Francesa com Alzheimer precoce conta em livro como convive com doença
"Alzheimer Precoce", lançado em 7 de novembro nas livrarias francesas, reúne textos de um diário que a francesa escreveu para seu filho, Theo, desde que descobriu, em 2013, que tinha a doença. Esta foi a maneira que ela escolheu para explicar que, aos poucos, se transformaria em uma outra pessoa.
Florence Nierderlander, 49 anos, vive na cidade de Petite Rosselle, em Moselle, no leste da França. Para ela, não existe hoje ou amanhã. A noção de espaço-tempo, que rege nosso dia a dia, desapareceu de seu cérebro desde que o Alzheimer foi detectado, há seis anos. Antes, já havia sinais: frases repetitivas, esquecimentos e alguns problemas de memória. Até o dia em que ela se perdeu na própria cozinha e simplesmente não sabia o que estava fazendo ali. Seu filho, então com 12 anos, disse: "mãe, você precisa de ajuda".
A francesa marcou uma consulta com um neurologista e passou por vários exames, que confirmaram o temido diagnóstico. Desde então, Florence, que ainda mora sozinha, é acompanhada diariamente por uma equipe de enfermeiros e auxiliares. Eles verificam se ela tomou os medicamentos corretamente e a ajudam nas situações mais corriqueiras. Ela não pode trabalhar, não consegue mais cozinhar, pode ir ao mercado várias vezes por dia comprar as mesmas coisas ou passar a tarde inteira em um lugar sem perceber - situação que ela descreve em seu livro com uma boa dose de humor, que não perdeu apesar das dificuldades.
Cercada de post-its para "se esquecer do mínimo de coisas possível", Florence é obrigada a anotar tudo. "Não posso viver sem. Tudo é anotado e verificado várias vezes durante o dia. E, para me ajudar, todos os dias os enfermeiros olham o que anotei, porque eu não tenho mais a noção de que dia é hoje", explica. Os sintomas da doença também fazem com que ela durma pouco à noite. Ela se sente exausta durante o dia e é obrigada a parar várias vezes para descansar.
Foi com surpresa que ela recebeu o convite de sua editora, Michalon, para publicar seu diário. Em entrevista à RFI Brasil, a francesa contou que, mesmo antes da doença, já escrevia para seu filho, para se lembrar de momentos divertidos de quando ele era pequeno. "Quando a doença apareceu, Theo tinha apenas 12 anos. Eu decidi, neste momento, escrever para dizer que eu era diferente, e para dizer tudo o que eu não conseguia expressar verbalmente. Nunca imaginei que essas notas se transformariam em um livro. Quando eu escrevi esse diário, foi para que Theo pudesse ler mais tarde, quando eu já estiver bem mal", explica.
Theo descobrirá o livro, acredita Florence, ao mesmo tempo em que os outros leitores. Ela conta ter enviado um exemplar para o filho, que mora em outra cidade, mas errou de endereço duas vezes. O pacote nunca chegou ao destino. A francesa ligou para contar sua tentativa frustrada de fazer uma surpresa e os dois riram da situação. "Theo me disse que seria melhor comprar o livro em uma loja", conta.
Esse é um exemplo prático de como a doença aos poucos transforma seu cérebro e afeta suas funções cognitivas. O Alzheimer provoca uma destruição progressiva dos neurônios que se manifesta por uma perda de memória de fatos recentes, que se acentua com o tempo. A patologia causa lesões irreversíveis no tecido cerebral, até atingir o lobo temporal, situado na parte lateral do cérebro, levando à perda da autonomia e à morte. O processo é longo e doloroso, para o paciente e pessoas próximas.
Aqui, agora
Florence não pensa no futuro, afinal, para ela, o futuro, ou o passado recente, simplesmente não existem. "Eu amo o aqui, agora. Para mim, o momento presente é aquele que estou vivendo com você. E um momento de prazer, que eu usufruo nos mínimos detalhes. Quando alguma coisa me agrada, ou me deixa feliz, é importante. É um momento que eu aproveito", conta. A francesa também é consciente de que suas lembranças ficaram congeladas no tempo, quando foi diagnosticada - a memória recente é a primeira afetada pela doença.
No livro, ela conta, por exemplo, que não reconhece mais seu filho. Em suas lembranças, a imagem dele que permanece é a de um garoto de 12 anos. "Eu ainda o vejo pequeno. Tenho problemas em reconhecer o jovem em quem ele se transformou", explica. A francesa conta o assunto não é tabu; é objeto de conversas frequentes com o filho. "A evolução da doença é tamanha que muda a pessoa. As relações se tornam um pouco mais complicadas. Neste momento, é essencial falar sobre o que está acontecendo", diz.
Vivendo um dia de cada vez, Florence aceita sua condição e acha importante falar sobre o que ela chama de "deficiência invisível": em nenhum momento da entrevista, por exemplo, é possível detectar os sinais de uma doença que, para o senso comum, a tornaria incapaz de dar sentido às suas ideias. Eles aparecem, entretanto, diante de uma situação de estresse, ou durante um passeio - Florence perdeu todo a noção de espaço e localização.
Ela sabe que seu tempo consciente é limitado. Mas, apesar das dificuldades, em seu livro e nos encontros com outros portadores da doença, ela sempre tenta transmitir uma mensagem positiva. "Não vamos deixar a doença vencer!"
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