'Acordei com dois fígados': ela teve hepatite e 48h para fazer transplante
Samantha Noventa, 32, recebeu em agosto o diagnóstico de hepatite fulminante e, em poucos dias, passou por um transplante. Ela tinha 48 horas para achar um doador e, faltando duas horas para o prazo, entrou na cirurgia.
Ao acordar, ainda anestesiada, descobriu que estava com dois fígados. "Tem dois?", perguntou, quando a equipe médica explicou o procedimento. Leia o relato a VivaBem.
'Nunca tinha ouvido falar em hepatite fulminante'
Tudo começou no dia 5 de agosto, com dor abdominal que irradiava para as costas. Achei que seria infecção urinária, fiz exames de sangue, urina e tomografia e me mandaram para a casa com relaxante muscular.
No dia seguinte, a dor continuou muito forte. Voltei ao médico e fizeram novos exames —minha urina estava escura. Também estava com muita náusea. Disseram que meu exame estava com uma pequena alteração e, por isso, me passaram antibiótico.
Acordei ainda com dor e uma febre de 38 graus. Meu olho já estava amarelado e, com isso, decidimos ir ao hospital novamente. Já tinha tido hepatite duas vezes, mas, desta vez, a dor tinha confundido os sintomas. Nas outras vezes, era urina escura e enjoo.
Só fomos desconfiar que poderia ser algo no fígado no dia 7 de agosto. Chegamos ao hospital e já me mandaram fazer exame de sangue e a parte que analisava meu fígado veio muito alterada. Fui rapidamente internada.
Minha surpresa foi ir direto para o CTI [Centro de Terapia Intensiva] porque os médicos ficaram com medo de eu 'fulminar'.
Nunca tinha ouvido falar da hepatite fulminante. Fiquei uns quatro dias e, depois, fui transferida para outro hospital —mas era um local de oncologia, sem estrutura para me atender.
Só no terceiro hospital, no dia 13 de agosto, é que fui realmente tratada. Depois disso, foi tudo muito rápido porque já estava com edema [inchaço] cerebral [Samantha também teve problemas nos rins e precisou de diálise].
'Acordei com dois fígados'
Não me lembro de muita coisa, só que estava na lista de transplante e de uns testes que tive de fazer. Depois, só me lembro de acordar após o transplante. Foram uns 8 dias intubada.
Acordei ainda aérea e me contaram que tinha recebido um novo fígado, mas que um pedaço do meu 'antigo' ainda estava lá. Mas não sabia o que isso queria dizer, estava sem energia para perguntar.
Só sei que perguntei: 'Tem dois?'. E responderam que sim. Com o tempo, eles foram me explicando tudo. Entendi que o procedimento era feito em pacientes mais jovens —o fígado tem uma parte saudável ainda, com chances de se regenerar.
Sobre a causa, trabalhamos com a hipótese de hepatite autoimune, mas ainda não sabemos. Os resultados dos exames podem 'flutuar' e tudo dar negativo, sem aparecer nada que traga um motivo.
'Reaprendi a fazer tudo'
"Meu fígado novo começou a necrosar, então começamos a fazer sessões de hiperbárica, que é um tratamento dentro de uma câmara de oxigenação.
Fui melhorando e consegui sair da UTI para o quarto e, por fim, fui para a casa. Nesse tempo, perdi muita massa magra, não conseguia me mexer ou levantar a coberta. Pedia ajuda para tudo. Tive de reaprender tudo, até a falar.
Ainda tenho algumas restrições de contato, mas minha força está voltando, equilíbrio e tudo mais. Consigo andar bem na rua, subir escada me cansa um pouco, mas consigo.
Nos primeiros seis meses, sigo com o imunossupressor para evitar a rejeição do fígado. Qualquer resfriado ou 'pequena doença' já pode me levar ao hospital, então preciso tomar cuidado."
Como funciona o transplante realizado em Samantha?
O procedimento foi realizado para evitar que a paciente tomasse imunossupressor, que evita rejeição do órgão, pelo resto da vida. O transplante auxiliar é capaz de recuperar o fígado doente e, com isso, evitar que a pessoa dependa da medicação. Quanto mais jovem, mais riscos de o paciente não aderir ao tratamento e, com isso, perder o órgão.
Aprendemos, nos últimos 20 anos, que o fígado tem uma capacidade de se regenerar mesmo quando fica necrosado. Se 'descansar' alguns dias, ele volta a funcionar.
Eduardo Fernandes, cirurgião responsável e coordenador do serviço de transplantes hepáticos do Hospital São Francisco na Providência de Deus (RJ)
Cirurgiões optam pelo transplante auxiliar em pacientes jovens, mas tudo vai depender do estado do fígado. Fernandes disse que o órgão de Samantha apresentava uma parte saudável e, com isso, foi decidido que o pedaço seria mantido —eles retiraram 75% do fígado nativo dela.
Temos um parâmetro. Avaliamos o fígado e, quando está todo necrosado, temos de tirar tudo. Mas, em outros casos, podemos tirar apenas um pedaço e, com isso, o paciente fica com dois fígados.
Eduardo Fernandes
Depois de um tempo, é possível retirar o fígado recebido pelo transplante e manter o órgão nativo —com isso, a pessoa não precisa tomar a medicação diária. No entanto, isso vai depender da evolução do paciente.
A decisão de retirar o fígado "novo" depende do paciente e do caso. Se for decidido que Samantha não necessita mais do que foi transplantado, ela pode doar ou não. "Se a decisão for deixar no organismo, paramos de dar a medicação da rejeição. O fígado fica lá 'parado', diminui de tamanho e o sistema imunológico vai destruindo até atrofiar, sem causar problemas para o paciente", explica o cirurgião hepatobiliar.
O que é hepatite fulminante
É uma doença letal que causa a destruição do fígado. Pode ter causa viral, autoimune ou medicamentosa. De acordo com o cirurgião hepatobiliar Eduardo Fernandes, não é possível determinar a causa em 50% dos casos. No caso de Samantha, o quadro era tão grave que o transplante se tornou urgente. "Ela tinha 48 horas para achar um doador e, faltando duas horas para o prazo, ela entrou na cirurgia para fazer o transplante", disse a irmã de Samantha, Mariana Noventa, 30, que acompanhou o caso desde o começo enquanto Samantha estava intubada e inconsciente.
É uma doença muito grave, com bastante mortalidade porque nem todo mundo tem acesso rápido a um especialista. Muita vezes, é difícil identificar o problema rapidamente e fazer o transplante de fígado. É tudo muito rápido. A Samantha mesmo, se demorasse mais, não teria aguentado.
Eduardo Fernandes
Edema cerebral é uma consequência do fígado falhando. O órgão é responsável por fazer toda a limpeza das impurezas do corpo. Quando não funciona, as substâncias ficam acumuladas, inclusive no cérebro, causando esse inchaço. Isso causa problemas como perda de consciência e até a morte.
Tratamento com hiperbárica acelerou recuperação. Terapia ajudou a oxigenar melhor os órgãos de Samantha, acelerando o processo de recuperação.
Sintomas precisam ser rapidamente identificados e tratados. Isso envolve principalmente os quadros de icterícia (coloração amarelada dos olhos e da pele), fraqueza e perda da consciência.