O que acontece no seu corpo quando você está de luto

Pouco importa se a questão é a ausência permanente de uma pessoa querida ou se estamos vivenciando algum tipo de mudança em nossa da vida. A experiência de lidar com a perda de algo importante para nós envolve reações desagradáveis que causam grande sofrimento.

Definido como luto, o processamento da dor e a adaptação a uma nova realidade podem ocorrer de forma gradual ou não, e quem passa por isso geralmente alterna o desejo de manter as coisas como eram e a aceitação de que elas já não existem.

A resposta a esse tipo de estresse é única porque isso depende dos recursos emocionais, sociais e culturais que cada pessoa possui. O luto não é considerado um problema de saúde, mas poderá ser acompanhado por alguns sintomas sem que se perceba a sua origem.

Alguns estudos mostram que os homens tendem a apresentar níveis mais altos de estresse diante de uma perda.

Entre as mulheres o processo de elaboração do luto parece acontecer de forma gradual. Mas ser do sexo feminino e não ter suporte social são fatores tornam esse processo mais difícil.

Os efeitos no seu corpo

Embora o luto não seja considerado uma enfermidade, a depender da intensidade como é vivenciado, ele está associado a consequências que influenciam, sobretudo, a saúde mental, mas sintomas físicos também podem ser observados.

A possível explicação para isso é que a dor da perda provoca respostas emocionais capazes de alterar hormônios associados ao estresse, bem como neurotransmissores que controlam o funcionamento do SNC (sistema nervoso central).

  • Altos e baixos emocionais
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Quem está de luto pode vivenciar uma variedade de sensações, pensamentos e comportamentos que se manifestarão ao longo do tempo —de forma isolada ou conjuntamente.

Tais manifestações aparecem em ondas: mesmo quando há a percepção de que tudo já passou, elas reaparecem sem que você consiga identificar o que poderia ter desencadeado esse quadro. Veja as formas como isso pode acontecer:

  • Crise de choro
  • Sentimento de descrença
  • Dificuldade de concentração
  • Confusão
  • Preocupação
  • Raiva
  • Culpa
  • Hostilidade
  • Cansaço
  • Dificuldade para fazer as coisas do dia a dia
  • Sensação de dormência
  • Tristeza
  • Desamparo
  • Ruminação
  • O coração reclama

O luto tem relação com o infarto, especialmente entre indivíduos com maior probabilidade de desenvolver doenças cardiovasculares.

As mudanças na forma como o coração funciona incluem a contração das veias (vasoconstrição), aumento da pressão sanguínea e dos batimentos cardíacos, arritmias, alterações na coagulação sanguínea, entre outros.

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Um exemplo desse quadro é síndrome de Takotsubo (cardiomiopatia de Takotsubo), mais conhecida como a síndrome do coração partido.

Ela é caracterizada por alterações no órgão que causam sintomas parecidos com o do infarto, como dor no peito.

Geralmente ocorre após descargas grandes de adrenalina pelo corpo, o que inclui situações como perder alguém, doenças súbitas, acidentes graves ou desastres naturais —ou seja, grande estresse físico ou mental.

90% das pessoas com essa síndrome são mulheres e o problema se manifesta mais frequentemente após a menopausa.

  • Mal-estar geral

No consultório dos médicos, queixas como a sensação de peso na região da garganta, náuseas, dor de estômago, tontura, dor de cabeça, fraqueza muscular, desarranjos intestinais, tensão e fadiga são frequentes, assim como mudanças no apetite e no padrão do sono.

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Todos esses sintomas fazem as pessoas buscarem auxílio médico, sem que elas se deem conta de que eles podem estar relacionados ao luto.

  • Complicações à vista

Para alguns indivíduos mais predispostos, o luto pode estar presente por períodos mais longos (luto prolongado), o que facilita o aparecimento de transtornos psiquiátricos, mas também alterações no sistema de defesa do corpo e mesmo endócrinas.

Depressão, ansiedade, transtorno do pânico e estresse pós-traumático, igualmente, são possíveis complicações. Entre pessoas viúvas, o aumento da mortalidade é outro quadro já observado.

Objetos do luto

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Imagem: Getty Images
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O luto tem associação imediata à perda de um ente querido. Mas outras situações podem levar ao mesmo processo, ainda que elas não sejam devidamente reconhecidas como uma perda irreversível. São exemplos a perda do emprego ou de um relacionamento —que podem ser objeto de substituição.

A forma como cada pessoa lida com a perda depende da sua trajetória de vida e dos significados que ela constrói na experiência vivida em sua relações pessoais, profissionais e crenças, etc.

Assim, podem ser objeto do luto a perda de um familiar, mas também de um colega de trabalho, um animal de estimação, um relacionamento, uma amizade, mudanças voluntárias ou involuntárias no trabalho e nas finanças, e até mesmo o enfrentamento do declínio da saúde.

Entenda o luto antecipatório

Algumas situações podem provocar o luto mesmo antes de a perda se efetivar. Nessa situação, o processo de elaboração da dor acontece de forma antecipada. Por um lado, tal resposta promove o desenvolvimento de recursos para lidar com a situação; de outro, pode atrapalhar a relação com o objeto da possível perda. Confira alguns exemplos:

Não conseguir estar com uma pessoa adoecida, sabendo que ela vai morrer.

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Ter dificuldades para trabalhar, consciente de que será demitido em breve.

Luto entre os pequenos

As crianças não possuem os mesmos recursos psíquicos de um adulto, mas também vivenciam sentimentos de tristeza e desespero ao perderem familiares ou diante da mudança de um ciclo.

Como os adultos, elas reagirão a seu modo e isso também pode ser influenciado pela idade em que se encontram.

De modo geral, o mais importante é ter uma conversa franca com a criança para ajudá-la na compreensão dos acontecimentos.

Falar sobre a dor e nomear a experiência é essencial para a elaboração da perda.

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Adotar essa atitude ajuda a construir, pouco a pouco, a noção de que a morte é irreversível, dando sentido à ausência daquela pessoa ou situação em sua vida.

Existem mesmo os estágios do luto?

Alguns estudiosos do luto tentaram descrever como esse processo se desenvolve. A teoria mais conhecida é a elaborada por uma psiquiatra suíça (Elizabeth Kubler-Ross) no final da década de 1960.

Primeiro, ela descreveu 5 etapas das reações emocionais diante da morte; depois adaptou essa hipótese para o luto. Negação, raiva, negociação, depressão e aceitação seriam as fases identificadas.

A teoria é discutida até hoje entre os cientistas. Os críticos dela entendem que a proposta é quase uma prescrição de como alguém precisa se mover de um estado emocional para o outro durante o processo de luto.

Argumenta-se que estar de luto não acontece de forma linear, isto é, ele não segue uma ordem estabelecida. Afinal, cada pessoa passa pelo luto de forma única.

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Hoje prevalece o entendimento de que não é possível falar em etapas ou fases do luto, mas é possível nomear as respostas que o sujeito pode apresentar ao longo de sua jornada, e elas podem ser alternadas.

Importante saber que, no luto, a lógica do pensamento positivo e da superação não funciona. A dor precisa ser transformada para que a falta seja elaborada. Isso requer tempo e paciência.

Quando procurar ajuda

Os especialistas esclarecem que é preciso estar atento ao passar do tempo (cerca de 6 a 12 meses) e como a pessoa enlutada está lidando com o dia a dia.

Caso se observe a persistência da tristeza, da falta de interesse pela vida, do isolamento, alterações do sono, bem como o descuido com a higiene, a alimentação ou cuidados médicos, além de ideações ou comportamentos suicidas/homicidas e conflitos interpessoais, a avaliação de um psicólogo é essencial.

A medida é ainda mais urgente quando esse estado de coisas já está causando prejuízos à vida profissional, familiar, social e para a saúde.

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Por vezes, a própria pessoa não identifica em si essas reações. Familiares e amigos podem tentar intervir ao perceberem o quadro.

Fontes: Gustavo Lenci, cardiologista e especialista da plataforma de Carreira Médica da PUC-PR; Helena Cunha Di Ciero, psicanalista da SBP-SP (Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo); João Paulo Machado de Sousa, psicólogo clínico com mestrado e doutorado, professor do Programa de Pós-Graduação de Saúde Mental da FMRP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto) da USP; Mônica Venâncio, psicóloga, mestra e doutoranda em psicologia, coordenadora técnica do Ambulatório do Luto do Hupes/UFBA (Hospital Professor Edgard Santos da Universidade Federal da Bahia), que integra a rede Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares).

Referências:

Lundorff M, Bonanno GA, et al. Are there gender differences in prolonged grief trajectories? A registry-sampled cohort study. J Psychiatr Res. 2020. Disponível em https://doi.org/10.1016/j.jpsychires.2020.06.030

Pop-Jordanova N. Grief: Aetiology, Symptoms and Management. Pril (Makedon Akad Nauk Umet Odd Med Nauki). 2021. Disponível em https://doi.org/10.2478/prilozi-2021-0014

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