'O que descobri após ficar 30 dias comendo alimentos ultraprocessados'

O nutricionista Samuel Pompeu, 35, de São José dos Campos (SP), decidiu realizar um experimento extremo: durante 30 dias, ele consumiu alimentos ultraprocessados em quase todas as refeições para entender, na prática, os impactos desse padrão alimentar na saúde.

"Eu queria experimentar na pele o que muitos dos meus pacientes enfrentam diariamente."

Pompeu mantém um estilo de vida saudável há mais de 15 anos, mas se preocupa com os altos índices de obesidade no Brasil e com a alimentação pouco saudável dos pacientes.

Quase metade dos brasileiros adultos pode enfrentar a obesidade até 2044, segundo uma pesquisa da Fiocruz apresentada no Congresso Internacional sobre Obesidade —hoje, 56% da população adulta já vive com obesidade ou sobrepeso.

O nutricionista decidiu adaptar a ideia do personal trainer Drew Manning, que, em 2011, realizou um experimento similar por seis meses e o registrou.

A dieta de ultraprocessados

O plano de Pompeu era reproduzir o hábito alimentar de pessoas com rotina atribulada e opções limitadas.

"Eu ia ao básico: pão com margarina, presunto e queijo no café da manhã, frituras no almoço, bolo com achocolatado à tarde e fast food no jantar", diz.

Além disso, incluía salgadinhos, alimentos congelados e bebidas açucaradas, totalizando de 3.000 a 4.000 calorias por dia.

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Samuel compartilhou suas compras diariamente durante o processo nas redes sociais
Samuel compartilhou suas compras diariamente durante o processo nas redes sociais Imagem: Arquivo pessoal

Desde o primeiro dia, senti dores de cabeça e azia constantes. Também tive picos de pressão alta.
Samuel Pompeu

O nutricionista monitorou os sinais no corpo e percebeu que os efeitos pioravam à medida que o mês avançava.

O endocrinologista e metabologista José Marcelo Natividade explica que esses sintomas são comuns em dietas ricas em ultraprocessados.

"Dor de cabeça e azia podem ser sinais de desequilíbrios metabólicos, como hiperglicemia e refluxo. O aumento da insulina, associado ao excesso de carboidratos refinados, pode causar essas dores."

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Exames alterados, mudanças no fígado e 4 kg a mais

Ao final dos 30 dias, os resultados assustaram Pompeu: ele engordou 4,5 kg, sendo a maior parte gordura, e os exames mostraram que o colesterol subiu 20%.

Apesar da pouca diferença física no antes e depois (da esquerda para a direita), o nutricionista ganhou mais de 4 kg e teve alterações nos exames de sangue
Apesar da pouca diferença física no antes e depois (da esquerda para a direita), o nutricionista ganhou mais de 4 kg e teve alterações nos exames de sangue Imagem: Arquivo pessoal.

Os índices de TGO e TGP, que indicam a saúde do fígado, também dispararam. "O médico com quem me consultei, endocrinologista, disse que, se eu continuasse nesse ritmo, poderia evoluir para doenças hepáticas graves", diz Pompeu.

Natividade diz que as alterações podem ser revertidas com mudanças na dieta, mas os danos de longo prazo são preocupantes.

"Se o ritmo não fosse interrompido, ele teria maior risco de desenvolver dislipidemias [distúrbios que elevam o nível de gordura no sangue], hipertensão e doenças hepáticas."

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O ambiente também influencia

Pompeu também percebeu que seus novos hábitos causavam impacto para as pessoas ao redor. "Minha esposa manteve a alimentação saudável, mas, vez ou outra, acabou comendo algo do que eu tinha em casa, como pizza ou bolacha recheada."

Ele alerta que a praticidade dos ultraprocessados, associada à falta de tempo e à influência social, dificulta a mudança de hábitos. "No trabalho, por exemplo, se todos ao redor comem errado, a pessoa acaba cedendo."

Volta à rotina saudável e lições aprendidas

Após o experimento, Pompeu retomou sua dieta habitual baseada em alimentos in natura e exercícios físicos. Os sintomas desapareceram, e os exames começaram a normalizar. Ele planeja usar a experiência para ajudar seus pacientes.

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"A dieta com ultraprocessados é muito mais fácil e realmente prática. Agora, criei estratégias mais realistas para quem quer mudar. O principal é envolver a família, ajustar o ambiente, preparar a própria comida e investir em planejamento, algo que dá mais trabalho, mas traz benefícios."

Outro ponto de destaque foi o valor gasto: segundo o nutricionista, comer bem é mais barato do que comer ultraprocessados diariamente, dentro do programa que seguiu.

"Na minha dieta normal, com frutas e muitos alimentos in natura, costumo gastar em torno de R$ 30 a R$ 40 por dia (fazendo as próprias refeições; a conta não considera o gasto com gás, por exemplo). Durante o projeto com ultraprocessados, meu gasto diário saltou para R$ 88."

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