Solidão pode aumentar proteínas no sangue relacionadas a doenças
A solidão e o isolamento social estão associados a um aumento de proteínas que podem prejudicar a saúde, levando a doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2, apontou um estudo conduzido por cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e da Universidade Fudan, na China. Os resultados foram publicados no periódico Nature Human Behaviour, na sexta-feira (3).
O que aconteceu
Cientistas estavam em busca de proteomas, isto é, um conjunto de proteínas sujeitas a um mesmo estímulo. Proteínas são responsáveis pela forma como um gene se expressa e regula atividades do nosso organismo. No caso dessa investigação, o estímulo dos proteomas procurados seria o isolamento social.
Para chegar ao conjunto ideal de proteínas que reagem à solidão, os pesquisadores analisaram amostras de sangue de 42.062 adultos entre 40 e 69 anos do Biobank (Banco Biológico do Reino Unido). Foram estudadas 2.920 proteínas do plasma sanguíneo e isoladas aquelas presentes em maiores quantidades nos pacientes que reportaram um modo de vida solitário.
O time de estudiosos calculou pontuações de isolamento e solidão para os participantes. No quesito isolamento, por exemplo, foi levado em consideração se a pessoa vivia sozinha e quantas vezes por semana ela tinha contato com outros ou participava de atividades sociais. Já a solidão recebeu uma avaliação subjetiva, com base no quanto o paciente dizia se sentir só.
175 proteínas foram associadas ao isolamento social e 26 proteínas associadas à solidão. Resultados também mostraram que 85% das proteínas da solidão estavam presentes em grandes quantidades em quem também estava isolado. Ao analisar os proteomas, os cientistas também avaliaram idade, sexo e passado socioeconômico.
As proteínas mais presentes nos indivíduos solitários eram justamente aquelas que causam inflamações e respostas imunes e antivirais. Elas também são responsáveis ou foram ligadas, em estudos anteriores, a doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, AVC e morte precoce.
O grupo apostou na técnica de randomização mendeliana. O cálculo estatístico utiliza a variação em genes de função já conhecida para avaliar o quanto a exposição a uma condição pode levar a doenças. Assim, eles "afunilaram" os achados e chegaram a cinco proteínas cujo excesso seria causado pela solidão: GFRA1, ADM, FABP4, TNFRSF10A e ASGR1.
Na etapa seguinte, os cientistas investigaram os dados da saúde dos participantes por 14 anos. Mais da metade das proteínas da solidão estavam ligadas a casos em que os pacientes desenvolveram de fato doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, derrames cerebrais ou já morreram.
"Hormônio do amor" em jogo
Uma das proteínas produzida em maior quantidade como resultado da solidão foi a ADM. Estudos anteriores já demonstraram que ela tem um papel importante na regulação de hormônios do estresse, além de outros hormônios sociais como a ocitocina, também conhecida como "hormônio do amor" — uma substância produzida durante relações sexuais, no trabalho de parto e em situações de intimidade, reduzindo a tensão e melhorando o humor.
"Morrer de tristeza" pode não ser apenas ditado popular. O trabalho encontrou uma forte ligação entre a ADM e o volume da ínsula, uma porção do cérebro responsável pela nossa capacidade de sentir o que está acontecendo dentro do corpo. Quanto maiores os níveis de ADM, menor era o volume desta região e de outra, o núcleo caudado esquerdo, responsável por processos emocionais, sociais e de recompensa. O estudo concluiu que o excesso da proteína representa um risco maior de morte precoce.
Sabíamos que o isolamento social e a solidão estão ligados a uma saúde pior, mas nunca entendemos o porquê. Nosso trabalho destacou um grupo de proteínas que parece ter um papel-chave nesta relação, com níveis de algumas proteínas em particular aumentando como consequência direta da solidão. Chun Shen, líder do estudo, em comunicado à imprensa
Outra proteína do grupo, a ASGR1, está associada a maior colesterol e risco aumentado de doenças cardiovasculares. Já as outras proteínas identificadas pelos cientistas têm papéis no desenvolvimento de resistência à insulina (condição que leva a diabetes tipo 2), a aterosclerose (enrijecimento das artérias) e evolução de quadros de câncer, por exemplo.
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