"Aquarismo me motiva a viver"
Flávio encontrou nos peixes um refúgio para enfrentar a depressão e a homofobia
Flávio encontrou nos peixes um refúgio para enfrentar a depressão e a homofobia
Luiza Ferraz (texto) e Fernando Moraes (fotos)
Colaboração para VivaBem, em São Paulo
Este é um capítulo da série
Conversamos com quatro pessoas que tiveram suas vidas mudadas e beneficiadas pela relação com os animais
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
Os olhos de Flávio Pereira, 27, brilham ao falar sobre os aquários que coleciona. O carinho e cuidado com os bichos são proporcionais à importância dos peixes em sua vida. São quase 40, que o ajudam a lidar com a ansiedade e a depressão.
Sua primeira crise de ansiedade foi aos 9 anos, quando estava no carro com a mãe e um estranho tentou abrir a porta. O coração do garoto acelerou, a boca ficou seca e ele teve falta de ar. Esse era só o início dos sintomas que o acompanhariam por muito tempo.
Desde criança, Flávio tinha dificuldade de socializar quando estava em público, o que adultos confundiam com má educação.
Na escola, as matérias que exigiam cálculos eram um tormento. Ele estudava com sua mãe em casa, mas não conseguia tirar notas altas. O relacionamento com os colegas também era um obstáculo.
Mesmo com essas questões, a infância de Flávio, como ele mesmo descreve, foi cheia de amor e carinho. Mas as coisas começaram a mudar aos 15 anos.
No núcleo familiar, no entanto, essa aceitação não foi recíproca. A relação de Flávio com a mãe nunca mais foi a mesma. Por isso, aos 17 anos, não viu outra escolha a não ser sair de casa para morar com o namorado da época. Foi aí que a depressão começou.
Nessa época, o aquarista tentou suicídio pela primeira vez, mas foi salvo por uma parente de seu ex-namorado, que encontrou Flávio desacordado no apartamento onde vivia. Depois do episódio, ele decidiu se mudar e dormiu por mais de dois anos no sofá de uma tia, até conseguir um lugar para morar sozinho.
Com a solidão, a depressão piorou. "Eu só queria sentir outra coisa no lugar daquilo." Flávio então começou a se cortar quando qualquer frustração acontecia.
Segundo Breno de Oliveira Ferreira, psicólogo especialista em gênero, sexualidade e saúde e professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), a orientação sexual e a identidade de gênero de um indivíduo vão influenciar em como ele vivencia, adoece e sobrevive cotidianamente.
Veja estatísticas sobre suicídio, depressão e mortes na comunidade LGBTQIA+
As coisas começaram a mudar quando Flávio encontrou no Google o número do CVV (Centro de Valorização da Vida), o 188, que oferece gratuitamente apoio emocional para a prevenção do suicídio.
Com o incentivo do CVV e de uma iniciativa privada que aconteceu na empresa onde trabalhava, Flávio começou a buscar ajuda profissional e, assim, uma nova fase se iniciou. "Fiz algumas sessões de terapia com uma psicóloga que mudou a minha vida."
Foi essa psicóloga que apresentou a ele um novo hobby, que viria a ser sua nova paixão: o aquarismo. A ideia, a princípio, era que Flávio voltasse a fazer coisas que lhe davam prazer, mas essa prática se tornou mais do que isso, foi como uma salvação.
O aquarismo não consiste somente em colocar peixes em um reservatório e alimentá-los. É preciso analisar o ambiente, criar um ecossistema favorável e saudável para que os bichos vivam por mais tempo --para isso, Flávio tem de estudar, o que requer foco e consistência.
Veja aqui os benefícios da intervenção assistida por animais.
Hoje, aos 27 anos, Flávio é analista de treinamento. Ele mora há 5 anos com o namorado, André, em uma casa onde possuem dois aquários com cerca de 40 peixes e uma cachorrinha chamada Marceline.
Flávio segue com os tratamentos profissionais: faz terapia e usa medicamentos controlados, prescritos por um psiquiatra.
A evolução de Flávio só foi possível com a ajuda de especialistas, em conjunto com a sua força de vontade e o apoio daqueles que o amam. A prática de um hobby, ele ressalta, foi importante porque agora precisa estar sempre bem. Há 40 peixes que dependem dele. Isso dá um gás para continuar.
Quando questionado se há algum recado que gostaria de dar para quem estiver passando pela depressão, ele é enfático: 'Ame seus amigos, eles também podem ser sua família.'
Este é um capítulo da série
Conversamos com quatro pessoas que tiveram suas vidas mudadas e beneficiadas pela relação com os animais
capítulo 1
capítulo 2
capítulo 3
capítulo 4
O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, email e chat 24 horas por dia. Ligue 188.
Publicado em 12/04/2022
Reportagem: Luiza Ferraz
Edição de texto: Gabriela Ingrid
Arte: Juliana Caro
Fotos: Fernando Moraes