Tecnologia de vacinas de RNA mensageiro não é nova, diz pioneiro da técnica
O imunologista francês Steve Pascolo é pesquisador da universidade de Zurique e um dos pioneiros nas pesquisas sobre o RNA mensageiro. A tecnologia é utilizada na vacina contra a Covid-19 lançada pela Pfizer/BioNTech e a Moderna, que já foram aprovadas para uso em vários países.
Em entrevista exclusiva à RFI Brasil, Steve Pascolo explicou que as novas imunizações são mais seguras, eficazes e vêm sendo estudadas desde os anos 1990. O RNA mensageiro também já é utilizado em outras vacinas.
A novidade está na maneira de fabricar a nova imunização, que contém uma embalagem biodegradável, vegana e de simples concepção. Esse "invólucro" carrega e conserva as propriedades da molécula de RNA, permitindo sua ação na célula, aumentando a segurança e diminuindo as reações das injeções.
O imunologista também esclarece que a rapidez das autorizações e a disponibilidade dos voluntários para testar os novos produtos aceleraram o processo de fabricação das novas vacinas, o que tornou possível o rápido lançamento das imunizações no mercado.
Na entrevista, ele também detalhou como o progresso da nanotecnologia ajudou os cientistas a desenvolverem as vacinas da Pfizer e da Moderna.
RFI Brasil- O que é o RNA mensageiro?
Steve Pascolo - É uma cópia efêmera de um gene. Imagine nosso DNA como um livro. Nossos 23 cromossomos são 23 livros com receitas sobre o funcionamento do organismo. Cada célula do nosso corpo copia essas receitas em função de suas necessidades. Essa cópia é o RNA mensageiro. Por exemplo, as células do pâncreas usam a receita da insulina.
Em seguida, a célula interpreta essa cópia e cria uma proteína. O RNA desaparece em seguida. É justamente essa a vantagem da molécula para realizar terapias. Ela se degrada rapidamente e não pode modificar o genoma ou se integrar ao corpo.
Algumas horas ou dias após a injeção da vacina, não há mais nenhum traço do que foi injetado. Essa foi uma das dificuldades, há 20 anos, quando começamos a estudar a utilização do RNA mensageiro nas imunizações.
A comunidade médica e científica não acreditava nessa técnica, porque o RNA era frágil, efêmero, e se degradava rápido demais para poder ser usado como um produto. Para nós, era uma vantagem em termos de segurança. Assim, quando injetamos alguma coisa, pouco tempo depois, não há mais resíduos do que foi injetado.
Isso foi um obstáculo para a eficácia, mas era uma vantagem para a segurança. Nos últimos anos, os estudos foram voltados justamente para melhorar a eficácia, mas a vantagem do RNA é que ele sempre foi rapidamente biodegradável.
Quando eu comecei, em 1998, as vacinas com o RNA mensageiro experimentais eram menos eficazes do que as outras já existentes, feitas com vírus ou proteínas. Mas persistimos e o resultado está aí.
RFI Brasil - A dificuldade então durante as duas últimas décadas foi conseguir preservar as propriedades da molécula injetada?
SP - Exatamente. Uma das principais linhas de pesquisa dos últimos anos foi em relação à concepção da "embalagem", a cápsula que envolveria essa cópia de molécula de RNA mensageiro, que é muito instável fora das células. Além disso, essa cápsula deveria se auto-destruir no momento certo, para que o RNA pudesse agir dentro da célula.
Por isso, uma grande parte da evolução do RNA mensageiro, nos últimos anos, esteve relacionada a esse invólucro que o protege, chamado de lipossomo ou nanopartícula. O desafio, mais uma vez, foi achar lipossomos e nanopartículas capazes de encapsular o RNA, para protegê-lo e possibilitar sua penetração na célula.
A embalagem também deveria ser biodegradável para liberar o RNA. O desafio era duplo: precisávemos de partículas suficientemente estáveis e resistentes para proteger o RNA em seu caminho até a célula, quando ele fosse injetado. Mas a "embalagem" também precisava ser suficientemente degradável para explodir no momento em que entrasse na célula.
RFI Brasil - A epidemia e os investimentos na vacina aceleraram essas pesquisas?
SP - Muitos progressos foram feitos e entre 1998 e 2019 já havia fórmulas muito eficazes. A epidemia permitiu que elas fossem testadas mais rapidamente. As pessoas não devem se enganar: o que leva tempo é a obtenção das autorizações e o recrutamento dos pacientes e voluntários, não necessariamente o desenvolvimento de uma nova tecnologia.
Após injetar o produto em alguns voluntários, as autoridades precisam de tempo para avaliá-lo. Às vezes isso leva semanas, meses ou anos. Graças à epidemia, tudo isso acelerou. Milhares de pessoas no mundo também se disponibilizaram para ser cobaias.
Elas merecem aplausos porque foram corajosos para ir até um centro médico, preencher um formulário, assinar, receber uma injeção e doar o sangue. Todos fizeram isso de maneira desinteressada, para que a vacina pudesse avançar. Empresas como a Moderna e BioNTech acharam voluntários em poucas semanas. Essa mobilização foi extraordinária.
RFI Brasil - Por que a vacina com o RNA mensageiro é mais segura?
SP - O produto que constitui essa vacina é formado por cinco elementos: uma molécula de RNA, purificada, que dá a receita para a célula produzir uma proteína, a Spike, que o novo coronavírus usa para entrar na célula.
A molécula é encapsulada em uma bolha de quatro lipídios, também purificados. São cinco elementos fáceis de produzir e purificar. A quem interessar possa, é uma vacina vegana, o que diminui o risco de alergias. São produtos sintéticos, produzidos quimicamente, ou por biologia molecular, com produtos que não são de origem animal. As outras vacinas são feitas em geral com vírus e produzidas dentro de ovos.
RFI Brasil - Há outras vacinas antigas que já utilizam o RNA mensageiro?
SP - As pessoas pensam que se tratam de uma nova tecnologia. Não é. A tríplice viral, contra a caxumba, sarampo e rubéola já é feita com o RNA mensageiro. Esses três vírus contêm naturalmente o RNA mensageiro. O produto funciona porque é uma vacina feita com vírus vivos, enfraquecidos.
Injetados no corpo, eles provocam uma infecção nas células, que utilizam o RNA dos vírus para produzir as proteínas que permitem a entrada deles nas células, criando assim as reações imunológicas. O procedimento é o mesmo utilizado nas vacinas sintéticas.
Então, essa tecnologia do RNA mensageiro não é tão nova quanto se pensa. Só que, agora, o envelope que protege o RNA mensageiro é sintético, e no caso da caxumba, rubéola e sarampo, o envelope é o próprio vírus, produzido dentro de ovos. Mas o mecanismo é o mesmo.
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