A inquietude do desejo

O que está por trás desta ânsia tão comum e difícil de explicar de sempre buscarmos algo

Diego Garcia Colaboração para o VivaBem

Nascemos seres desejantes. Quando somos bebês, desejamos o leite da mãe, o colo do pai, a atenção de ambos. Crescemos, começamos a conviver com outras pessoas e passamos a desejar cada vez mais coisas, sentimentos, experiências. Há mais de mil anos sendo investigado pela filosofia, sociologia, antropologia e, mais recentemente, pela psicanálise, não existe uma única definição para o desejo.

Aristóteles, por exemplo, já dizia ser uma atividade ou um movimento da alma em direção a algo que falta ou a um objeto que se quer. Já para a psicanálise, o desejo tem duas dimensões básicas: por um lado é aquilo que nos movimenta em direção a algo que foi eleito como objeto do desejo; por outro é a volta a uma experiência que um dia se formou. Um bebê, por exemplo, chora quando falta algo que já experimentou e o satisfez, como o leite.

Desejar, entretanto, é diferente de querer ou ter vontade. Segundo a psicanálise, os dois últimos são experimentados em nossas consciências, ao contrário do desejo, que está mais ligado ao instinto e posicionado em nosso inconsciente. É uma espécie de força motriz que motiva nossa relação com a realidade e com os outros. Essa ideia explica por que nascemos "seres desejantes".

O desejo de ontem é diferente do desejo de amanhã

Objetos e relações mudam conforme nossas opiniões, olhares e o modo como nós vemos o mundo e nos enxergamos. Nossos valores do que é certo ou errado, ruim e bom também vão influenciar e, conforme nos transformamos, modificamos a representação dos nossos desejos.

Também aprendemos a desejar ao perceber como outras pessoas exercem o seu direito ao desejo. Um exemplo marcante disso é o resultado das conquistas feministas ao longo das décadas passadas, que permitiram a construção de lugares de afirmação pública ao desejo das mulheres (o que seria impensável em outros tempos ou até em algumas outras sociedades).

Nesse sentido, o lugar criado por uma sociedade para uma criança, um adolescente, um adulto ou para os idosos também altera o que se deseja —ou até mesmo o reconhecimento que se tem do direito ao desejo. Além disso, situações que passamos na vida, fatos e acontecimentos interferem e nos fazem mudar os objetos de desejo.

Somos constituídos em uma sociedade. Nossa identidade é formada a partir do meio social que regula os valores morais, éticos, condutas e as relações que temos e que determinam nossas conversas, relações afetivas e pessoais e, consequentemente, nossos desejos. A coletividade, então, interfere diretamente em nossa busca pelos objetos de nossos desejos.

O que eles dizem sobre o desejo

  • Aristóteles

    Para o filósofo, o desejo é um movimento da parte não racional da alma que dialoga com a parte racional. É como uma criança interior que pode ou não obedecer a razão e que possibilita que entremos em conflitos internos. Ele via três tipos de desejos: Boulêsis, que escuta mais a razão e representa o querer; Epithumia, que normalmente se coloca contrário à razão e precisa ser educado, é movido pelo que é prazeroso; e Thumos, que é o ardor, a cólera, o desejo impulsivo, que também contraria a razão e que pode levar a situações desagradáveis. Para Aristóteles, o ideal é buscar o meio termo de cada um deles --não a falta ou o excesso.

  • Sêneca

    Um dos principais filósofos do estoicismo afirmava que devemos desejar não desejar: quanto menos desejo, menos sofrimento. Em sua ética da velhice, ele afirmava que essa era a melhor fase da vida, porque as pessoas não ficavam aprisionadas por certos desejos, como os sexuais. Os jovens viviam aprisionados a eles, portanto os idosos viviam com mais tranquilidade. Para Sêneca, desejos simbolizam conflitos internos entre prazer e razão e, conforme as pessoas envelhecem, os desejos esfriam e, aos poucos, vão libertando o indivíduo.

  • Freud

    Para o pai da psicanálise, desejos são movimentos em direção a um objeto e residem no inconsciente ligado a sinais infantis que nunca perdemos. O desejo consciente é uma manifestação desfigurada do desejo inconsciente e boa parte do que se faz numa análise é esse caminho do reencontro da pessoa com o desejo original, sem as amarras sociais, sem os pudores ou exigências morais. Não existe um objeto pré-estabelecido para o desejo humano, já que não há nenhuma lei garantida pela natureza ou pelo universo que estabeleça o que uma pessoa deveria vir a desejar.

  • Lacan

    Para o psicanalista, somos seres incompletos e os desejos impulsionam nossa busca por uma falta que nunca poderá ser completada. No pensamento lacaniano, o nosso desejo é reconhecido pelo desejo do outro. Isso se expressa em perguntas como: "O que eu quero do outro?" ou "O que eu posso oferecer ao outro?". Para o filósofo, o desejo é a mola do amor e é o preço que pagamos por nosso apego ao outro, que, ao mesmo tempo que nos salva com o seu amor e devoção, também estabelece em nós uma dimensão de falta que não pode ser completada.

Desejos proibidos

Alguma vez você já se censurou por desejar algo que considera errado? Praticamente todos nós temos aqueles desejos secretos, que ficam escondidos e que não são revelados a ninguém. O que torna um desejo bom ou ruim é o juízo que fazemos dele, as "regras" morais e leis da sociedade, nossa cultura, nossa religião e a criação de cada um de nós.

Existem sociedades que convivem em harmonia com hábitos e costumes que são desprezíveis para outras comunidades. Com isso, vamos recalcando alguns desejos e reprimindo outros, o que não quer dizer que matamos esses desejos. Eles continuam em nós, escondidos, e muitas vezes se manifestam em nosso inconsciente, trazendo prejuízos psíquicos como um transtorno obsessivo compulsivo, neuroses ou depressão.

Claro que há, sim, desejos que precisam ser reprimidos, como os criminosos ou que visam atentar contra outra pessoa —e que sem dúvida trazem um dano psicológico a quem deseja.

Conhecer nossos desejos reprimidos, porém, é importante para buscar ajuda. Um profissional da saúde mental, seja um psicólogo, seja um psiquiatra, vai ajudar a pessoa a encontrar alternativas para lidar com seus "desejos proibidos" de uma forma saudável.

A fórmula do desejo

A descoberta sexual ocorre ainda na primeira idade. Sigmund Freud dizia que começamos a nos desenvolver sexualmente quando ainda somos meros bebês —e, como já falamos, as mamadas são a primeira fonte de prazer dos pequenos. Já crianças um pouco maiores tocam e estimulam o próprio corpo, percebendo que em algumas partes é possível ter sensações diferentes.

Mas é quando entramos na puberdade que começamos a perceber e desejar o outro. Passamos a olhar para fora e a depositar o desejo para além de nós: surge o desejo por determinadas pessoas, tipos físicos específicos ou características emocionais. E isso tem a ver com os hormônios sexuais que são produzidos a partir dessa fase —o estrógeno, na mulher, e a testosterona, no homem.

Esses hormônios são controlados por neurotransmissores. O que dá combustão para esse desejo (ou seja, o gatilho) é a dopamina. Quando a pessoa vê alguém que acha interessante, se sente atraída, o cérebro libera esse neurotransmissor que provoca a sensação de prazer. O que sustenta e dá energia a essa busca é a adrenalina. E o freio, a serotonina. Essa é a fórmula para que o desejo sexual se efetive: o equilíbrio hormonal entre dopamina, adrenalina e serotonina.

Por mais que pareça simples essa equação, ela nem sempre é equilibrada. O sexo ainda é um tema muito delicado em nossa e em várias outras sociedades. Indivíduos que reprimem ou tentam reprimir seus desejos sexuais podem ter distúrbios como uma compulsão sexual (quando a pessoa possui dopamina em excesso ou serotonina em baixa), ou o oposto: a pessoa não sente desejo (quando a dopamina é baixa ou a serotonina alta).

Desejo 2.0

Quase na metade do século 20, os pensadores alemães Theodor W. Adorno e Max Horkheimer disseram no do livro "Dialética do Esclarecimento" que a indústria cultural e suas tecnologias iludem seus espectadores quanto àquilo que reiteradamente lhes promete. Ou seja, excita o desejo dos consumidores oferecendo-lhes imagens fascinantes que lhes permitem "esquecer" das dificuldades e adversidades de suas vidas e de seu cotidiano. Se tirássemos a data da publicação do livro, poderíamos pensar que a obra foi escrita no século 21.

A tecnologia excita continuamente o sujeito devido à proximidade das imagens do objeto desejante e paradoxalmente promove o distanciamento desse objeto, tal qual a representação mitológica de Tântalo, condenado à sede e à fome mesmo tendo água e comida ao alcance das vistas, pois ao conseguir água, ela escoava de suas mãos e, quando chegava próximo do alimento, o vento o empurrava para longe.

O fluxo constante de imagens na tela dos smartphones à palma da mão oferta incessantemente objetos de consumo e desejo. Nesta rede conectada de imagens, o espaço para o pensamento por meio da simbolização se retrai em virtude do consumo reiterado de objetos desejantes que impõem a recusa à frustração, ao tédio e à anedonia (perda da capacidade de sentir prazer). Hipnotizados pelas imagens, inconscientemente nos recusamos a lidar com perdas, lutos, frustrações, crises vitais e acidentais que fazem parte de nossa vida (real). Enganamos nossas insatisfações e nosso tédio nesta mistura do virtual e presencial que constitui a sociedade contemporânea.

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