'Nunca tinha descascado banana': ela mostra saga com seletividade alimentar


Luciana Spacca
Colaboração para VivaBem
14/03/2025 05h30
Desde a infância, a jornalista Isabella Magedanz Pesce, 33, não consegue comer frutas e legumes: ela sente repulsa e ânsia de vômito sempre que tenta colocar esses alimentos na boca.
Quando tento comer, é como se tivesse uma barreira física, uma parede. Eu sei que não tem, só que meu cérebro vê esse bloqueio. É como se algo ruim fosse me acontecer comendo aquilo. Coloco na boca um pedaço de abacaxi, por exemplo, e vem toda aquela repulsa, vontade de vomitar.
Isabella Magedanz Pesce
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Isabella sofre de seletividade alimentar, transtorno em que a pessoa tem um repertório de alimentos muito restrito sem motivo aparente, como alergias ou intolerâncias.
A jornalista diz não saber como o problema começou. "Entendi que isso era um transtorno alimentar há pouco tempo. Minha mãe diz que, quando eu era bebê, comia frutas raspadas, como qualquer criança. Eu mesma não me lembro de comer frutas e legumes."
Na adolescência, repudiava o cheiro quando os colegas comiam frutas com cheiros fortes, tipo mexerica. Durante toda a minha vida, ouvia que isso era frescura e passei a acreditar nisso.
Isabella Magedanz Pesce
A seletividade da jornalista está relacionada às texturas dos alimentos: quanto mais mole e molhada for a consistência das frutas e vegetais, mais dificuldade ela tem para comer.
Até consigo comer coisas bem secas. Chip de algum legume, por exemplo, é mais palatável para mim porque é uma textura única, que não muda. Normalmente, a pessoa seletiva gosta de previsibilidade do que está comendo.
Isabella Magedanz Pesce
'Deixei de sair com amigos por vergonha'
Isabella diz que a seletividade alimentar trouxe problemas para sua vida social. Ela já deixou de sair com amigos e ir a compromissos que envolviam comida por sentir vergonha.
"A parte que mais me deixava mal era a questão social, de jantares, confraternizações, aniversários. Sempre evitei ter de falar sobre isso, então deixei de sair com amigos e ir a festas por vergonha. Ou, quando ia, ficava mais afastada para comer", conta.
Namorava um rapaz e, no fim do ano, a empresa em que ele trabalhava fazia um jantar dos sócios com suas namoradas e esposas, num restaurante chiquérrimo, lindo. Era um jantar com menu fixo, com opções de entrada, prato principal e sobremesa. E todas tinham vegetais ou frutas. Fiquei extremamente agoniada e não fui, inventei uma desculpa. Lembro que isso me marcou porque eu queria muito ir, mas não consegui.
Isabella Magedanz Pesce
Isabella também sofria com a seletividade sempre que viajava. Ela acabava recorrendo aos fast-foods ou comia as mesmas coisas que estava acostumada, sem aproveitar tudo o que o passeio poderia proporcionar.
"Sempre gostei de viajar e hoje uma das razões para eu me tratar é poder mergulhar na cultura do lugar, inclusive na culinária, que é uma coisa magnífica."
'Busquei ajuda depois que tive meu filho'
Isabella decidiu procurar ajuda de uma nutricionista após o nascimento de seu filho Nino, prestes a completar sete meses.
"Ele modificou a minha vida por completo. Eu tinha verdadeiro pânico de quando chegasse a fase de introdução alimentar e quero que ele tenha a oportunidade de se alimentar melhor do que eu, quero participar plenamente da alimentação dele", diz.
Eu disse para a nutricionista que era importante eu manusear os alimentos, as frutas, aprender a descascar as coisas, porque eu quero também oferecer para o meu filho.
Isabella Magedanz Pesce
Como é o tratamento
Luíza Tavares, nutricionista de Isabella, diz que a questão mais aguda para a jornalista são as frutas. "Não conhecer frutas, não saber a lógica das frutas, qual tem semente, a textura da casca, como se manuseia, tudo isso faz parte do tratamento", diz a nutricionista.
Um dos tratamentos para a seletividade alimentar são as oficinas sensoriais, em que o paciente passa a conhecer mais sobre os alimentos que provocam rejeição.
A Isa queria muito conseguir comer banana, então a gente começou com uns chips de banana verde, que têm gosto mais salgadinho, depois passamos para um bolo de banana, doce de banana. Então ela pegou a fruta, manuseou, esmagou com garfo. E ela chegou a morder e comer um pedaço. Ainda com dificuldade, porque foi uma primeira exposição. E a exposição tem de ser progressiva, de forma lenta, segura e controlada.
Luíza Tavares, nutricionista
Isabella também considera uma vitória o dia em que conseguiu comer um pedaço de banana. "Durante a consulta, me dei conta que nunca tinha descascado uma banana, não me lembrava de já ter feito isso. Então, manuseei, olhei, cheirei. Eu parecia um bebê, tentando descascar com a pontinha do dedo", lembra.
Ela começou o tratamento há cerca de três meses, mas já colheu resultados.
"Cheguei na nutricionista dizendo que eu não comia nenhuma fruta. Com o passar das consultas, a gente percebeu que há coisas que eu como, mas que eu era tão punitiva comigo mesma que dizia que não comia nada. Por exemplo, eu adoro coco, como lascas de coco, bolo que tem coco. Eu como coco em basicamente todas as suas formas."
A jornalista também afirma estar bem mais segura em relação à introdução alimentar do filho. "As pessoas julgam muito. Já me falaram que eu era uma mãe horrível, que não passava as vitaminas ou nutrientes para o meu filho devido à minha alimentação."
Agora, me sinto muito mais segura para começar a oferecer alimentos para ele.
Isabella Magedanz Pesce
Luíza diz que o cuidado na hora de introduzir os alimentos para o bebê faz toda a diferença para o futuro alimentar da criança.
"É importante para prevenir a seletividade do bebê, porque o que for ofertado para ele é o que esse bebê vai conhecer."
Seletividade alimentar não é frescura
A seletividade alimentar é considerada um Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (Tare). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% da população brasileira tem algum tipo de transtorno alimentar.
Pessoas com seletividade alimentar evitam grupos específicos de alimentos, recusam experimentar novos sabores: podem ter aversão a certas texturas, temperaturas ou odores. Esse comportamento pode variar em intensidade e impactar a qualidade de vida, a saúde nutricional e a vida social.
Fátima Vasques, psicóloga do Programa de Transtornos Alimentares/Ambulim do IPq (Instituto de Psiquiatria) do Hospital das Clínicas da USP
Ela se difere de uma simples preferência por certos alimentos. O fato de a pessoa ter um repertório de alimentos limitado traz prejuízos no âmbito nutricional e mental, podendo levar a quadros de ansiedade e depressão. "A gente está falando de um transtorno em que o comer é dificultado", explica a psicóloga Tatiana Mosso.
Muitas pessoas têm preferências alimentares, mas isso não significa que sejam seletivas. A diferença essencial entre seletividade alimentar e uma simples preferência alimentar está na rigidez, impacto na vida cotidiana e na dificuldade de experimentar novos alimentos.
Fátima Vasques, psicóloga do Programa de Transtornos Alimentares
Quem tem seletividade alimentar come um número muito restrito de alimentos e evita ao máximo experimentar novos sabores, podendo reagir com nojo, ansiedade ou até pânico. "Essa rigidez alimentar pode causar problemas nutricionais e dificultar interações sociais. O desconforto em consumir alimentos não familiares é intenso, podendo levar a comportamentos extremos, como recusar totalmente a refeição", explica Fátima.
De onde vem?
A seletividade alimentar pode ter diferentes causas, mas a mais comum está ligada a fatores sensoriais e experiências negativas com a comida na infância, e não a um grupo de alimentos específico. "Ela pode surgir a partir de um desconforto real com alimentos, que pode ser físico, uma hipersensibilidade sensorial. Pode ser também de origem psicológica, uma associação negativa com a comida. Ou ainda comportamental, como hábitos alimentares rígidos desde cedo", explica Fátima.
Muitas vezes, a seletividade alimentar também pode estar associada a condições específicas, como Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) ou Transtorno do Espectro Autista (TEA), diz a psicóloga Tatiana Mosso. Esse, no entanto, não é caso de Isabella.
O tratamento do transtorno é feito com ajuda de uma equipe formada por nutricionista, psicólogo e, quando necessário, psiquiatra. Não existe cura, mas formas eficazes de melhorar a alimentação e reduzir o impacto negativo da seletividade. "A terapia tem como objetivo ajudar o paciente a superar medos, reduzir ansiedade e modificar padrões de comportamento ligados à alimentação", explica Fátima.
A seletividade alimentar frequentemente é rotulada como 'frescura', e isso pode dificultar o diagnóstico correto. A falta de informação sobre o assunto, a pressão social, a vergonha e medo do julgamento das outras pessoas muitas vezes levam o indivíduo a não procurar ajuda.
Fátima Vasques