Farmacêutico pode receitar remédio? Entenda medida que pode valer em abril

Uma resolução do CFF (Conselho Federal de Farmácia) autoriza profissionais da área a prescrever medicamentos, incluindo os que exigem receita médica, e solicitar exames laboratoriais. A norma foi publicada no DOU (Diário Oficial da União) na segunda-feira passada e é criticada por entidades médicas.

O que aconteceu

Somente farmacêuticos com RQE (Registro de Qualificação de Especialista) poderão prescrever remédios. O conselho atribui a conduta apenas aos profissionais que se especializaram em farmácia clínica. Mas o registro não é necessário "para prescrever medicamentos em atendimento à pessoa sob risco de morte iminente". A resolução está prevista para entrar em vigor no próximo mês.

O RQE foi adotado recentemente pelo CFF. A criação do mecanismo foi publicada na mesma edição do DOU e exige que o profissional tenha feito pós-graduação lato sensu com reconhecimento do MEC (Ministério da Educação), residência uniprofissional ou multiprofissional, seja aprovado em avaliação na área solicitada ou tenha feito cursos de capacitação ou habilitação na área, podendo somar as cargas horárias de diferentes cursos até atingir o mínimo de 360 horas. Os cursos devem ter sido promovidos exclusivamente pelo CFF ou conselhos regionais.

CFF poderá criar listas de medicamentos que poderão ser receitados. Os protocolos ou diretrizes serão feitos para cada RQE ou suas subespecialidades. Farmacêuticos com registro de qualificação em farmácia estética ou tricologia só poderão prescrever medicamentos e produtos relacionados a essas áreas de atuação, mesmo os que exigem receita.

O que o farmacêutico está autorizado a fazer

Prescrever e renovar receitas. A resolução nº 5 de 20 de fevereiro de 2025 diz que o farmacêutico está autorizado a: prescrever medicamentos, incluindo os de venda sob prescrição; renovar prescrições previamente emitidas por outros profissionais de saúde legalmente habilitados; prescrever medicamentos em atendimento à pessoa sob risco de morte iminente.

Solicitar exames laboratoriais. Nessa atividade, o farmacêutico pode, entre outras medidas: coletar dados por meio de anamnese farmacêutica; fazer exame físico e verificar sinais e sintomas; realizar, solicitar, interpretar ou verificar exames para avaliação da efetividade do tratamento e a segurança do paciente; avaliar problemas no uso de medicamentos e no resultado do tratamento, podendo prescrever, dispensar ou administrar medicamento; aconselhar e orientar os pacientes; solicitar exames laboratoriais e fazer monitoramento laboratorial, não laboratorial ou automonitoramento; encaminhar o paciente para outros profissionais e serviços.

Lei e resolução do MEC respaldam resolução do CFF

O conselho fala da competência de estabelecer o perfil farmacoterapêutico dos pacientes. Citando a Lei nº 13.021 de 2014, o CFF diz que os profissionais são aptos a prescrever medicamentos. A legislação afirma que o farmacêutico tem a obrigação, entre outras práticas, de "estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas". Diz ainda que o profissional deve "observar os aspectos técnicos e legais do receituário" para "garantir a eficácia e a segurança da terapêutica prescrita". Não há menção ao fato de os farmacêuticos poderem prescrever remédios.

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Outro respaldo é uma resolução do MEC com diretrizes para o curso de graduação em farmácia. Segundo o documento, os profissionais devem ser capacitados para "prescrição de terapias farmacológicas e não farmacológicas e de outras intervenções relativas ao cuidado em saúde, conforme legislação específica, no âmbito de sua competência profissional".

Em nota pública, o CFF diz que o farmacêutico não pode prescrever todo tipo de medicamento. "Sua atuação sempre esteve e continua limitada à prescrição de medicamentos isentos de prescrição e tarjados, mediante protocolos ou diretrizes preestabelecidos", afirma, o que contraria o que foi publicado no DOU.

Os farmacêuticos não podem prescrever medicamentos que possuem notificação de receita, como os chamados de tarja preta. Ou seja, nenhuma prescrição feita por um farmacêutico será baseada em achismo ou interesses comerciais, mas, sim, na melhor ciência disponível. Nota do CFF

Conselho menciona amparo do Ministério da Saúde. No ano passado, a pasta reuniu documentos que apoiam enfermeiros e farmacêuticos a prescreverem profilaxias pré e pós-exposição de risco ao HIV (PrEP e PEP). O CFF também nega invasão em outras áreas profissionais. "O que precisamos valorizar é justamente o trabalho em equipe multiprofissional, onde cada profissional contribui com sua expertise específica."

Advogado fala em resolução "absurda" e "infeliz do ponto de vista técnico". Washington Fonseca, mestre em direito pela PUC-SP e especialista em direito médico, diz que as áreas de médicos e farmacêuticos são distintas, com atribuições específicas a cada uma. Ele afirma que para prescrever, adicionar, substituir, interromper e administrar medicamentos, como propõe o CFF, o profissional tem de passar pela formação médica de, no mínimo, seis anos —mais os anos de residência e especializações.

As competências de anamnese, prescrição e conhecimento clínico são restritas ao médico, que vê isso desde a faculdade, no internato e na residência. O farmacêutico tem como principal foco na atuação participar de etapas de produção de medicamentos, análise e controle de qualidade, manipulação, dispensa e orientação sobre uso de medicamentos. Washington Fonseca, advogado especialista em direito médico

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Fonseca também vê uma possível sobrecarga dos profissionais. "Vai fazer com que a farmácia se torne um pronto-socorro", diz.

Entidades médicas veem risco

O CFM (Conselho Federal de Medicina) diz que a resolução é "absolutamente ilegal e desprovida de fundamento jurídico". A entidade afirmou, em nota a VivaBem, que não há competência em lei que autorize farmacêuticos a prescrever medicamentos e que vai adotar as medidas judiciais cabíveis contra a resolução.

A prescrição exige investigação, diagnóstico e definição de tratamento, competências exclusivas dos médicos, conforme o artigo 4º, inciso X, da Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico), as Diretrizes Curriculares Nacionais do MEC e jurisprudências consolidadas. A norma do CFF é um atentado à legalidade e à segurança da população. Nota do CFM

Para o conselho médico, a medida pode colocar a saúde pública em risco. Permitir que profissionais não médicos, "sem formação clínica adequada, prescrevam remédios pode levar a óbitos, sequelas e danos irreparáveis". O órgão afirma que a resolução é uma "invasão flagrante das atribuições médicas".

A AMB (Associação Médica Brasileira) também se manifesta contra a resolução. Em nota à reportagem, a entidade diz que cabe aos médicos a tarefa de prescrever medicamentos, resultado de "um processo complexo de anamnese, exame físico e de exames subsidiários que permitem o correto diagnóstico das doenças". Afirma também que tomará providências para suspender a norma.

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O farmacêutico não tem a formação necessária para prescrever medicamentos, que podem, uma vez prescritos, afetar a saúde do paciente, caso seja utilizado de maneira equivocada. Nota da AMB

A APM (Associação Paulista de Medicina) afirma que a norma é uma "tentativa de invasão ao ato médico". "Todos os profissionais que se dedicam aos serviços e ações de saúde merecem respeito e reconhecimento. Contudo, os desvios de competência são essencialmente prejudiciais aos pacientes e devem ser evitados e, se for o caso, reprimidos pelos órgãos competentes", diz uma notícia no site.

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