O que acontece no seu corpo quando você para de tomar antidepressivo
Os antidepressivos são medicações indicadas para tratar a depressão e a ansiedade, entre outros problemas de saúde mental, além de enfermidades não psiquiátricas como a fibromialgia e a obesidade.
Há cerca de 30 tipos diferentes dessas medicações, e as principais classes hoje utilizadas são as que oferecem maiores tolerabilidade e eficácia:
os ISRS (Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina): são exemplos a sertralina e a fluoxetina
e os ISRN (Inibidores de Recaptação de Serotonina e Noradrenalina), como a desvenlafaxina e a duloxetina, etc.
Apesar de os objetivos dessas terapias serem a redução e a manutenção da melhora dos sintomas das doenças que tratam, além de prevenir novos episódios, cerca de 50% dos pacientes suspendem o tratamento em poucos meses.
800 milhões de pessoas têm algum problema de saúde mental no mundo.
Depressão e ansiedade são os mais frequentes.
Antidepressivos são considerados a primeira linha de tratamento nesses quadros.
No Brasil, 4 em cada 100 brasileiros usaram esse tipo de medicação nos últimos 30 anos. Dados publicados pelo Jornal Brasileiro de Psiquiatria.
Os efeitos no seu corpo
Até o momento não foi totalmente esclarecida a razão pela qual a parada repentina desses medicamentos pode provocar o aparecimento de sintomas físicos e emocionais, bem como mudanças no padrão do sono.
Além disso, não é possível prever quem terá essas reações e nem qual será a intensidade delas.
A hipótese dos cientistas é que neurotransmissores como a serotonina e a noradrenalina estejam envolvidos. Com o uso dos antidepressivos, a química cerebral se modifica e o cérebro vai se ajustando ao seu novo "ambiente".
Quando a medicação é retirada de forma abrupta, o cérebro precisa de tempo para se adaptar novamente.
1 em cada 6 ou 7 pacientes apresentará algum tipo de sintoma —dias ou semanas após parar o remédio— principalmente quando isso acontece repentinamente e sem acompanhamento médico.
A depender do tipo de antidepressivos pode haver maior ou menor intensidade dessas manifestações, que podem durar mais ou menos tempo, mas isso também depende de cada indivíduo.
Confira os possíveis sintomas que podem aparecer isoladamente ou em conjunto:
Alterações físicas: podem estar presentes dor de cabeça, náusea, enjoo, cólica, diarreia, cansaço, sintomas gripais, perda do apetite, alterações na visão, palpitações, tremor, sudorese, zumbido, dificuldade de ficar parado (acatisia), além de sintomas referidos como sensação de choques elétricos.
Prejuízo do descanso noturno: insônia, mais episódios de sonhos, pesadelos, sonhos vívidos.
Emoções à flor da pele: são observados sintomas de ansiedade, depressão, pânico, agitação, irritabilidade, alterações de humor.
Recaídas: as alterações nas emoções e no humor podem também revelar que a enfermidade tratada voltou a estar ativa. Esse quadro é mais frequente quando a medicação é interrompida antes do final da fase de manutenção do tratamento.
Por que parou, parou por quê?
Na maioria das vezes, o desejo de descontinuar a medicação se relaciona ao medo de dependência. Mas pode também ser uma estratégia para evitar algum efeito colateral intolerável do remédio, como o ganho de peso ou redução da libido, etc., e mesmo o estigma social.
Outro fato salientado pelos especialistas consultados foi a autopercepção de cura, sem que seja considerado o período de tempo de estabilidade para a retirada gradual do medicamento.
Importante saber que antidepressivos não causam dependência porque não geram tolerância.
Isso significa que as pessoas não se acostumam com o antidepressivo e precisam de doses cada vez mais altas, como acontece, por exemplo, com o consumo de álcool ou medicamentos da classe dos benzodiazepínicos —especialmente quando não usados de forma adequada e sob acopanhamento médico.
Apesar de os antidepressivos serem considerados seguros para uso no longo prazo, para algumas pessoas pode ser difícil deixar de usar esse tipo de medicamento. Daí a necessidade de orientação médica para esse fim.
Sintomas da descontinuação ou da doença?
Os primeiros aparecem geralmente imediatamente após a retirada do medicamento —estamos falando de 1 a 2 dias (sintomas físicos, em geral). Mas eles podem demorar mais para aparecer e serem mais intensos. Nesse último caso, podem estar relacionados à enfermidade de base.
Medicamentos como a fluoxetina, que demoram mais tempo para serem eliminados, podem retardar o aparecimento desses primeiros sintomas.
A depender do quadro de cada pessoa, com o passar dos dias, as manifestações depressivas podem reaparecer: tristeza, choro, apatia, insônia, pensamentos negativos como os de culpa, inferioridade e até ideação suicida (especialmente entre jovens abaixo dos 18 anos).
Converse com um médico para que, juntos, vocês possam entender se é o efeito da parada do remédio ou se é a depressão ou ansiedade que estão presentes.
Como os antidepressivos funcionam
Eles são eficazes para controlar os sintomas moderados a graves da depressão, mas não tratam suas causas e nem afastam suas manifestações para sempre. E trazem melhores resultados ainda quando são associados à psicoterapia.
Embora a literatura médica confirme a eficácia desse tipo de tratamento, cada pessoa terá sua própria experiência com o uso de antidepressivos —seja positivamente, com a melhora do quadro no geral, seja negativamente, dada a maior suscetibilidade aos efeitos colaterais ou a falta de resposta à medicação.
Grupos mais suscetíveis
De acordo com os especialistas consultados, crianças, adolescentes, adultos jovens e idosos são mais propensos a apresentarem reações adversas.
Como o medicamento atua no SNC (Sistema Nervoso Central) quanto maiores forem dose e tempo do uso do medicamento, maior é a probabilidade de ter sintomas da descontinuação.
Apesar disso, para algumas pessoas mais sensíveis, eles estarão presentes mesmo que se tenha usado o medicamento por apenas 30 dias.
O tipo de antidepressivo também pode influenciar esses resultados.
Saiba como evitar problemas
Pode parecer estranho que boa parte das pessoas que iniciam o uso do antidepressivo desista do tratamento no primeiro mês, quando se sabe que o tempo de espera para observar seus efeitos positivos pode ser de até 4 semanas.
Antes de parar por conta própria é importante consultar o médico para que juntos, vocês possam avaliar o motivo para a descontinuação e escolher a melhor estratégia possível para o seu histórico de saúde.
Tenha uma conversa franca com o médico sobre seus receios e os riscos e benefícios da continuidade/retirada do medicamento.
Busque entender qual seria o cenário caso você decidisse não tomá-lo dali em diante.
Os especialistas garantem que, o uso de medicações adequadas e sua retirada gradual, além do acompanhamento médico, reduzem —e muito— a possibilidade de efeitos indesejados e ainda permite encontrar estratégias para manter a qualidade de vida.
Fontes: Débora Leal, psiquiatra do HU-UFPI (Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares em Teresina); Luciana Canetto, farmacêutica e vice-presidente do CRF-SP (Conselho Regional de Farmácia de São Paulo); Luiz Scocca, psiquiatra pelo HC-FMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), membro da APA (Associação Americana de Psiquiatria). Revisão técnica: Luiz Scocca.
Referências: Diretrizes da Associação Brasileira de Psiquiatria com a Associação Médica Brasileira sobre o Tratamento da Depressão; Royal College of Psychiatrists.
Tiguman GMB., Hoefler R. et. al. Prevalence of antidepressant use in Brazil: a systematic review with meta-analysis. Braz J Psychiatry. 2024. Disponível em https://doi.org/10.47626/1516-4446-2023-3095
Lunghi C. et al. Global prevalence of antidepressant drug utilization in the community: protocol for a systematic review. BMJ Open. 2022. Disponível em https://doi.org/10.1136/bmjopen-2022-062197
Henssler J. et al. Incidence of antidepressant discontinuation symptoms: a systematic review and meta-analysis. Lancet Psychiatry. 2024. Disponível em https://doi.org/10.1016/s2215-0366(24)00133-0.
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