Guerra à inflamação: exames para detectar ajudam ou só aumentam a paranoia?

A inflamação é um processo natural da resposta imunológica do nosso corpo. Ultimamente, no entanto, ela tem ganhado uma reputação cada vez mais negativa, sendo apontada como a grande vilã por trás de doenças cardíacas, câncer, demência e até como uma das causas do envelhecimento precoce.

Mas não é bem isso o que acontece. A verdade é que é impossível evitá-la completamente. Aliás, nem seria bom, afinal, nosso corpo ativa a inflamação sempre que precisa se defender de ameaças, como infecções, lesões ou substâncias nocivas, promovendo a recuperação e restaurando o equilíbrio do organismo.

"Ela desempenha um papel importante, pois sinaliza que há algo de errado e ajuda a proteger o organismo e a eliminar o patógeno", aponta Maria Gabriela de Lucca Oliveira, médica especialista em patologia clínica do DB Diagnósticos.

O problema surge quando essa resposta, que deveria ser passageira, se torna crônica e silenciosa. Aí sim, ela pode contribuir para o desenvolvimento de diversas doenças.

Com isso em mente, muitas pessoas passaram a se perguntar se o próprio corpo está excessivamente inflamado —e se há fatores 'ocultos' no dia a dia, como o consumo de lactose e glúten na alimentação, ou substâncias presentes em maquiagens e produtos de limpeza que possam estar contribuindo para esse processo.

Nesse sentido, há exames que medem a presença de inflamação no corpo, mas os especialistas avisam que seu uso deve ser criterioso. Entender quando esses testes são úteis —e quando não passam de alarmismo desnecessário— é essencial para tomar decisões informadas sobre a própria saúde.

Sinais comuns de inflamação

Dor em diferentes níveis;

Rubor ou vermelhidão, que ocorre devido ao aumento do fluxo sanguíneo;

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Calor: a área afetada fica quente, muito devido ao aumento do fluxo sanguíneo;

Edema ou inchaço, que ocorre devido ao acúmulo de fluidos nos tecidos;

Fadiga constante

Dificuldade de movimento: pode ocorrer limitação devido aos fatores mencionados

Aqui, vale uma ressalva: não é porque você identificou um ou mais sintomas que necessariamente está com o corpo inflamado. "Esses sinais podem ser confundidos com outros problemas de saúde, por isso é importante avaliá-los no contexto clínico", afirma Lucas Albanaz, clínico geral, coordenador médico do Hospital Santa Lúcia de Brasília.

Preocupação excessiva não ajuda

O sedentarismo, o tabagismo e o consumo excessivo de ultraprocessados são fatores conhecidos por aumentar a inflamação no organismo. Por outro lado, alguns alimentos nutritivos são injustamente demonizados, como aqueles que contêm glúten (presentes em pães) e lactose (como queijos e iogurtes), frequentemente associados, sem fundamento, à inflamação. No entanto, como explica o clínico Lucas Albanaz, a restrição desses alimentos só é necessária para quem tem intolerância à lactose ou doença celíaca.

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"Para a população em geral, não há evidências científicas sólidas de que esses alimentos provocam inflamação ou que sua exclusão traga benefícios. Eliminá-los sem necessidade pode resultar em deficiências nutricionais e restrições desnecessárias na dieta."

O mesmo vale para algumas substâncias químicas presentes em produtos do dia a dia, como maquiagens, produtos de limpeza e embalagens plásticas, por exemplo, que podem ter um efeito inflamatório, principalmente os disruptores endócrinos, como os ftalatos e o bisfenol A.

"Mas nem todo mundo que usa esses produtos vai desenvolver inflamação crônica", aponta Erick Pordeus, médico clínico geral e preceptor da enfermaria de clínica médica do Hospital das Clínicas da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco). O impacto, explica o médico, depende muito da predisposição genética, do estilo de vida e da exposição a esses agentes ao longo do tempo.

Na avaliação de Albanaz, a realização excessiva de exames pode gerar alarmismo, levando a interpretações equivocadas, preocupações desnecessárias e até a realização de tratamentos dispensáveis.

"A medicina baseada em evidências recomenda que exames sejam solicitados com critério, considerando sintomas, histórico clínico e fatores de risco. A busca por inflamações ocultas sem uma justificativa médica pode causar ansiedade e levar a intervenções desnecessárias", acredita.

Quais exames detectam inflamação no organismo e quando fazê-los?

A médica Maria Gabriela de Lucca Oliveira explica que os exames que medem inflamação geralmente são requisitados para investigar casos ainda sem diagnóstico ou acompanhar quadros que promovem uma resposta inflamatória. "Eles servem para medir marcadores específicos no sangue que indicam a presença de processos inflamatórios."

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Alguns exemplos de uso são para doenças autoimunes (como artrite reumatoide, lúpus e doença de Crohn), em que há uma resposta inflamatória crônica; infecções, já que os exames podem ajudar a diferenciar entre infecção causada por bactérias, vírus ou outro agente; doenças cardiovasculares, para avaliação de risco; pós-traumas ou cirurgias, para avaliar recuperação; e para monitoramento de doenças crônicas.

Nesses casos, explica Oliveira, alguns dos exames que podem ser pedidos são:

PCR (proteína C reativa)

VHS (velocidade de hemoconcentração)

Alfa 1 glicoproteína ácida

Hemograma

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Ferritina

Fibrinogênio

Interleucinas e citocinas

No entanto, Erick Pordeus alerta que não existe sentido em solicitar esses exames de forma indiscriminada. "Até porque marcadores inflamatórios podem se alterar por vários motivos banais, como uma gripe recente, uma noite maldormida ou até mesmo o estresse", explica.

"O objetivo dos testes é direcionar a investigação quando há sintomas ou fatores de risco que justifiquem essa abordagem, não simplesmente buscar inflamação por inflamação", complementa o médico da UFPE.

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