. Temos vacina boa, segura, eficaz e que tem de ser dada na gestante", diz Richtmann.
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