Novo teste sorológico pode medir tempo de proteção das vacinas contra covid
A duração da imunidade gerada pelas vacinas contra a covid-19 ainda é desconhecida. Nos próximos anos, o monitoramento da quantidade de anticorpos presentes no organismo após as injeções será essencial para o controle das contaminações.
O teste criado pelo cientista francês Etienne Joly, do Instituto de Farmacologia e Biologia Estrutural do CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica), da Universidade de Toulouse, no sul da França, pode ser a solução para avaliar o tempo de proteção dos imunizantes contra o SARS-Cov-2. A descrição do novo método foi publicada na revista científica "Nature Communications", em março deste ano.
Durante o primeiro lockdown na França, em 2020, trancado em casa e com seu laboratório fechado, o imunologista francês pensou na criação de um teste para detectar, de maneira rápida e barata, a existência de anticorpos contra a covid-19.
Na época, ainda não existiam as vacinas: a ideia inicial seria usá-lo em países sem estruturas laboratoriais sofisticadas e com populações que vivem em locais mais afastados, para avaliar a porcentagem de imunizados em um grupo.
Para concretizar seu projeto, o pesquisador francês entrou em contato com o virologista britânico Alain Townsend, da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Juntos, eles desenvolveram esse teste inédito, que utiliza a chamada hemaglutinação, e que custa apenas 30 centavos de euros — menos de R$ 2.
O método é baseado em uma técnica que existe há cinquenta anos, utilizada para determinar a tipagem sanguínea. A realização é simples: basta recolher uma amostra de sangue fazendo um pequeno furo no dedo e diluí-la em cones específicos para o manejo.
Depois de uma hora de incubação, os glóbulos vermelhos se depositam no fundo do objeto, formando um círculo de cor vermelha. Os glóbulos vermelhos que não se aglutinaram vão adquirir a forma de uma lágrima. Aqueles que se aglutinarem em forma circular indicarão a a presença de anticorpos contra o vírus.
O ineditismo da ferramenta, que não precisa de materiais sofisticados ou máquinas para interpretar a amostra, consiste no uso de um único reagente líquido "desenhado" pelo pesquisador francês e o cientista de Oxford, formado por uma proteína recombinante.
O método associa um anticorpo que reconhece uma molécula na superfície dos glóbulos vermelhos, chamada glicoforina, a um outro peptídeo, o RBD (receptor binding domain), um dos receptores do vírus situado na superfície da proteína Spike, utilizada pelo SARS-Cov-2 para entrar nas células. Em contato com o sangue, esse reagente se fixa aos glóbulos vermelhos.
Se os anticorpos contra o vírus estiverem presentes na amostra, eles vão se acoplar aos fragmentos dos peptídeos RBD presentes em dois glóbulos vermelhos diferentes, levando à aglomeração.
Ela indicará se o indivíduo foi contaminado recentemente ou há um certo tempo. Receptores como o RBD são essenciais para o que vírus possa entrar nas células e se reproduzir rapidamente.
"A maior parte dos anticorpos neutralizadores do SARS-Cov-2 se conecta a esse peptídeo, o RBD. Por isso nós os escolhemos. Ele é diferente dos outros. Todos temos anticorpos contra o coronavírus e se tivéssemos escolhido um peptídeo que existisse em outros coronavírus, nosso teste não seria preciso", explicou o pesquisador à RFI Brasil.
O interesse da invenção, ressalta, é detectar os anticorpos que protegerão o organismo do vírus. Os testes sorológicos são fundamentais porque hoje, lembra o pesquisador francês, ninguém sabe qual é a quantidade necessária de anticorpos que protege o indivíduo de uma nova infecção.
"Sabemos que podemos ser contaminados várias vezes pelo SARS-Cov-2. Há muitos casos de pessoas que pegaram o vírus duas vezes ou foram vacinadas e pegaram. A questão é saber se há uma correlação entre o nível de anticorpos e a proteção. Isso, nós não sabemos", salienta.
Sistema imunológico
O pesquisador francês também lembra que o sistema imunológico tem outras armas para se proteger contra a infecção, como os linfócitos T, que reconhecem e destroem as células anormais do corpo.
"Há muitos argumentos que demonstram que esses linfócitos têm também um papel importante na luta contra o vírus. Sabemos que o organismo pode se defender dele. As pessoas que já foram contaminadas uma vez têm menos chance de pegá-lo e as pessoas vacinadas têm um certo grau de proteção. É muito possível, mesmo que ainda não esteja certo, que a proteção estará relacionada ao nível de anticorpos que circula no sangue das pessoas."
O imunologista ressalta que seria necessário realizar um estudo para avaliar a correlação entre a taxa de anticorpos e as infecções, em um grande número de pessoas e de maneira regular. Nesse contexto, testes de baixo custo e de simples realização, como o descoberto pelo cientista francês, seriam uma grande vantagem.
A eficácia do método já foi avaliada no soro sanguíneo de 400 pacientes de hospitais do Reino Unido, com uma sensibilidade estimada em 90%. A próxima etapa agora é obter a validação do teste junto às autoridades de saúde de diferentes países.
Para isso, explica o cientista francês, é preciso organizar, num futuro próximo, um estudo clínico, que inclua centenas de voluntários e compare o desempenho do teste a outros já existentes, o que está nos planos do imunologista francês e do cientista britânico com quem ele desenvolve a pesquisa.
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