Ela está há 1 ano sem redes sociais: 'Sentia que tinha morrido socialmente'
Fádia Calandrini, 35, é especialista em comunicação corporativa e tomou uma decisão que muitos em sua posição podem considerar inimaginável: sair de todas as redes sociais. Focada em melhorar sua saúde mental, ela apagou os aplicativos do celular e parou de acessá-los no computador.
No começo, foi bem difícil. Segundo ela, a sensação era de abstinência. Mas, com o tempo, percebeu que a decisão foi acertada para sua vida e hoje já está há um ano sem acessar as redes. A VivaBem, ela contou sua história.
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'Rolava o feed sem parar'
"Comecei me afastando das redes pelo Instagram. Já era uma plataforma que não estava me agradando. Tinha a sensação de que estava vivendo em um shopping. Ficava rolando o feed sem parar, mas não absorvia nada. Ainda assim, continuava ali, dando desculpas de que gostava de ver conteúdos sobre plantas e cinema.
Percebi que poderia acessar esses conteúdos fora daquele ambiente. Além disso, eu precisava me libertar daquela sensação de estar 100% disponível o tempo todo.
Fádia Calandrini
Depois do Instagram, larguei o X (antigo Twitter). Essa era minha rede preferida, e eu era bastante ativa. Ali, tinha a sensação de que precisava opinar sobre tudo —algo que, na verdade, não é necessário. Passava horas vendo os posts, mas eles não me agregavam nada. Então, saí de lá também.
No início, a sensação era de que eu havia morrido socialmente. Comentei com minha terapeuta que me sentia como alguém se recuperando de um vício, com sintomas de abstinência. Pensava o tempo todo em reinstalar o aplicativo no celular.
Fádia Calandrini
'Muita gente diz que sumi'
Sou especialista em comunicação corporativa e, no trabalho, tenho ferramentas que me ajudam; não preciso ficar presa às redes. Estou em uma posição privilegiada, porque lidero um time. Eles são meus olhos. Continuo lendo todas as notícias, mas eles sabem o que está bombando.
Se for necessário, eles me mandam capturas de tela, me mostram, me explicam. Não preciso de acesso imediato às redes para fazer meu trabalho, pois tenho alternativas.
A princípio, era para ser algo temporário. Mas fiquei tão bem que hoje não sinto mais falta. A maior dificuldade foi lidar com a abstinência de informação. As pessoas deixaram de conversar. Se viajam, postam. E isso impactou minhas relações pessoais. Houve um pente-fino: ficaram apenas os amigos de longa data.
Fádia Calandrini
Muita gente diz que sumi, mas não desapareci: apenas não estou mais nas redes. Meu número de celular segue o mesmo. Isso afetou muito minhas relações.
'Agora quero ficar longe do celular'
Faço tratamento para ansiedade e depressão, e me afastar das redes foi uma virada de chave que melhorou meu tratamento em 300%. Passei a ler mais livros —algo que demorei para conseguir retomar—, e minha vontade de checar o celular o tempo todo diminuiu.
É um exercício acalmar minha mente e me conformar que não preciso saber de tudo. Se acontecer uma guerra, eu vou saber. Se houver um problema grave com o governo, eu vou saber. Não preciso das redes para isso. Meus hábitos mudaram completamente.
Meu movimento agora é ficar longe do celular de uma maneira geral."
Quando o uso excessivo causa incômodo
Não é simples perceber que temos um vício em redes sociais. Temos o hábito de usá-las todos os dias, incontáveis vezes. Quando esse comportamento gera um incômodo, é preciso ligar o sinal de alerta. "A necessidade de estar sempre informado gera um quadro ansioso, devido ao medo de perder algo", explica a psiquiatra Danielle Admoni, especialista em infância e adolescência da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Os adultos têm mais capacidade de filtrar as informações oferecidas pelas redes do que os jovens, mas nem por isso eles estão imunes às suas consequências, explica a psiquiatra Dafne Albuquerque, professora da Afya Educação Médica, em Fortaleza. "O uso excessivo pode levar à preocupação exagerada e impactar o sono, o que, por sua vez, pode causar outros transtornos, como ansiedade e depressão", explica Albuquerque. O uso excessivo também pode causar irritabilidade ao ficar longe das redes.
Pesquisas indicam que as redes sociais afetam mais as mulheres, enquanto os jogos digitais são os maiores vilões para os homens, diz a psicóloga Carla Carvalheiro, coordenadora do grupo de dependências tecnológicas do Pro-Amiti (ambulatório dos transtornos do impulso) do IPq, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.
Muitas vezes, a vida fora das telas é tão difícil que as redes sociais se tornam um refúgio, anestesiando diversas emoções durante o uso.
Carla Carvalheiro, psicóloga do Instituto de Psiquiatria da USP
Redes sociais acabam "sequestrando" nosso tempo. Elas têm um design pensado para prender a atenção. O papel de "fuga emocional" que desempenham aliado ao medo das pessoas de perderem informações acaba por contribuir para que os usuários gastem horas nos aplicativos.
O tempo de uso não é, por si só, um indicador de dependência tecnológica, mas pode ser um fator de risco. Se uma pessoa passa quatro horas por dia navegando, dorme oito e trabalha outras oito, quase todo o seu tempo livre é consumido pelo celular. E isso tem impacto na vida offline.
Carla Carvalheiro, psicóloga do Instituto de Psiquiatria da USP
A decisão de cortar completamente o uso das redes, como fez Fádia, é considerada extrema por alguns especialistas e pode não funcionar para todas as pessoas.
Não recomendamos abstinência total em casos de dependência comportamental, como a das redes sociais. Hoje, entendemos que a melhor abordagem é a autorregulação, pois muitas pessoas que cortam completamente acabam voltando ao uso, podendo até desenvolver sintomas de depressão e isolamento.
Carla Carvalheiro, psicóloga do Instituto de Psiquiatria da USP
Regular o uso das tecnologias é essencial
Veja abaixo algumas dicas para tornar mais saudável a relação com as redes sociais.
Evitar o ato repetitivo de abrir o feed e regular a utilização do celular. No momento de estudos ou concentração maior, é melhor deixar a tecnologia distante. Mesmo se o celular estiver desligado ao lado.
Evitar as multitarefas que a tecnologia permite. É melhor fazer uma coisa de cada vez, ainda que use a tecnologia.
Evitar levar o telefone à mesa em refeições — especialmente com amigos e família. Uma refeição em família por semana já funciona como um fator protetivo da sua saúde.
Viver as experiências antes de registrá-las. Quando registrar a experiência é mais interesse do que vivê-la, é um sinal de alerta. Consultar profissionais, como psicólogos, pode ajudar a tornar a relação com as redes sociais menos nociva.
*Com informações de reportagem publicada em 19/12/2023