Conheça o novo medicamento que repigmenta a pele de pacientes com vitiligo
O Opzelura, um creme recentemente aprovado pela EMA (Agência Europeia de Medicamentos), permitirá a repigmentação das manchas dos pacientes que têm vitiligo, uma doença autoimune que provoca a descoloração progressiva da epiderme, a camada visível da pele.
Estimativas mostram que o vitiligo atinge até 2% da população mundial e cerca de 1 milhão de brasileiros. Algumas personalidades públicas que sofrem da doença a tornaram, ao longo dos anos, mais conhecida do grande público. Dois exemplos são o cantor Michael Jackson e o ex-premiê francês Édouard Philippe.
A patologia pode se manifestar em crianças e adultos e tem duas formas: a segmentar, que atinge um lado do corpo, e a difusa, mais comum. Neste caso, as manchas estão presentes nas extremidades, como mãos e pés, rosto, corpo ou cotovelos.
A expectativa é que o novo medicamento, fabricado pelo laboratório americano Incyte, esteja disponível na Europa no primeiro trimestre de 2024. Nos Estados Unidos, ele já está nas prateleiras das farmácias desde julho de 2022, após a aprovação pela FDA (Agência Americana de Medicamentos). No Brasil, o remédio não deve ser comercializado antes do ano que vem.
O Opzelura deve ser aplicado nas lesões duas vezes por dia, em pacientes com mais de 12 anos, explica o dermatologista francês Julien Seneschal, responsável do setor de Dermatologia Inflamatória e Autoimune do hospital Universitário de Bordeaux.
Ele coordenou os testes com a nova molécula em cerca de 30 pacientes franceses, integrantes de um grupo de 674 pessoas maiores de 12 anos, da Europa e dos Estados Unidos, que apresentavam a forma difusa de vitiligo e integraram o estudo. Eles participaram da chamada fase 3 da pesquisa, que avalia a tolerância ao medicamento.
Os resultados foram publicados na revista científica New England Journal of Medicine, em outubro de 2022.
"Em alguns pacientes do hospital, pudemos constatar a eficácia do medicamento no rosto. Muitos também tinham manchas antigas, que não respondiam a outras alternativas terapêuticas e tiveram resultados favoráveis, que mudaram suas vidas", disse o dermatologista francês em entrevista à RFI Brasil.
Os pacientes obtiveram mais de 75% de melhora nas manchas do rosto em seis meses. "O tratamento também mostrou ser eficaz em outras partes do corpo, com uma repigmentação significativa", sublinha Julien Seneschal.
Por enquanto, o Opzelura é indicado em casos moderados. A aplicação do creme em lesões maiores não é recomendada e estudos estão sendo realizados para viabilizar tratamentos orais em pacientes com vitiligo severo.
Preservando os melanócitos
A substância ativa do medicamento é a ruxolitinibe, que já era utilizada, oralmente, no tratamento de cânceres do sangue. Essa molécula é uma inibidora de proteases, que são enzimas envolvidas em diversos processos fisiológicos essenciais.
A ruxolitinibe bloqueia duas enzimas conhecidas cientificamente como Janus Kinases (JAK 1 e 2). No caso do vitiligo, elas atuam na destruição dos melanócitos, que sintetizam a melanina, um pigmento natural que colore a pele e os pelos. A ausência dela causa a despigmentação e o aparecimento das manchas esbranquiçadas.
A molécula diminui a capacidade do sistema imunológico de atacar os melanócitos, que poderão se regenerar e produzir a melanina, repigmentando a pele. Dados mostram que a exposição solar potencializa a ação do medicamento.
Por enquanto, os cientistas ainda não sabem se o tratamento deverá ser usado por toda a vida. "Precisamos de resultados de estudos que confirmem se a repigmentação continuará se os pacientes interromperem o tratamento. Os primeiros dados dos estudos de fase 3 mostram que o efeito terapêutico se mantém. Mas, alguns pacientes tiveram recaídas da doença", explica.
De acordo com o dermatologista, essas recaídas são características da própria doença e é comum as lesões desaparecerem e reaparecerem no mesmo local. Por isso, os especialistas ainda estão avaliando em estudos qual dose seria necessária para garantir os benefícios a longo prazo.
Segundo o dermatologista, os efeitos colaterais constatados até agora são pouco relevantes e incluem formigamento local e acne, em um número limitado de pacientes.
Predisposição
O processo de autodestruição das células no vitiligo pode ser desencadeado por fatores ambientais como o stress, ou em áreas do corpo que sofrem atrito, como o cotovelo.
Existe uma predisposição genética à doença e os pacientes podem apresentar também outras patologias autoimunes, como o hipotireoidismo, por exemplo.
Hoje o vitiligo pode ser tratado com corticoides, fototerapia, e outros medicamentos, que podem controlar em parte o avanço das lesões, mas não foram produzidos especificamente para tratar a doença.
Apesar de não causar prejuízos físicos ou ser contagioso, o vitiligo muda a aparência e seus efeitos psicológicos são potencialmente graves.
"Até agora, o vitiligo era considerado como uma doença estética, que só atingia a pele. Mas o vitiligo é uma doença que deve ser reconhecida e tratada, e que pode gerar um grande impacto na qualidade de vida dos pacientes. Eles podem desenvolver sintomas de ansiedade, depressão, isolamento social ou estigmatização", frisa o dermatologista francês.
Por isso, ter um medicamento específico para a doença é um grande avanço. "Isso abre espaço para outras inovações terapêuticas, outros tratamentos tópicos, mas também orais", explica. Essa pesquisa é atualmente realizada pelo dermatologista e sua equipe, que esperam também poder tratar casos severos de forma eficaz.
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