Terapia de criança

Tratamento ajuda pequenos a entenderem seus sentimentos, mas pode agravar tristeza e vergonha

Sarah Alves Colaboração para o VivaBem

Sofrer é humano. Engana-se quem pensa estar imune ao sentimento, que inclusive pode dar sinais já nos primeiros anos de vida.

Em crianças, o sofrimento costuma ser mais latente em fases adaptativas —após mudança de escola, separação dos pais e no luto por uma pessoa querida ou um animal de estimação, por exemplo. E a terapia pode ser um caminho para ajudar os pequenos a lidarem com essas emoções ou tratar algum tipo de transtorno à saúde mental, que segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) afeta de 10% a 20% das crianças e adolescentes.

Como ainda não sabem nomear e entender o que sentem, a ideia é que as crianças encontrem nos psicólogos um interlocutor desses sentimentos. Mas nem sempre tratamento é efetivo ou a melhor escolha.

Assim como para adultos, o êxito depende muito do vínculo entre profissional e paciente. Porém, nos pequenos há outras questões. A psicofobia (preconceito contra quem tem transtornos mentais) de familiares e na escola, por exemplo, é um empecilho. Além de comprometer a adesão da criança à terapia, a situação agrega ainda mais sofrimento psicológico.

A seguir, mostramos quando é necessário uma criança fazer terapia e como evitar que o tratamento se torne um transtorno na vida dos pequenos.

'Eu me sinto mais feliz lá'

Foi após a separação repentina dos pais que o pequeno Matheus*, hoje com 10 anos, começou a fazer terapia. Ele estava com 8 anos e, por causa do divórcio, teve de mudar de casa, de escola e de rotina. A sequência foi intensa. Após avaliação médica, foi diagnosticado com depressão infantil e TDAH (Transtorno do déficit de atenção com hiperatividade).

Para Matheus, que fez terapia em grupo, o melhor da experiência foi poder interagir com outras crianças. "Eu me sinto mais feliz lá, porque tem como brincar. Minha parte favorita é brincar com todas as crianças", conta.

Na prática, brincar não é apenas recreativo, mas sim autoexpressão. A terapia infantil usa uma abordagem conhecida como ludoterapia, que busca interpretar como a criança se sente e se expressa por meio de brincadeiras, desenhos etc. Por isso, pode ser realizada em qualquer idade, inclusive em bebês que ainda não falam, para auxiliar no desenvolvimento dos sentidos e neuropsicomotor —cabe sempre aos pais e profissionais da saúde avaliarem e decidirem se é necessário.

Para o tratamento de transtornos em si, a ludoterapia é aliada a outras correntes difundidas da psicoterapia, como a psicanálise e a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental).

*Nome da criança foi alterado a pedido da responsável

Terapias mais comuns no tratamento de crianças

Estas abordagens são adaptadas e usam a ludoterapia para estabelecer uma conexão e avaliar o quadro psíquico

Psicanálise

Faz a análise de experiências e de emoções reprimidas da criança, buscando a origem do sofrimento em seu subconsciente.

TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental)

Trabalha o "aqui e agora", buscando compreender como (e se) o ambiente afeta o comportamento da criança. Analisa como os pequenos se portam perante a situações e quais efeitos isso traz ao sofrimento.

Psicologia integrativa

Adota um papel unificado, aliando aspectos cognitivos, afetivos, fisiológicos e comportamentais. Usa outras abordagens de maneira agregada e entende que cada fase da vida tem características de desenvolvimento sobre aprendizados e relações com os outros.

Quando buscar ajuda para o pequeno

A terapia infantil é indicada apenas quando a criança apresenta algum tipo de sofrimento. Com o acompanhamento, é esperado que ela consiga se expressar melhor, questionar e, principalmente, sinalizar quando não entender algo. O psicoterapeuta funciona como um intérprete, que vai traduzir as emoções que a criança está sentindo e permitir que ela mesmo se compreenda.

"É bom que a gente consiga resolver as nossas questões na infância e na adolescência para não carregar por toda a vida, como marcas", comenta a pediatra e psicanalista infantil Luci Pfeiffer.

De acordo com a psiquiatra Maria Conceição do Rosário, professora associada da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e especialista na saúde da criança, muitas pessoas podem ter sinais de transtornos psiquiátricos já na infância. E aí figura a importância de buscar ajuda. "Quanto maior é a lacuna entre o início [dos sintomas] e a instalação do tratamento adequado, pior é a evolução do quadro", alerta.

A análise na infância ainda é fundamental para que as crianças lidem ativamente com os seus sentimentos, apresentando benefícios em curto e longo prazo. Além de conseguirem desenvolver melhores habilidades sociais.

"A duração do tratamento depende muito do diagnóstico, das queixas da família e do desenvolvimento intelectual da criança. Algumas terapias são breves e têm o foco mais limitado e definido. Outras terapias buscam um trabalho em longo prazo e às vezes até permanente (ou seja a criança pode fazer para sempre, se quiser ou houver necessidade)", diz Cristina Borsari, psicóloga e coordenadora do Serviço de Psicologia Hospitalar do Hospital Infantil Sabará.

Sinais de que a criança pode precisar de tratamento

  • Mudança de comportamento

  • Não consegue ir à escola

  • Não consegue dormir sozinha no quarto

  • Voltou a fazer xixi na cama após o desfralde

  • Apresenta dificuldade de aprendizagem

  • Isolamento ou timidez excessiva

  • Agressividade

  • Insônia ou pesadelos

  • Dificuldade de relacionamento com outras crianças

  • Compulsão alimentar

O outro lado: psicofobia afeta ainda mais a saúde mental das crianças

Um dos principais entraves para o tratamento surtir efeito —e até ser recomendado— está na psicofobia. O debate se alastrou nos últimos anos, mas o preconceito contra quem faz terapia e trata questões de saúde mental é uma realidade latente. Em crianças, pode ser comum a vergonha de contar na escola que passa pelo acompanhamento ou a dificuldade de lidar com a incompreensão dos responsáveis e familiares próximos (tios, avós, primos).

"O maior preconceito que uma criança pode viver é dentro de casa, onde os pais não entendem bem por que ela precisa de atendimento", afirma a psicanalista Rosa Mariotto. Isso prejudica a adesão ao tratamento. A criança pode passar a não querer mais frequentar as sessões ou a não reconhecer o espaço como um ambiente de acolhimento para suas dificuldades.

O julgamento também cria terreno para que os pequenos sintam que, de fato, possam ter algo de errado. Dessa forma, cresce a vergonha sobre si mesmo. "Há aumento do sofrimento, sendo que o adoecimento psíquico por si só já tem uma carga muito grande. A criança pode se isolar ainda mais e cada vez menos buscar pessoas para falar sobre os seus problemas", explica a psicóloga Laís Damasceno, coordenadora do serviço de psicologia do Hospital Martagão Gesteira (BA).

"A terapia foi mágica, mas tinha medo de ser chamada de louca pelos amigos"

A atriz e psicóloga Katherine Zavagnison, 27, começou a fazer terapia com 10 anos, para lidar com a separação dos pais. No início, ela acreditava que a psicóloga era um ser mágico, por conseguir ajudá-la de forma tão prática. "Achava que ela era uma fada, não um ser humano. Ela me ajudava com poucas palavras e isso era mágico para mim", relembra.

A experiência foi importante para aprender a nomear o que sentia —tanto que influenciou até na escolha de sua profissão. Mas Katherine tinha vergonha de compartilhar sobre o atendimento com os amigos e ser chamada de "louca". "Mesmo assim, avalio que o tratamento foi de extrema importância, todo mundo deveria fazer terapia. Quero ser ao menos metade das psicólogas que me ajudaram."

A também psicóloga Flavia Camara, 43, passou pela terapia por poucos meses quando tinha 4 anos. "Era muito agarrada a minha mãe e não queria ir à escola, chorava até vomitar. Também comecei a ter ciúmes do irmão que tinha acabado de ganhar", conta.

Mesmo com a memória vaga, lembra-se do vínculo de segurança que criou com a profissional, que daria à Flavia uma boneca na última sessão, mas ela não recebeu o presente pois os pais interromperam o tratamento antes do final. "Ela me ajudou muito. Eu rapidamente fui para a escola", recorda.

Atenção, pais: terapia é tratamento

Para pais com receio de levar os filhos à terapia, especialistas reforçam que a medida tem de ser compreendida como tratamento para um problema —mesmo que possa não parecer por falta de efeitos imediatos, se comparado à ida a um pediatra, que passa um remédio para resolver uma dor em poucos dias, por exemplo. E o mais necessário: saiba que não há demérito em precisar de ajuda para lidar com as questões emocionais da criança.

É importante os pais entenderem que alguém que vai à psicoterapia não é porque tem algo de errado, é porque tem algo de sofrido. Sofrer não é errado, é humano Rosa Mariotto, psicóloga

Inclusive, o tratamento não é indicado apenas para quem tem transtornos mentais ou está sofrendo. Qualquer questão de ordem emocional ou alterações de comportamento que comprometam o desenvolvimento podem ser tratadas na terapia —como o aumento da agressividade, problemas de aprendizagem, timidez, dificuldade em fazer amigos.

"O psicólogo não vai só onde há conflito, você pode se beneficiar da terapia para o autoconhecimento, para entender onde estão suas dificuldades. É uma prática de autoconhecimento da sua personalidade, de aprender suas fortalezas e fraquezas", diz Borsari.

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