'Eu escolhi amputar minha perna e foi a melhor decisão que já tomei'

A curitibana Victória Alvarenga, 28, teve a perna direita amputada —por decisão própria. Ela nasceu com uma deficiência e, além disso, convivia com um tumor na coxa —o que a levou a sentir muitas dores.

"Eu escolhi amputar minha perna e sei que isso assusta algumas pessoas", resumiu Victória nas redes sociais. A decisão pela amputação foi para ter uma vida com menos sofrimento. "Com a prótese pude experimentar meu primeiro salto."

Infância com deficiência

As limitações e dores começaram quando Victória era bem pequena. Foi a mãe da jovem, Rosana Assunção, quem reparou que o andar da filha não era comum.

A família descobriu que Victória tinha pé equinovaro, uma deformidade congênita que afeta a posição do pé e do tornozelo.

Em São Paulo, ela fez exames que mostraram que a deficiência, na verdade, partia do cérebro. "Fiz alguns exames e constataram uma pequena paralisia cerebral que atingiu minha perna do joelho para baixo", conta Victória.

Desde esse momento, passou a ser submetida a cirurgias para ajudar no seu desenvolvimento: foram oito até que decidissem parar e aguardar seu completo crescimento.

'Não conseguia jogar bola'

Mesmo com mobilidade reduzida desde os primeiros anos de vida, Victória sempre foi muito ativa. "Eu queria brincar e para mim não tinha tempo ruim. Minha mãe falava que tinha de dar até uma acalmada de vez em quando."

Na escola, sofreu bullying por não ser igual aos colegas. "Não entendiam como eu fazia de tudo com a muleta, mas não conseguia jogar bola."

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A situação pirou aos 17 anos, quando ela teve de ser submetida a uma cirurgia para colocar um fixador externo, conhecido popularmente como "gaiola". Foram dois anos com o equipamento, muitas sessões de fisioterapia e dores.

Fiz essa cirurgia na esperança de que ela fosse resolver mesmo os problemas da minha perna e que eu pudesse viver minimamente bem. Mas não aconteceu.
Victória Alvarenga

"Minha mãe tinha de dar conta de tudo e eu parada com a cirurgia do fixador, porque era um acompanhamento diário, de dois anos, com fisioterapia e tudo", conta.

Tumor complicou o quadro

As dificuldades com a perna direita aumentaram quando, aos 20 anos, ela descobriu um tumor benigno na coxa (tumor desmoide), que a fazia se sentir muito mal.

"Eu não conseguia ficar sentada ou deitada, porque em tudo que apoiava, doía. E o tumor causava uma inflamação gigantesca e tinha um crescimento muito acelerado", conta ela, que trabalha como social media e é estudante de publicidade.

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Victória, então, começou um tratamento com medicações e foi submetida à quimioterapia. O tratamento fez o tumor regredir drasticamente, mas, mesmo diante da melhora, Victória tomou uma decisão para evitar novas dores na perna direita.

A decisão pela amputação

Ela já tinha passado por mais de 20 cirurgias devido às complicações na perna direita e queria amputar parte do membro, do joelho para baixo, para ter mais qualidade de vida.

Eu tinha muitas dores, as cirurgias eram muito extensas.
Victória Alvarenga

Depois de ouvir relatos de outras pessoas que fizeram a amputação, Victória decidiu conversar com a família, amigos e o marido. "Minha mãe ficou receosa, mas com o tempo eu a convenci."

A jovem buscou todas as informações possíveis para a cirurgia: dos detalhes do procedimento à preparação psicológica, passando pelo custo da prótese. "Isso minimiza muito o impacto de uma amputação."

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Victória posando com sua prótese para fotografia
Victória posando com sua prótese para fotografia Imagem: Arquivo pessoal

Ela conseguiu aprovação do corpo médico para a amputação de parte da sua perna e fez a operação em agosto de 2022.

"No dia 25/8/2022 fiz a amputação e, no dia 28, eu estava indo para casa porque já consegui levantar, andar pelo hospital de muleta e fazer fisioterapia. Eu me preparei muito para isso."

Para ela, foi a "cirurgia mais tranquila" de sua vida: não sentiu muitas dores e nem desenvolveu a síndrome do membro fantasma, o que é raro. Ela ainda contou com a ajuda de amigos e da igreja para conseguir comprar uma prótese.

"As coisas que eu adiava porque estava com dor não existem mais", diz Victória. "Pude fazer academia e experimentar minha primeira sandália de salto."

Foi então que o marido, a mãe e as irmãs, que estiveram presentes nos altos e baixos de Victória, puderam, enfim, "baixar a guarda".

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Em fotografia, Victória se despede de parte de sua perna cheia de cicatrizes das cirurgias
Em fotografia, Victória se despede de parte de sua perna cheia de cicatrizes das cirurgias Imagem: Arquivo pessoal

Agora, seu maior sonho não é viver sem dor, é somente viver. Victória quer ser mãe futuramente e faz planos. "A amputação foi definitivamente a melhor decisão que já tomei."

Vontade do paciente deve ser respeitada

O tumor de Victória provavelmente surgiu sem relação com a sua deficiência. "Praticamente não existe desmoide congênito. Esse tumor se desenvolve no decorrer da vida da pessoa e é comum em pessoas mais jovens", explica Samuel Aguiar, cirurgião oncológico e vice-líder do Centro de Referência em Sarcomas do Hospital AC Camargo Cancer Center.

O desmoide não tem capacidade de causar metástases e isso o coloca nesse lugar de tumor benigno, mas do ponto de vista da agressividade local, pode evoluir lentamente a ponto de causar, por exemplo, a perda completa de função de um membro.
Samuel Aguiar

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As medicações e outros tipos de tratamento como fisioterapia e até a quimioterapia —como no caso de Victória— são eficazes na contenção dos sintomas do desmoide. A amputação está mais ligada a um interesse do paciente do que do corpo médico —e esse desejo deve ser respeitado, diz Aguiar.

A amputação que está mais corretamente indicada é quando o paciente indica, e não médico. Elas são raras, mas, quando acontecem, normalmente é o paciente que solicita.
Samuel Aguiar

Em relação à síndrome do membro fantasma (quando o cérebro continua a perceber o membro amputado), algo comum entre pacientes, Aguiar explica que esse sintoma é reduzido quando a pessoa tem tempo e recursos para se preparar antes da operação. "O paciente diminui a incidência e a gravidade da síndrome quando se prepara durante muito tempo com fisioterapia, medicação e psicoterapia."

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