Ele pesava 200 kg e hoje é fisiculturista: 'Duvidaram de mim'
Leonardo Machado Ayres Cunha, 31, saiu de uma relação complexa com seu corpo e de mais de 200 kg para os palcos do fisiculturismo. Sem remédio e nem cirurgias para emagrecer.
Mas ele não conseguiu fazer isso de forma rápida e fácil. São oito anos de dedicação a um propósito que o manteve na linha, entre altos e baixos, para hoje ajudar outras pessoas na mesma jornada, com o diferencial do conhecimento de causa.
- ENVIE SUA HISTÓRIA: acha que a sua história de vida merece uma reportagem? Envie um resumo para o email enviesuahistoria@uol.com.br. Se possível, já envie fotos e os detalhes que nos ajudarão a avaliá-la. A redação do UOL pode entrar em contato e combinar uma entrevista.
'Não gostava do meu corpo'
Já na infância, aos 9 anos, Leonardo tinha obesidade. A adolescência e o começo da vida adulta eram de aparências.
"Eu não gostava do meu corpo, mas quando a gente está nesse grau de obesidade, coloca uma espécie de máscara da felicidade", diz. "Eu só me relacionava com pessoas quando precisava trabalhar, e era uma relação forçada, não me sentia bem."
O excesso de peso prejudicava sua rotina —não conseguia caminhar muito ou amarrar os cadarços— e sua autoimagem. Como tinha dificuldades para encontrar roupas do seu tamanho, usava as peças que davam. Por vezes, rasgadas, pois não tinha vaidade.
"Só recentemente adquiri o hábito de me importar com o que estou vestindo."
O peso também afetava suas relações. "Perdi a virgindade aos 29 anos, porque só tentei me relacionar com alguém no final do meu processo de emagrecimento, depois de modificar a parte social. Eu tinha síndrome do pânico, só conversava com as pessoas pela internet."
Para ele, o ganho de peso está relacionado também com episódios depressivos, traumas, pressão social e problemas familiares, não só ingestão excessiva de calorias. A vivência conturbada o fez pensar em suicídio, mas, aos 21 anos, ele teve um chacoalhão da vida.
Já vinha sentindo taquicardia em repouso e o coração bater forte no peito, até que um pico de pressão de 27 por 12 o levou ao hospital, quase a um AVC.
"A médica disse que eu precisava parar, senão não ia passar dos 30 anos. Isso me deu um estalo", lembra. Ali, ele queria viver.
No mesmo ano, passou em um concurso público e estava com medo de não ser aprovado no exame admissional devido ao peso. Foi mais um motivo para buscar a transformação, que não começaria pelo corpo.
'Falei que seria fisiculturista'
Foi em 2016 que Leonardo decidiu mudar e procurar ajuda. Como já tinha tentado emagrecer diversas vezes sem sucesso, entendeu que, primeiro, precisava cuidar da mente. Diagnosticado com depressão e ansiedade, fez psicoterapia e tomou remédios psiquiátricos.
"Hoje não tomo, mas a depressão e a ansiedade não vão embora. Só que aprendi a identificar gatilhos e controlar." Agora, os episódios depressivos não passam de um dia, um avanço para quem chegou a ficar um mês sem tomar banho devido ao abalo mental.
Ele também já via o irmão treinar, estava próximo de alguma forma do mundo maromba, então determinou: "Falei que um dia ia ajudar outras pessoas e ia subir num palco de fisiculturismo. Duvidaram de mim, mas não fiquei chateado. Trabalhei os próximos oito anos para isso acontecer".
O momento crítico de saúde foi apenas uma das viradas de chave que Leonardo teve. Ele diz que são várias ao longo do caminho, porque o processo ensina novas perspectivas. Para que o plano funcionasse, ele precisou abrir mão de comida, sim, mas também de pessoas.
"Eu desfiz amizade com pessoas que não tinham o padrão de comportamento que eu queria, amizade de 15 anos que cortei relação", conta. Ele fez novas amizades com grupos que frequentam a academia e o mantêm motivado no difícil caminho que deseja. "Grande parte do emagrecimento é dizer não e impor limites."
Com saúde mental mais estável, treinos em dia e mudança alimentar, Leonardo já estava com 89 kg em menos de um ano. Mas era pouco tempo de mudança em comparação a tudo o que já tinha vivido. Voltou a engordar e, em 2020, quando a avó morreu, saiu de 113 kg para 170 kg. Vivido o luto, seguiu com o projeto de vida, mesmo quando quebrou o pé dois anos depois e ia para a academia de muletas.
Pilares para ficar na linha
Com os aprendizados da jornada, Leonardo, conhecido com Leo Mackina, oferece mentoria para quem deseja perder peso. Ele estabeleceu quatro pilares, que repete mentalmente e na prática todos os dias:
- Propósito: é preciso um motivo muito forte para querer mudar, porque haverá falhas, momentos difíceis e vontade de desistir. "O corpo bonito não vai te manter firme quando bater a desmotivação", diz.
- Obsessão: é se lembrar do seu objetivo todos os dias. "Mesmo quando eu estava errando, pensava nos meus propósitos. Estava obcecado pela mudança."
- Ambiente: tem de modificar amizades, influências, o ambiente digital e familiar, precisa impor limites às pessoas e aprender a dizer "não".
- Constância: não se trata de nunca parar, mas de sempre voltar ao caminho do seu objetivo. "Fazer todos os dias, mesmo não sendo 100%. É ter responsabilidade sobre si."
"A obesidade não é tratada num estalar de dedos. A gente consegue ajudar com coisas externas, mas tem muita mudança interna que a própria pessoa tem de fazer", diz.
"Se eu me descuidar, parar de treinar e me controlar, se der voz ao cara de 200 kg que está na minha cabeça, eu volto a engordar. Por isso me policio todos os dias."
Não fica fácil, fica menos difícil
O processo nunca acaba. Leonardo diz que, mesmo depois de iniciar a jornada de emagrecimento e ainda agora, com seu melhor shape, tem resquícios do comportamento anterior.
"Eu como pra caramba no rodízio, ainda sou a mesma pessoa, o cara que adora comer ainda está dentro de mim, mas controlo." Hoje, consegue identificar gatilhos, controlar impulsos e cuidar da sua saúde mental e física.
Ele também se permite viver a indulgência alimentar, com comidas que lhe são afetivas e trazem prazer. Mas como tem um novo modo de pensar e agir, o hábito saudável tornou-se automático.
"Hoje não vejo minha vida sem treinar todo dia, sem seguir minha dieta. No final do ano, sou mais permissivo, vou comer um pedaço de panetone, não dez", brinca.
O esforço que ele emprega hoje para se controlar é menor do que quando começou, mas nada comparado ao que precisa fazer na preparação para as competições de fisiculturismo. "Não me exponho à comida o tempo inteiro. Quando você tem comida à vontade e escolhe não comer, precisa controlar a mente e o impulso o tempo inteiro."
Leonardo só se enxergou magro no ano passado, aos 30 anos, quando competiu no fisiculturismo pela primeira vez no Favela Classic. Não ganhou na categoria bodybuilding, mas levou o primeiro lugar na categoria superação, prêmio que repetiu agora em dezembro. O próximo desafio é chegar ao Mr. Olympia Brasil em 2026.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.