Com aquecimento global, degelo do Ártico pode liberar vírus mortais
A maior expedição científica já realizada no Polo Norte retornou para a Alemanha nesta semana, com conclusões nada animadoras sobre as mudanças climáticas. A equipe do navio quebra-gelo Polarstern verificou que a camada de gelo do Ártico está derretendo "a um ritmo alarmante". O processo pode levar à emergência de vírus e bactérias mortais, que se encontram "adormecidos" nas camadas mais profundas sob o gelo.
A expedição do Instituto Alfred-Wegener contou com especialistas de 20 países, que pesquisaram por mais de um ano na região - a maior parte do período, em condições extremas como escuridão absoluta e temperaturas de até -39,5°C. Durante o verão, os cientistas viram com os próprios olhos o avanço do descongelamento da banquisa do Ártico, considerado como "o epicentro do aquecimento global".
O geógrafo e documentarista francês Rémy Marion frequenta o círculo polar há mais de três décadas e publicou mais de 15 livros sobre suas observações. "É um oceano, sobretudo o Ártico, de 14 milhões de metros quadrados. É muito vasto, dividido, na prática, entre cinco países soberanos. A Rússia ocupa quase 50% do perímetro. A Noruega é presente no Svalbard, o arquipélago no extremo norte da Europa. A Dinamarca tem a Groenlândia, com uma certa autonomia; o Canadá, tem seu grande arquipélago ao norte e os Estados Unidos, o Alaska", detalha o especialista.
"Naveguei e pesquisei muito na parte europeia, mas estive um pouco por todos os lugares. É um privilégio ver esse gelo por todo o lado, os icebergs gigantescos. A gente se sente um nada, uma poeira", reitera.
Aquecimento duas vezes mais acelerado
Esse ambiente inóspito, mas fascinante, é vítima de um círculo vicioso: quando o gelo ou a neve desaparecem, dão lugar ao oceano ou a uma vegetação, que refletem menos os raios solares e absorvem o calor. O fenômeno eleva as temperaturas da água e do ar, piorando, assim, o problema. Desde meados dos anos 1990, o Ártico se aquece a um ritmo mais de duas vezes superior ao restante do mundo.
Ao longo do tempo, o geógrafo francês pôde constatar de perto os efeitos das mudanças climáticas por lá. "Há 30 anos, nas ilhas Spitzberg, fazia frio e relativamente seco no verão. Agora, temos chuvas como se estivéssemos no norte da França, no fim do outono", compara. "O tempo está mais ameno, considerando-se, claro, as particularidades de lá. A rapidez desses mudanças é considerável, em uns 50 anos."
Perigo à vista: vírus e bactérias mortais
Os especialistas a bordo do Polarstern também estudaram a vida sob o gelo e coletaram amostras de água para analisar o plâncton vegetal e as bactérias. A pesquisa trará mais detalhes sobre um fenômeno que preocupa a comunidade científica: o reaparecimento de vírus e bactérias retidos nas camadas mais profundas e que podem emergir à superfície, na medida em que o gelo se transforma em água.
Alguns deles, como o bacilos de antrax, podem ser mortais para a fauna e o homem. Há quatro anos, um menino de 12 anos morreu na Sibéria ao ter contato com a perigosa bactéria.
Rémy Marion espera que a pandemia de coronavírus leve a uma tomada de consciência sobre os riscos não apenas das mudanças climáticas, como da exploração das riquezas do Polo Norte. A região é cortejada e disputada desde o século 16 - mas o degelo das banquisas traz à luz novos horizontes econômicos, como minérios, gás e petróleo.
"Ainda estamos longe de uma exploração em massa porque é caríssimo ir até lá, organizar a logística. Enquanto o preço do petróleo continuar mais ou menos como agora, não tem cabimento. Os russos vão, talvez, explorar gás, mas não petróleo", avalia o geógrafo.
Turismo responsável
A expedição Polarstern recolheu mais de 150 terabits de dados e centenas de amostras de gelo e água. O objetivo é compreender melhor o complexo papel do Ártico no aquecimento do planeta e desenvolver modelos de previsão do clima para os próximos 100 anos.
Neste contexto, o geógrafo francês ressalta que o turismo no Ártico também causa preocupação, em especial durante o período de pandemia.
"Acho que o que vivemos na pandemia vai obrigar todos a refletir sobre o turismo polar. Atualmente, todo o Ártico está fechado. Por conta do vírus, talvez seja possível retornar lá apenas na próxima primavera. As populações locais são muito frágeis, não há estrutura médica adequada para uma epidemia", afirma Marion. "É crucial, portanto, não ir lá agora. Espero que tudo isso leve as pessoas a refletirem sobre outro tipo de turismo, com barcos menores e mais precauções."
Em 2020, a banquisa do Ártico, variável conforme a estação do ano, chegou à sua segunda menor superfície já registrada, de apenas 3,7 milhões de quilômetros quadrados - a metade do que costumava ser verificado há 40 anos.
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