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Estudo com sobreviventes de violência mostra que traumas podem ser herdados

A menina síria Hudea, então com 4 anos, que levantou as mãos ao confundir a câmera fotográfica com uma arma em 2015, no campo de refugiados de Atmeh - Reprodução/Twitter A menina síria Hudea, então com 4 anos, que levantou as mãos ao confundir a câmera fotográfica com uma arma em 2015, no campo de refugiados de Atmeh - Reprodução/Twitter
A menina síria Hudea, então com 4 anos, que levantou as mãos ao confundir a câmera fotográfica com uma arma em 2015, no campo de refugiados de Atmeh Imagem: Reprodução/Twitter

Colaboração para VivaBem

14/03/2025 05h30

O impacto de um trauma no organismo pode alterar os genes de uma mulher e ser transmitido aos filhos, descobriram cientistas da Universidade da Flórida (EUA) após estudarem sobreviventes da guerra civil na Síria. Os resultados foram publicados no dia 27 de fevereiro na revista Scientific Reports.

O que aconteceu

Células epiteliais foram "chave". Cientistas coletaram amostras com um cotonete do interior da bochecha de 138 pessoas de 48 famílias sírias refugiadas na Jordânia. Entre eles estavam mulheres grávidas sobreviventes do cerco à cidade de Hama, de 1982, seus filhos ou netos, e ainda cidadãos que resistiram à guerra civil que se instalou no país de 2012 a 2024.

Material genético deles foi comparado a um terceiro grupo de famílias. Estas eram de migrantes sírios que se fixaram na Jordânia antes das ondas de violência a partir dos anos 1980. Eles serviram como parâmetro do que está presente no material genético de quem não passou pelos mesmos níveis de violência.

Cientistas buscaram alterações epigenéticas no DNA das famílias em um laboratório da Flórida. A herança epigenética está ligada a alterações nas produções de enzimas e proteínas que controlam quimicamente a expressão dos genes. Experiências e modo de vida podem não alterar o seu código genético básico, mas influenciam quais características se tornarão evidentes, auxiliando o indivíduo a se adaptar a ambientes estressantes.

Em relação ao grupo de sírios que nunca enfrentou conflito armado, os netos dos sobreviventes de Hama apresentaram 14 áreas modificadas no seu genoma. Elas estão relacionadas à resposta à violência, refletindo que a agressão que suas avós passaram foi — e é — capaz de influenciar gerações futuras que nunca tiveram contato direto com estas agressões. "Isso poderia ajudar a explicar alguns dos ciclos de abuso e pobreza intergeracionais aparentemente inquebráveis que vemos ao redor do mundo", acredita a co-autora do estudo, Connie Mulligan.

O estudo ainda encontrou 21 alterações epigenéticas no genoma dos sobreviventes diretos de violência na Síria. Além disso, os expostos aos horrores da guerra, mas apenas no útero de suas mães, apresentaram evidências de envelhecimento epigenético acelerado, ou seja, estão mais suscetíveis a doenças relacionadas à idade com o passar dos anos.

Quem saiu do país não teve alteração. Padrões semelhantes de alterações epigenéticas foram encontradas nas três gerações afetadas pelos confrontos na Síria, mas não aos migrantes que a deixaram antes de 1980, sugerindo que estas são mesmo uma resposta comum do corpo ao estresse.

Acreditamos que nosso trabalho é relevante a muitas formas de violência, não apenas [aquela sofrida por] refugiados. Violência doméstica, sexual, armada: todos os diferentes tipos de violência que temos nos EUA. Devemos estudar os efeitos da violência. Devemos levá-los mais a sério. Connie Mulligan, professora de antropologia no Instituto de Genética da Universidade da Flórida e uma das autoras do estudo, em comunicado

Efeitos da violência na epigenética de indivíduos eram conhecidos em animais, mas nunca puderam ser provados em seres humanos. Esta era considerada uma "missão impossível" pela comunidade científica até então.

Ainda não está claro qual o conjunto exato de efeitos destas alterações epigenéticas nas vidas das pessoas que as carregam. Mas alguns estudos já encontraram ligações entre alterações epigenéticas por estresse e doenças como o diabetes. Além disso, uma pesquisa famosa com neerlandeses sobreviventes da fome durante a Segunda Guerra apontou que seus descendentes possuíam modificações epigenéticas que aumentavam seus riscos de obesidade ao longo da vida.


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