Efeito sanfona explicado: células de gordura 'se lembram' da obesidade
Colaboração para VivaBem
19/12/2024 12h00
Os adipócitos, células de gordura do corpo humano, retêm a memória da obesidade, o que pode explicar a possibilidade de efeito sanfona mesmo após procedimentos drásticos, como a cirurgia bariátrica.
A conclusão é de um estudo liderado pelo Instituto Federal de Tecnologia (ETH, na sigla em alemão) de Zurique, na Suíça, publicado na revista científica Nature em 18 de novembro.
Como funciona a memória celular?
Quadro de obesidade leva a mudanças no epigenoma. Este conjunto de marcadores bioquímicos determina como os genes e as proteínas das células vão se expressar. No caso das células de gordura de uma pessoa que foi obesa, ocorrem mudanças nos genes, e elas se tornam incapazes de retornar ao seu funcionamento normal mesmo depois que a perda de peso acontece.
Pessoas que estão tentando emagrecer vão precisar de tratamento de longo prazo. Segundo a coautora do estudo, Laura Hinte, bióloga do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, o cuidado deve ser preventivo para evitar que o paciente volte a ganhar peso após atingir a faixa normal. "Significa que você vai precisar de mais ajuda, potencialmente. Não é sua culpa", afirmou em comunicado à imprensa.
Efeito sanfona pós-bariátrica já era conhecido, mas especialista acredita que estudo abriu "caixa preta" do emagrecimento. Hyun Cheol Roh, expert em epigenoma e estudioso do metabolismo da Faculdade de Medicina da Universidade de Indiana, nos EUA, comemorou à revista Nature que os resultados deste estudo "mostram o que está acontecendo em nível molecular" — um avanço inédito.
Cientistas não determinaram ainda por quanto tempo o corpo "se lembra" da obesidade. "Pode haver uma janela, e depois dela esta memória vai se perder, mas ainda não a conhecemos", comentou o coautor Ferdinand von Meyenn, especialista em epigenoma do ETH, à Nature.
Como o estudo foi realizado
Estudiosos analisaram o tecido adiposo de um grupo de pessoas com obesidade severa e outro de pacientes que nunca foram obesos. Eles descobriram que alguns genes eram mais ativos nas células de gordura do grupo de obesos, enquanto outros eram menos.
Acompanhamento revelou que nem mesmo cirurgia bariátrica mudou o comportamento celular. Dois anos depois, pacientes submetidos ao procedimento que perderam excesso de peso ainda tinham atividade genética nas suas células ligada ao padrão da obesidade. Os resultados foram semelhantes àqueles encontrados em ratos que perderam muito peso também.
Genes hiperativos nas células de gordura dos humanos e ratos com obesidade induziam inflamações e fibroses (a formação de tecidos cicatriciais rígidos). Os cientistas ainda descobriram que os genes pouco ativos das células de gordura das pessoas e animais com obesidade eram justamente aqueles que ajudam os adipócitos a funcionar normalmente.
Nos ratos, a mudança no padrão de atividade genética estava ligada à alteração do epigenoma, que "desligava" alguns genes. Os pesquisadores testaram a durabilidade das mudanças colocando os ratos obesos em uma dieta. Alguns meses depois, os ratos estavam magros novamente, mas o epigenoma continuava o mesmo — ou seja, as células tinham a memória de estarem em um corpo obeso.
Adipócitos de ratos que foram obesos absorviam mais açúcar e gordura do que os daqueles que eram magros. Mesmo depois destes ratos emagrecerem, eles continuavam retendo mais destas substâncias. Além disso, ao alimentar os dois grupos de ratos — ex-obesos e aqueles que sempre foram magros — com uma dieta com alto índice de gordura, aqueles que foram obesos engordavam mais rápido.
Facilidade para ganhar peso nem sempre é herdada, demonstrou o estudo. Comportamentos e alterações ambientais do genoma podem levar à famosa tendência a engordar.
Conclusões ainda são polêmicas
Comunidade científica ainda não vê relação de causa e efeito entre alterações do epigenoma e mudanças físicas nos ratos. O biólogo Evan Rosen, do Centro Médico Diaconisa Beth Israel, em Boston (EUA), afirmou à Nature que a lista de alterações epigenéticas em células de gordura é valiosa, mas que será difícil provar que estas mudanças realmente criaram memória celular. "Não é uma ligação causal ainda. É uma correlação. Estamos trabalhando nisso", admitiu von Meyenn ao periódico.
Memória da obesidade poderia durar dez anos, especula-se. Esta é a vida média de um adipócito no corpo humano. No entanto, este prazo ainda não foi confirmado pelos estudiosos.
Reprogramar células de gordura para tratar a obesidade pode ser o futuro. É o que acredita a médica Penny Ward, do Kings College de Londres. À Deutsche Welle, ela comemorou os achados do estudo suíço e acredita que este conhecimento pode levar a terapias que deem fim ao efeito sanfona. "Dito isso, ainda há um longo caminho rumo a usar estas observações para inventar e testar potenciais tratamentos para desprogramar essas mudanças [epigenéticas]."
Pesquisas devem continuar e prevenir obesidade ainda é a chave. É o que acredita Ferdinand von Meyenn. Quem perde peso "pode se manter magro, mas vai exigir muito esforço e energia para conseguir isso". Ele espera que os achados de sua equipe possam ajudar a acabar com o estigma em torno da obesidade.