Obesidade é uma doença do cérebro e surge quando há danos nos neurônios

Você sobe na balança e quem comanda até onde vai parar o ponteiro é o seu cérebro. Ele é o grande responsável por controlar o seu peso. Se alguém tem obesidade é porque alguns de seus neurônios ficaram avariados.

Esse entendimento dos mecanismos centrais por trás do ganho de peso, que já é consenso na comunidade científica mundial, tem uma forte contribuição brasileira, graças aos estudos conduzidos pelo grupo do professor Licio Velloso, titular de Clínica Médica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), no interior paulista, onde também é um dos investigadores principais do OCRC, o Centro de Pesquisa em Obesidade e Comorbidades.

Ele me conta que o cérebro controla a massa corporal de três maneiras, começando por uma área dedicada àquela vontade de comer não porque a gente sinta o estômago vazio, mas por puro prazer. Estamos falando do sistema límbico. Seus neurônios são controlados por um neurotransmissor chamado dopamina, cujos níveis irão variar de acordo com a busca por algum alimento que simplesmente nos desperte o deleite (a minha dopamina, por exemplo, deve ir para as alturas por um pedaço de chocolate e aposto que, nesse ponto, o meu sistema límbico se comporte igual ao de muitos).

A segunda parte do sistema nervoso central que regula a ingestão alimentar tem um nome bem bonito: núcleo do trato solitário. Essa região controla o quanto de tempo você gasta se alimentando até achar que basta. "Tem gente que começa a comer e se sente saciada depois de cinco minutos. Outras pessoas só percebem a saciação quando ficam uma hora à mesa comendo", nota o professor.

A terceira região, porém, é de longe a mais importante de todas: o hipotálamo, que faz o balanço de tudo isso, sem deixar a gente comer feito um passarinho, nem se empanturrar como um leão. "O organismo precisa consumir alimento o suficiente para manter a saúde e só", ensina Licio Velloso. "Portanto, se o hipotálamo estiver funcionando bem, você irá manter um peso saudável, com um IMC, que é o índice de massa corporal, entre 23 e 25, não fugindo muito disso, nem para menos, nem para mais."

Quando você escapa da alimentação normal

Quem nunca tomou sorvete na praia nas férias, petiscou no boteco nos brindes de final de ano, experimentou uma refeição mais calórica durante uma viagem? "Se aqueles três sistemas estiverem funcionando bem, você poderá passar por períodos em que o sistema límbico falará um pouco mais alto porque a cabeça estará mais relaxada", diz Licio Velloso. "Mas, então, ao voltar para sua rotina, o hipotálamo reassumirá o comando, fazendo com que o peso volte gradativamente ao normal."

Isso foi observado, inclusive, em um estudo internacional que o professor faz questão de relembrar. Os pesquisadores acompanharam milhares de pessoas de três países, ao longo de feriados importantes para a cultura de cada um deles: nos Estados Unidos, foi o Dia de Ação de Graças. Na Alemanha, o Natal E, no Japão, o gantan, em que as famílias se reúnem no primeiro dia do ano novo.

"Nos três lugares, por conta da comilança nessas festas, a maior parte das pessoas ganhou de 1,5 a 2 quilos", conta Licio Velloso. "Só que a maioria voltou ao peso de sempre entre duas ou três semanas depois. Essa pesquisa é um marco porque demonstrou que o hipotálamo é extremamente poderoso quando está funcionando bem." O problema é que ele pode destrambelhar.

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Um hipotálamo inflamado

Há trinta anos, em 1994, o geneticista americano Jeffrey Friedman descobriu a leptina, um hormônio produzido pelo tecido adiposo, capaz de regular o nosso apetite. Ficou claro, então, que o hipotálamo conseguia manter a estabilidade da massa corporal , em boa parte, por causa dela. A substância fazia uma espécie de conexão entre a gordura do corpo e o cérebro, mandando um aviso que evitava exageros se o peso já estava adequado.

Fácil imaginar as cenas dos capítulos seguintes: os cientistas pensaram que, talvez, dando leptina, o cérebro de quem estava com muitos quilos a mais daria um basta ao excesso de comida. Mas não funcionou. "Isso porque o hipotálamo de quem tem obesidade é resistente à leptina", explica Licio Velloso.

Esse fenômeno biológico intrigou pesquisadores de todos os cantos. O grupo do professor na Unicamp não foi exceção. E foi pioneiro ao mostrar ao mundo o que estaria acontecendo. "O motivo da resistência do hipotálamo à leptina era uma inflamação, causada principalmente pelo consumo excessivo de gordura saturada, embora qualquer outro alimento muito calórico também possa provocá-la, desde que consumido em grande quantidade por um tempo prolongado", resume o cientista.

A gordura saturada, como os ácidos graxos de origem animal, se ligaria em receptores que, no final das contas, ativariam uma cascata de reações dentro das células, capazes de disparar o processo inflamatório. Uma dica: as gorduras insaturadas e as polinsaturadas, como a do bendito azeite de oliva e a das castanhas, se encaixam em outra classe de receptores e um deles induz o bloqueio das vias da inflamação. Por isso, essas gorduras são de fato mais saudáveis. Protegem tanto os vasos sanguíneos quanto o cérebro. E seria bom mesmo protegê-lo.

O hipotálamo inflamado

Quando essa região do cérebro se inflama, as células nervosas que estão ali vão perdendo gradativamente a sua função. "O neurônio do ser humano é a célula mais sofisticada que já surgiu neste planeta durante toda a evolução", descreve Licio Velloso. "Mas, como uma máquina valiosa, ele também é sensível. No caso, às variações do ambiente. E uma coisa que não suporta é inflamação. Aí, ele já começa a funcionar de maneira inadequada. E, se estamos falando especificamente dos neurônios do hipotálamo, isso significa perder a capacidade de controlar o balanço energético."

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A pessoa, então, começa a ganhar mais e mais peso. A ironia é que o excesso de gordura corporal também lança substâncias inflamatórias por todo o corpo — nem os neurônios ficam livres, agravando de vez a situação. Aliás, outra consequência dessa inflamação sistêmica, dos pés à cabeça (literalmente), é o surgimento de danos em mais uma região cerebral, a do hipocampo, que é o senhor das nossas memórias. Não à toa, pessoas com obesidade e diabetes têm maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer e Parkinson.

Não precisa de muito tempo

A má notícia é que o hipotálamo não demora a ficar desajustado, uma vez que o indivíduo adota um estilo de vida pouco equilibrado, fartando-se de fast-food e de — atenção! — ultraprocessados.

Na Unicamp, Licio Velloso e seus colegas encontraram meninos e meninas acima do peso, de 5 a 8 anos de idade apenas, que já apresentavam danos hipotalâmicos. "Isso prova que poucos anos convivendo com a obesidade podem já ser suficientes para lesionar os circuitos neuronais. E olha que o nosso estudo viu isso em crianças, que têm uma capacidade de regenerar neurônios infinitamente maior que a de um adulto", comenta o pesquisador.

Ou seja, uma dieta ruim, quando se torna rotina, tem um tremendo poder destrutivo para os neurônios envolvidos com o controle do peso. Claro, ninguém está falando de férias, nem de feriado, mas de repetir uma alimentação cheia de gordura e açúcar ao longo da semana ou, pior, todos os dias.

O neurônio que morre

Enfrentando um ambiente hostil, quer dizer, inflamado, o neurônio primeiro produz neurotransmissores da maneira errada, digamos assim. Em seguida, sofre danos nas organelas — organelas, recordando as aulas de biologia, são minúsculas estruturas, feito órgãos, no interior das células.

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Como essa história termina: depois de lutar contra os danos, o neurônio desiste, entrega os pontos e morre. É a apoptose, uma espécie de suicídio celular. Lamento, mas essa sequência é inexorável. "E, ainda não sabemos por que razão, mas as células do hipotálamo que reduzem a nossa fome morrem mais depressa do que aquelas que aumentam a vontade de comer", conta o professor Velloso. "Portanto, o indivíduo passa a ter, proporcionalmente, mais neurônios que geram apetite e, daí, começa a comer mais. Por isso é que a gente fala, com muita segurança, que a obesidade é uma doença do sistema nervoso central", justifica o cientista.

Sim, você precisa ter danos nos neurônios para que ela realmente se instale. Se essas células nervosas não ficassem lesionadas e sobrevivessem às agressões da inflamação no hipotálamo, as pessoas conseguiriam voltar ao peso normal.

A solução pode estar distante

Os tratamentos contra a obesidade que existem hoje são muito bons para reduzir a fome, mas não resolvem a situação do hipotálamo prejudicado. "Tanto que, quando são interrompidos, o peso costuma voltar com tudo", observa o professor.

Daí que, para ele, a cura da obesidade passa por devolver ao cérebro a sua capacidade de controlar o balanço energético, reestabelecendo todas as conexões neurais que foram perdidas, para a gente não exceder nas porções de comida de que o organismo precisa.

Bem, aí estamos falando em neurogênese, isto é, em induzir o nascimento de neurônios novinhos em folha para substituir os que se foram. "É como pesquisar a cura do Alzheimer", compara Lício Velloso. "Provavelmente, aliás, se encontrarem alguma coisa com potencial de promover neurogênese e tratar essa demência, vamos testá-la na obesidade. E vice-versa. Estamos emparelhados nessa busca."

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Mas o médico — que, apesar de atender pacientes até hoje, ficou fascinado com a ideia de compreender a intimidade das doenças ainda nas aulas de patologia na faculdade, dedicando-se a isso desde uma temporada de cinco anos na Universidade de Uppsala, na Suécia, e depois em Harvard, nos Estados Unidos — acha, do alto de sua experiência, que o problema que se apresenta agora é, em suas palavras, "meio grande demais para qualquer pesquisador vivo no mundo. Nossa geração não irá resolvê-lo, a não ser que alguém esteja pensando em algo muito fora da caixinha."

Por falar nisso, ele e seus colegas também investigam moléculas capazes de aumentar o gasto de energia do corpo. Quem sabe... Até lá, o recado é manter uma alimentação saudável. O cérebro, afinal, não perdoa ter de engolir qualquer porcaria.

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