Viciantes e calóricos: por que é tão difícil resistir aos ultraprocessados?

Eles estão em quase todos os lugares, ao alcance de nossas mãos, com embalagens brilhantes e prontos para serem consumidos. Os ultraprocessados são aqueles alimentos que passam por diversas etapas industriais e contêm ingredientes que não são comuns em uma cozinha.

Alguns exemplos são refrigerantes, salgadinhos, biscoitos, carnes processadas, iogurtes adoçados, doces, cereais matinais e pães industrializados.

Vamos admitir, esses alimentos são difíceis de resistir. Seja com um chocolatinho após o almoço ou um pacote de salgadinho no meio da tarde, quase todo mundo tem contato diário com ultraprocessados, e isso não é nada bom.

O que está por trás dos ultraprocessados

Os ultraprocessados estão em todos os lugares e são fáceis de serem consumidos a qualquer momento. Normalmente oferecem uma alta quantidade de calorias mesmo em pequenas porções e têm um poder de saciedade muito baixo. São ricos em açúcares adicionados, sal e gordura, além de ingredientes artificiais que dão cor e realçam o sabor.

"A combinação perfeita desses elementos cria o que chamam de 'ponto de êxtase', uma mistura irresistível para nosso paladar", destaca a nutricionista Thays Pomini. "O efeito nas vias de recompensa é similar ao de substâncias viciantes, estimulando a liberação de neurotransmissores."

Um estudo realizado por pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde, nos Estados Unidos, fez um experimento com 20 adultos. Primeiro eles seguiram uma dieta composta por alimentos ultraprocessados e, depois, por alimentos naturais. Os participantes podiam comer o quanto quisessem.

Foi visto que, nos períodos de consumo de ultraprocessados, as pessoas ingeriram cerca de 500 calorias extras por dia e ganharam, em média, 900 gramas. Quando seguiram a dieta natural, perderam aproximadamente a mesma quantidade de peso.

Esse estudo demonstrou pela primeira vez que os alimentos ultraprocessados podem estimular o consumo excessivo de calorias. No entanto, ele não explicou por que isso acontece.

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Imagem: Getty Images

Por que são tão difíceis de resistir?

A explicação pode estar na junção de alguns fatores principais:

Sabor mais que atrativo

Alimentos ultraprocessados combinam nutrientes altamente atrativos, de forma que ativam o sistema de recompensa do cérebro, levando as pessoas a quererem comer mais, mesmo estando saciadas.

"Eles vêm com texturizantes, saborizantes e substâncias que deixam o alimento irresistível. Também desenvolvem crocância, uma coisa que muitas crianças (e adultos) gostam. Tudo isso faz com que o ultraprocessado seja muito difícil de se resistir", destaca Nelson Douglas Ejzenbaum, médico pediatra e neonatologista.

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Muita caloria e pouca saciedade

Outro fator envolve a densidade calórica. Esses alimentos concentram muitas calorias em pequenos volumes e podem ser menos saciantes, fazendo com que as pessoas comam mais calorias sem perceber. "Nosso cérebro evoluiu para buscar alimentos calóricos como mecanismo de sobrevivência, o que torna esses produtos ainda mais atraentes", diz Pomini.

Marketing agressivo

Há ainda um terceiro fator que não pode ser ignorado. Por trás desses alimentos estão grandes indústrias, com grande poder político e de investimento em marketing, sendo capazes de "limpar a barra" dos ultraprocessados de forma que não pareçam tão ruins como, de fato, são.

"Muitos alimentos ultraprocessados são vendidos como inofensivos ou até saudáveis, mas na verdade não são. O marketing bilionário por trás deles pode ser uma explicação para consumirmos tanto, nos convencendo que esses produtos são irresistíveis", destaca a nutricionista Edvânia Soares.

Os ultraprocessadoss são vendidos com opção rápida, prática, milagrosa e acessível para qualquer momento, substituindo o consumo de uma refeição preparada e natural por algo que basta desembalar ou aquecer no micro-ondas.

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"A publicidade é avassaladora, é destruidora quando se trata de alimentação. Nós temos vivido um momento no mundo em que os ultraprocessados são vendidos como água", analisa Ejzenbaum.

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Imagem: iStock

Consumo fora de controle

Uma pesquisa de 2023 mostrou que, nos Estados Unidos, alimentos ultraprocessados representam cerca de 58% das calorias consumidas por crianças e adultos. Já um estudo realizado pela USP revelou que o consumo de ultraprocessados no Brasil aumentou 5,5% na última década, representando 20% das calorias ingeridas.

Tais números são alarmantes. Prova disso é que o governo federal tem estipulado mudanças na merenda escolar, anunciando uma redução gradual do limite de ultraprocessados na merenda de 20% para 15% em 2025, e 10% em 2026.

A explicação é simples: diversos estudos sugerem uma relação direta entre o consumo de ultraprocessados e problemas de saúde diversos, como doenças cardíacas, diabetes tipo 2, obesidade, depressão e alguns tipos de câncer.

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"Sabemos que ultraprocessados estão ligados a diabetes, hiperglicemia e aumento dos triglicéridos e colesterol, mesmo numa fase muito tenra da infância", fala Ejzenbaum.

Como mitigar os riscos?

Reconhecer a capacidade de atração dos alimentos ultraprocessados e os riscos do alto consumo regular é um primeiro passo. "É crucial saber ler e interpretar rótulos dos alimentos para que não haja engano no que está sendo oferecido e o que realmente compõe o produto/alimento", alerta Pomini.

Ela explica que o planejamento de refeições, incluindo a preparação de alimentos com antecedência, reduz a dependência de opções rápidas e ultraprocessadas. "Além disso, a reeducação do paladar, reduzindo gradualmente o consumo de açúcar e sal, ajuda a readaptar as preferências a sabores naturais", diz.

Manter opções saudáveis facilmente acessíveis e lidar com gatilhos emocionais que levam ao consumo de ultraprocessados também é um passo importante. "Reduzir os ultraprocessados não significa abrir mão do prazer de comer e nem pensar que nunca mais vai consumir isso. Mas a gente precisa redescobrir o sabor de novos alimentos naturais para poder ganhar mais saúde, bem-estar e longevidade", diz Edvânia.

Ejzenbaum ainda destaca que é importante estimular isso desde cedo. "Temos que mostrar que fruta tem bom gosto, ensinar e aprender a fazer comida de qualidade com sabor agradável, mostrar e temperar a comida com temperos naturais que valorizem o alimento. Isso é superimportante de fazer com a criança para melhorar sua relação com a comida".

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Fontes: Edvânia Soares, nutricionista da Estima Nutrição, pós-graduada em nutrição clínica esportiva e vigilância sanitária; Nelson Douglas Ejzenbaum, médico pediatra, membro da Academia Americana de Pediatria e da Sociedade Brasileira de Pediatria, formado pela Faculdade de Medicina de Santo Amaro, residência em pediatria na Santa Casa de São Paulo, especialista em amamentação e cuidados do recém nascido; Thays Pomini, nutricionista pós-graduada em nutrição estética e esportiva, em nutrição fitoterápica e em genética e epigenética.

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