'Ia a restaurante e me levantava 30 vezes': ele expõe desafio de ter TOC
Luciana Spacca
Colaboração para VivaBem
02/01/2025 05h30
Quando tinha 16 anos, o arquiteto e ator Luciano Coelho, 37, precisou fazer uma cirurgia para remover um cisto do rosto. O procedimento foi um sucesso, mas ele percebeu algumas mudanças em seu comportamento após a operação.
"Eu comecei a achar que a qualquer momento eu seria contaminado com alguma doença", diz.
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Lembro que fui ao hospital para uma consulta e percebi que um fio de cabelo meu tinha caído no chão. Na mesma hora veio o pensamento: se esse fio ficar aqui, alguma energia ruim vai pegar no meu DNA e eu vou ter câncer. Fiquei apavorado.
Luciano Coelho
As "manias" foram piorando com o passar do tempo.
Antes de acordar, para eu abrir os olhos, eu tinha de pensar em alguma coisa boa. Se eu abrisse o olho e viesse um pensamento ruim, eu tinha de fechar e abrir de novo. Luciano Coelho
O mesmo acontecia ao passar pela porta do quarto: pensar coisa boa ou tinha de voltar e passar de novo. "Imagina passar 50 vezes pela porta? E aí tinha a porta do banheiro, a da sala... Não me alimentava porque era um desafio ir até a cozinha comer alguma coisa."
Pouco tempo depois, Luciano foi diagnosticado com transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), distúrbio que causa extrema ansiedade provocada por pensamentos intrusivos, levando a compulsões e comportamentos repetitivos.
Ele conta que a doença chegou a afastá-lo no convívio social em vários momentos.
Imagina chegar a um restaurante, sentar à mesa com todos os seus amigos, e aí vem aquela urgência na sua cabeça e você tem de levantar... Todo mundo olhando você levantar e sentar 15, 30 vezes --e eu precisava fazer isso ou não conseguia prestar atenção em mais nada. Eu tinha muita vergonha e acabava me isolando, deixando de encontrar meus amigos.
Luciano Coelho
'Só podia soltar um objeto se estivesse pensando algo bom'
Entre os "rituais" praticados por Luciano durante as crises, os de pensamento eram os que mais causavam estranheza para ele.
"Eu só podia soltar um objeto se eu estivesse pensando algo bom. Por exemplo, soltar o controle remoto, as chaves, o fone de ouvido. E, quanto mais eu tentava pensar em coisas positivas, mais coisas negativas vinham na minha cabeça", explica.
"Eu ia soltar o controle e, automaticamente, pensava em algo como 'minha mãe vai morrer', e aí eu tinha de pegar de novo. Fazia isso várias vezes até ter o pensamento positivo", conta.
Teve uma época em que era difícil até assistir à TV, porque na hora que eu ligasse tinha de vir uma palavra boa, não podia vir nenhuma palavra ruim. Por exemplo, se eu ligasse a televisão e estivesse passando algo sobre um acidente, eu tinha de desligar e ligar de novo até que a primeira palavra fosse algo bom. E para desligar a mesma coisa.
Luciano Coelho
Já os pensamentos que mais traziam pânico para ele eram os que envolviam religião.
"Quando minha sobrinha nasceu, tudo o que eu pensava sobre ela vinha com isso de estar 'consagrando ela para o mal', que algo de ruim iria acontecer com ela. Eu tinha de rezar e explicar para Deus que eu não queria o mal dela. Isso várias e várias vezes. Eu era católico quando criança, mas hoje eu não tenho mais nenhuma religião. Por incrível que pareça, eu tenho TOC religioso", explica.
Sofrimento sobre o que pensam
Esse tipo de situação é muito comum para pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo, explica Nívea Melo, psicóloga cognitiva comportamental especialista em transtornos de humor, ansiedade e TOC.
TOC não é o sofrimento sobre o que as pessoas fazem, mas sim o sofrimento sobre o que elas pensam. O TOC todo decorre de um enorme sofrimento, porque as pessoas estão pensando sobre algo que é totalmente diferente delas, dos valores delas, do que elas realmente gostam ou querem. Então, o que elas fazem, como os rituais físicos, são uma resposta ao sofrimento que elas têm pelos pensamentos.
Nívea Melo
Quanto mais o paciente tenta suprimir um pensamento, mais aquilo ficará presente em sua mente. "É o chamado efeito paradoxal da supressão de pensamentos: se a gente tenta suprimir um pensamento, a tendência é ele vir mais forte."
Tratamento e redes sociais
Outra manifestação do TOC ocorria em relação à limpeza. Um dos desafios, diz Luciano, era tomar banho. "Meu banho mais rápido demorava uma hora e não podia encostar em nada", narrou em uma rede social.
Ele enxaguava o corpo várias vezes para evitar a sensação de contaminação. Ao lavar os pés, tomava cuidado extremo para não encostar em nada —e acabar tendo de repetir todo o ritual.
Para tratar o transtorno, Luciano fez tratamento psiquiátrico, com uso de medicamentos e terapia. Atualmente, ele está em alta médica dos remédios e faz terapia uma vez por semana.
"O TOC está em remissão. Isso significa que tenho o distúrbio sob controle."
Recentemente, o arquiteto resolveu dividir sua experiência convivendo com o TOC nas redes sociais. A ideia surgiu durante uma sessão de terapia.
"Minha terapeuta sugeriu que eu criasse um canal para falar sobre o transtorno. E eu criei para falar para os outros, mas para me ouvir também. Cada vez que eu falo sobre o TOC, me dá um desconforto, mas é importante falar. E eu não quero que seja um conteúdo que fique ali jogado, quero informar, desmistificar o distúrbio e também quebrar o estereótipo."
TOC: diagnóstico e tratamento
Cerca de 1% a 2% da população do planeta tem TOC, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o transtorno atinge aproximadamente quatro milhões de pessoas.
Para ser diagnosticado como TOC, a pessoa precisa ter, como o nome diz, uma obsessão e uma compulsão. A obsessão é um pensamento intrusivo, e, a partir dessa vivência de ansiedade por esse pensamento, o paciente começa a desenvolver alguns rituais, algumas compulsões. E o comportamento compulsivo tem o principal objetivo de afastar aquele pensamento.
Leandro Paulino da Costa, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq)
Os primeiros sintomas de TOC geralmente surgem antes dos 25 anos de idade, é mais comum em mulheres e o maior fator de risco é o componente genético. "Estima-se que em torno de 50% do que vai causar esse fenótipo é a carga genética. O maior grupo de risco seriam filhos, irmãos ou netos de pessoas que foram diagnosticadas com o transtorno."
O tratamento para o transtorno obsessivo-compulsivo é feito por meio de medicação e terapia, com acompanhamento psiquiátrico e psicológico.
Normalmente, é feita a prescrição de medicamentos para depressão e ansiedade, o que varia é a dosagem. A terapia também é fundamental para uma boa evolução do quadro do paciente. Principalmente a terapia cognitivo comportamental, por meio de técnicas como a de exposição e prevenção de resposta, que consiste em tentar controlar os sintomas a partir da evitação do desempenho do comportamento compulsivo quando vier a ansiedade e, por consequência, o pensamento intrusivo Leandro Paulino da Costa, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da USP (IPq)