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'Meu filho desenvolveu paralisia cerebral após cinco picadas de escorpião'

Adriana, 38, ao lado do filho Thomas, 4 - Arquivo pessoal Adriana, 38, ao lado do filho Thomas, 4 - Arquivo pessoal
Adriana, 38, ao lado do filho Thomas, 4 Imagem: Arquivo pessoal

De VivaBem, em São Paulo

26/03/2025 05h30

A jornalista Adriana Caitano Ribeiro, 38, levou um susto na madrugada do início de 2023 ao ver seu filho Thomas, então com 2 anos, acordar chorando. Ao investigar o que havia acontecido, percebeu que ele havia sido picado por um escorpião.

A família, que mora em Brasília, agiu rapidamente e conseguiu salvar a criança. No entanto, durante essa jornada, Thomas sofreu complicações que resultaram no desenvolvimento de paralisia cerebral. Hoje, aos 4 anos, ele exige cuidados especiais, e Adriana precisou readaptar sua rotina para enfrentar os desafios e garantir qualidade de vida ao filho. A VivaBem, ela compartilhou sua história.

"27 procedimentos cirúrgicos"

"Tínhamos saído de uma festinha de virada do ano, entre 2022 e 2023. Meu filho Thomas tinha 2 anos na época. Voltamos para casa, e ele foi dormir comigo, na minha cama. Em dado momento, ele acordou chorando muito. Não conseguia acalmá-lo, até que meu marido sugeriu levantarmos o cobertor. Foi aí que encontramos um escorpião embaixo do travesseiro. Ficamos assustados. Meu marido conseguiu matar o bicho para levá-lo como prova, e corremos para o hospital público, pois sabíamos que tinha que ser lá.

No hospital, Thomas começou a vomitar muito e suava bastante. Ele recebeu soro para hidratação e, em seguida, a dose máxima do soro antiescorpiônico. Parecia estar melhorando, mas, de repente, começou a hiperventilar, e seus batimentos cardíacos dispararam. Ele precisou ser intubado. Conseguimos uma transferência para outro hospital com UTI através do plano de saúde.

O veneno do escorpião atinge o coração rapidamente, e, no caso do Thomas, ele foi picado cinco vezes, com uma alta carga de veneno. Ele estava com uma ferida muito grande no lugar. O coração ficou enfraquecido, e ele teve duas paradas cardíacas.

Os médicos sugeriram ECMO (Oxigenação por Membrana Extracorpórea, uma espécie de pulmão artificial), e, felizmente, esse hospital possuía o protocolo para o procedimento. No dia seguinte, a hemodiálise também se tornou necessária, pois os outros órgãos estavam enfraquecendo.

Thomas ficou em coma induzido, com ECMO, por cinco dias, até que seu coração voltou a funcionar. Só que a falta de oxigenação no cérebro causou edema e sangramentos. Ele passou por 27 procedimentos cirúrgicos, incluindo punções na cabeça para drenar o excesso de líquido. Durante o período do edema, ele não apresentava reações, e os médicos iniciaram o protocolo de morte encefálica.

Naquele momento, foi extremamente difícil decidir se eu pedia a Deus para ele descansar ou para ele ficar, pensando que iria amá-lo de qualquer maneira que ele se recuperasse. Me perguntava se era egoísmo meu pedir para ele ficar. Comecei a pesquisar casos como o dele para ver se me animava.

'Decidi lutar'

Thomas desenvolveu paralisia cerebral após ser picado por escorpião Imagem: Arquivo pessoal

Fiquei com a sensação de 1% de esperança e decidi lutar por ele. Conversei com médicos e enfermeiros, pedindo para que ninguém desistisse. Rezei e falei no ouvido dele que queria que ele ficasse para brincarmos, que o amaria de qualquer forma, mas que a decisão era dele. Seis horas depois, a médica ligou dizendo que ele tinha tossido - um sinal de recuperação.

Desde o primeiro dia, decidi que seria aquela mãe que acredita na sobrevivência do filho, confiando até o último minuto. Não que minha fé fosse inabalável, nem que eu fosse forte o tempo todo. Em muitos momentos, achei que não iria aguentar. Mas era como se eu tivesse um dever: prometi que acreditaria na recuperação dele. Quando a médica mandou a mensagem, senti um alívio, mas, ao mesmo tempo, estava com medo. E lidar com esse medo foi difícil. Mas Thomas me provava, dia após dia, sua força e vontade de viver. Os médicos até questionavam como ele conseguia suportar tudo aquilo.

Após 100 dias na UTI, sendo um mês na fase mais grave, o corpo dele começou a se recuperar do pescoço para baixo. A atenção dos médicos se voltou para o cérebro, reduzindo o edema e avaliando as lesões. Ele também precisou fazer uma traqueostomia, e achávamos que não ia aguentar. Pensávamos que nunca mais ouviríamos sua voz, seu choro, e tivemos que reunir coragem para autorizar o procedimento. Quando ele voltou da cirurgia, o médico disse que ele estava fora de perigo e que era um milagre.

Depois disso, fomos transferidos para um quarto individual, onde pudemos ficar com ele 24 horas por dia. Tive que recusar um trabalho para estar ao lado dele, mas continuei atuando como freelancer, pois assim tinha horários mais flexíveis e não precisava estar presencialmente. Depois disso, ele ainda nos deu outro susto: quando tentaram retirar a ventilação mecânica, sua saturação começou a cair até que ele parou de respirar. Naquele momento, senti que ia desmaiar de tanto nervoso.

Ao todo, foram 100 dias de recuperação, até que veio o diagnóstico de paralisia cerebral. Eu esperava que ele abrisse os olhos e me chamasse de mamãe, mas não foi assim. Ele abria os olhos devagar, não se mexia direito, e foi um processo entender sua nova condição. Foi muito doloroso perceber que ele não acordaria como antes. Acreditava que sairíamos do hospital sob aplausos, mas ele precisou de uma ambulância para ir para casa.

'Aprendemos a ser da área da saúde'

A vida então mudou totalmente, e tivemos que adaptar a casa para recebê-lo. Eu e meu marido aprendemos a ser da área da saúde, desde aspirar secreção até arrumar bomba de alimentação

Tentei voltar ao trabalho, mas era muito difícil conciliar tudo. Essa dificuldade é ainda maior para famílias atípicas, porque tem outros fatores. Uma criança saudável pode ter uma gripe, um tombo. Isso pode acontecer como pode nunca acontecer. Mas, no nosso caso, é comum termos que correr ao hospital. A gente sempre vive sob esse alerta.

Quando o Thomas ainda estava internado, passei por um processo seletivo que era para cobrir alguns meses de licença maternidade. Era home office, então poderia pegar. Nunca escondi a situação dos empregadores e sempre fui tentando, me esforçando. Mas, com tantos profissionais da saúde em casa, era difícil me concentrar, eles sempre vinham falar comigo para me explicar algo técnico.

No ano passado, achei que estava pronta para voltar ao trabalho presencial. Tudo parecia mais adaptado. Em uma das funções, precisaria viajar e ficar sete dias fora de casa - um suplício para mim. Foi bom voltar a trabalhar, conhecer outras pessoas, mas toda mãe sente a dificuldade de ficar longe do filho após a licença-maternidade. No meu caso, esse medo era ainda maior: qualquer erro de alguém poderia custar a vida dele.

Em um outro momento, tivemos que interná-lo novamente. As pessoas ficaram consternadas, entendiam, mas, ao mesmo tempo, tinham uns olhares. Com o tempo, isso foi me desgastando. Meu corpo começou a reagir: engordei 20 kg, não conseguia fazer exercícios e tive crises de ansiedade. O cansaço era constante. Acabei sendo demitida no ano passado - acredito que porque não estava tão disponível quanto precisavam.

Meu marido é meu grande parceiro, e juntos decidimos que abrir um negócio seria a melhor solução. Assim, montamos uma cafeteria, onde temos mais flexibilidade e tocamos tudo apenas nós dois.

'Meu filho não deixou de ser criança'

É um mundo muito diferente, e estou aprendendo coisas que nem imaginava. No final de 2023 descobrimos a existência da educação precoce, em uma escola para deficientes visuais. Ele começou um processo por ali. Hoje já está no ensino infantil. As atividades que as pedagogas propunham eram mais eficientes que as de casa. Às vezes, estando em casa, o trabalho é mais paliativo. Já ali existe um esforço dos professores para avançar mesmo.

As professoras o incentivam a usar o olhar para se comunicar, e ele levanta a mão para dizer sim. Ele é muito expressivo, demonstra quando está incomodado ou feliz. Reconhece nossas vozes e as músicas que colocamos. Quando ele acorda e está bem, ele dá um sorrisão, assim como os bebês fazem. O cérebro humano é uma incógnita ninguém sabe como vai ficar cada um. Quem viu lá na época na UTI e vê hoje fica encantado. Parecia que ele ficar parado olhando pro teto para sempre. Mas agora ele demonstra que tá ali, ele reage, faz careta. É como se ele dissesse: 'eu tô aqui, to tentando.'

É uma pena que a gente pare para pensar sobre inclusão só quando vive na pele. Meu filho não deixou de ser criança, ele precisa continuar sendo criança. Ele não faz boa parte das coisas que crianças fazem porque não tem estrutura.

Sabemos que a paralisia não tem cura. Falavam que ele iria voltar 100%, que daqui a pouco estaria correndo. Mas hoje mudei. Para mim, tudo bem não ter cura. Está tudo bem ele não voltar ser como antes. Não que eu não chore ou não morra de saudades de como era. Mas hoje aceito que o ontem nunca vai voltar. E tenho essa expectativa de que a gente possa avançar mais. Cada coisinha é uma grande vitória.

A gente corre atrás, faz vaquinha para ajudar. É uma luta. Estuda-se muito sobre nascimento ou gravidez, quando falta oxigênio no parto, mas não se estuda tanto sobre paralisia cerebral depois de nascer saudável. Vi tão pouca pesquisa sobre isso, mas existem vários casos.

O que é paralisia cerebral?

Condição afeta o cérebro e o sistema nervoso. A paralisia cerebral ocorre quando há dano ou malformação no cérebro. Ela altera principalmente o controle dos movimentos e a postura do paciente, como explica o médico especialista em neurologia infantil Marcelo Masruha. "Não é uma doença que 'pega' ou piora com o tempo, mas sim uma lesão fixa que impacta a vida da pessoa."

Os sinais variam muito de uma pessoa para outra. Algumas podem ter dificuldade para andar ou até não conseguirem andar sozinhas, enquanto outras têm movimentos mais leves afetados, como tremor nas mãos. Além disso, pode haver rigidez muscular (espasticidade), fraqueza, ou até movimentos involuntários. Em alguns casos, a paralisia cerebral vem junto com outros desafios, como dificuldades para falar, enxergar, ouvir ou aprender, mas isso não é regra - cada caso é único.
Marcelo Masruha, professor da Unifesp e médico especialista em neurologia infantil

Danos cerebrais nos primeiros anos de vida podem ocasionar paralisia. O risco maior é antes a gravidez, durante o parto e logo após nascer, já que o cérebro está em fases cruciais de desenvolvimento. No entanto, até os 2 ou 3 anos, as crianças são vulneráveis para que danos cerebrais se desenvolvam em paralisia. Isso ocorre porque nessa faixa etária o indivíduo está em rápido crescimento, formando as conexões que controlam movimento, fala e demais funções.

Depois dos 3 anos, o risco de um dano levar à paralisia cerebral diminui, mas lesões graves ainda podem causar outros tipos de problemas motores ou neurológicos.
Marcelo Masruha, professor da Unifesp e médico especialista em neurologia infantil

Infecções graves como meningite ou traumatismos cranianos podem causar paralisia cerebral. Mesmo que uma criança tenha um nascimento saudável, qualquer situação que lesiona o cérebro de forma grave pode ter como consequência a paralisia cerebral.

Uma picada de escorpião, em casos graves, pode causar complicações sérias, como falta de oxigênio no cérebro (hipóxia) ou inflamação severa, especialmente se o veneno afetar o sistema nervoso de forma extrema. Se o cérebro de uma criança for privado de oxigênio por tempo suficiente - por exemplo, por um choque ou parada respiratória -, isso pode levar a um dano permanente que resulta em paralisia cerebral. Porém, isso seria algo raro e dependeria de muitos fatores, como a quantidade de veneno, a resposta do corpo e o atendimento médico.
Marcelo Masruha, professor da Unifesp e médico especialista em neurologia infantil

A paralisia cerebral não tem cura, mas tratamentos auxiliam. Os danos ao cérebro são permanentes. No entanto, é possível melhorar a qualidade de vida do paciente controlando os sintomas e desenvolvendo habilidades. Entre os principais tratamentos estão a fisioterapia, a terapia ocupacional, a fonoaudiologia. O tratamento é sempre personalizado pois cada caso deve ser avaliado individualmente.

Crianças que adquirem a condição depois [do nascimento] tendem a ter uma 'memória' de como o corpo funcionava antes, o que às vezes ajuda na reabilitação, mas o sucesso depende de fatores como a gravidade da lesão e o quanto o cérebro ainda consegue se reorganizar (um processo chamado plasticidade). Em ambos os casos, começar as terapias cedo e mantê-las consistentes faz uma grande diferença no resultado.
Marcelo Masruha, professor da Unifesp e médico especialista em neurologia infantil


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