Placebo: o "nada" que cura

Mesmo sendo incapaz de produzir efeito fisiológico, esse aliado da medicina melhora sintomas em 33% dos casos

Marcia Di Domenico Colaboração para o UOL VivaBem

Você provavelmente já ofereceu (ou tomou) um copo de água com açúcar para acalmar o nervosismo em algum momento de tensão. Não há qualquer evidência de que a receita caseira tenha mesmo efeito relaxante e muita gente acredita que é bobagem recorrer a ela. Ainda assim, a sabedoria popular segue sendo transmitida por gerações e muita gente garante que ela funciona, sim, para sossegar os nervos.

Uma explicação para a fama de calmante da água com açúcar é o efeito placebo. Placebo é qualquer substância ou tratamento inerte (ou seja, que não apresenta interação com o organismo) empregado como se fosse ativo. Na medicina, injeções de soro fisiológico e comprimidos de açúcar são dos placebos mais usados. Efeito placebo é quando essa substância ou procedimento produz um efeito fisiológico positivo, mesmo que não tenha capacidade para isso, melhorando os sintomas.

Arte UOL

O que é e para que serve o placebo?

No contexto médico científico, o emprego de placebo é chave em testes para avaliação e desenvolvimento de novos medicamentos, procedimentos e terapias. Ele funciona como base de comparação para testar a eficácia de drogas e tratamentos médicos de verdade. Na prática clínica, há dilemas éticos que envolvem a prescrição de tratamento com placebo: a quebra de confiança entre médico e paciente (se for prescrito placebo sem consentimento do paciente) e o possível avanço de uma doença existente, por exemplo —no Brasil, "é vedado ao médico indicar o uso de placebo quando há tratamento eficaz para a doença", segundo o código de ética do CFM (Conselho Federal de Medicina).

A expansão do uso do efeito placebo em testes clínicos remonta aos anos 1950, quando cientistas perceberam que um terço (cerca de 33%) dos pacientes apresenta melhora das queixas, independentemente de que natureza fossem, quando submetidos a terapias com placebo. Até hoje esse é o índice de sucesso em tratamentos com o método.

Pacientes com dor crônica, assim como doenças em que a dor é um dos sintomas associados, como câncer e depressão, são as que mais se beneficiam do uso de placebo. Doenças comumente relacionadas a causas emocionais, como alergias, síndrome do intestino irritável e fobias diversas, também.

É importante saber que placebo não é só remédio ou receita caseira. Pode ser também cosmético, bebida, terapia alternativa —homeopatia e terapia floral, para citar só duas, que desde sempre dividem opiniões —, tratamento estético e até acessórios, como pulseiras e anéis.

O que faz um placebo funcionar?

  • Confiança no tratamento

    Os mecanismos de ação do placebo não são totalmente estabelecidos, mas sabe-se que as expectativas do paciente em relação ao sucesso do tratamento têm papel central no efeito. A relação com o médico também faz a diferença: quanto maior a empatia e confiança nele, maior a chance de êxito.

  • Mente aberta e otimismo

    Embora faltem pesquisas que comprovem isso, muitos especialistas acreditam que as pessoas autoconscientes, com mentalidade aberta e tendência ao otimismo --diferentemente de céticas ou pessimistas -- teriam mais chance de responder positivamente a placebos.

  • Preço e tamanho

    Remédios caros ou tratamentos complexos são vistos como mais eficientes. Pequenas pílulas e comprimidos com uma marca impressa neles também tendem a funcionar melhor do que seus opostos. Por fim, a administração parental (injeções) costuma ter melhor resposta que a oral.

  • A cor do comprimido

    Diferentes estudos mostram que comprimidos azuis geram efeito sedativo melhor que outras cores. Já os laranjas e vermelhos são mais estimulantes; os amarelos têm maior efeito antidepressivo; os verdes são mais poderosos na redução da ansiedade e os brancos na redução da dor.

Não houve cirurgia, mas houve cura

O modelo de experimentos com placebo pode ser empregado também em procedimentos invasivos, de acupuntura a cirurgias. Nesse caso, o termo sham (sem tradução em português) é usado para indicar que se trata de placebo.

Uma revisão de estudos publicada recentemente na revista científica Pain Medicine concluiu que cirurgias ortopédicas completas e sham (com anestesia e incisão superficial ou que não afeta as estruturas que seriam a origem do problema) podem se mostrar igualmente eficazes para amenizar dor e devolver mobilidade a pacientes com limitações na coluna e no joelho, por exemplo.

Tem mais: um estudo canadense publicado em 2017 no periódico oficial da Sociedade Europeia de Motilidade Gastrointestinal comparou a eficácia de acupuntura real e sham (realizada com agulhas que apenas penetram a pele superficialmente) em pacientes com síndrome do intestino irritável. No final de quatro semanas se submetendo a duas sessões semanais, os dois grupos relataram praticamente o mesmo nível de melhora dos sintomas.

É tudo coisa da nossa cabeça

A importância do fator psicológico no efeito placebo foi demonstrada em um importante estudo com indivíduos com Parkinson, em que se queria medir neles o nível de liberação de dopamina, neurotransmissor escasso nesses pacientes e capaz de aliviar dores, tremores e rigidez muscular associadas à doença.

Os participantes foram informados de que teriam 25%, 50%, 75% ou 100% de probabilidade de receber medicação ativa quando, na verdade, estavam recebendo placebo. No grupo que acreditou 75%, observou-se aumento significativo na secreção de dopamina. A ativação do sistema de recompensa cerebral ficou evidente em tomografia e o trabalho foi publicado no General Archives of Psychiatry.

A crença ou sugestão de que vai ocorrer determinado efeito é suficiente para ativar áreas cerebrais que provocam alterações em regiões envolvidas na modulação da dor

Fabio Porto, neurologista do Hospital das Clínicas da USP

A farsa que virou placebo

Talvez você se lembre de uma pulseira holográfica que há mais ou menos dez anos prometia melhorar fluxo de energia do corpo, aumentando o equilíbrio e a força, além de ter poderes terapêuticos contra algumas doenças.

Diversos atletas —como Cristiano Ronaldo, David Beckham e Rubens Barrichello — e milhares de pessoas do mundo todo aderiram ao produto e disseram que ele realmente funcionava. Porém, depois a empresa admitiu que os efeitos da pulseira não tinham comprovação científica e tudo não passava de placebo. A marca, inclusive, foi obrigada a devolver o dinheiro dos clientes em muitos países.

Você pagaria para se tratar com um placebo?

A pergunta parece meio maluca? Não é! Já tem gente apostando na venda de placebo como se fosse remédio —na Amazon, um frasco com 45 cápsulas de placebo da marca Zeebo (a única no mercado com essa proposta) sai por menos de 15 dólares.

Aliás, o fato de um placebo funcionar mesmo quando o paciente sabe que está se expondo a uma terapia ou substância inativa é uma questão que intriga e tem sido bastante investigada. Os cientistas focam em provar que —e como — o chamado placebo open-label (ou aberto, honesto) pode se tornar tratamento em si.

Em 2009, pesquisadores da Escola de Medicina de Harvard (EUA) conduziram o primeiro estudo com placebo open- label com pacientes portadores de síndrome do intestino irritável (SII). Metade deles não recebeu nenhum medicamento e a outra metade sabia que estava tomando placebo. O alívio de sintomas foi percebido pelo dobro de pessoas no grupo de placebo aberto em comparação com quem não foi tratado. O grau de melhora foi superior, inclusive, ao obtido com drogas de verdade usadas para SII.

Não se chegou ainda à conclusão de por que o placebo aberto surte efeito positivo, mas a aposta continua sendo na disposição mental do paciente para que o tratamento funcione. Os autores do estudo sugerem que o placebo honesto seria benéfico para controlar sintomas como dor, náusea e fadiga relacionadas a várias patologias, mas não o defendem como uma opção para eliminar tumores, curar doenças infecciosas ou diminuir o colesterol, por exemplo. As vantagens de poder contar com essa alternativa são consideráveis: economia para o paciente, redução da exposição à química dos remédios e do risco de desenvolver dependência, pelo menos.

Arte UOL Arte UOL

Placebo, um grande aliado dos treinos

O mundo dos esportes é um dos que mais se beneficia do placebo. Isso porque assim como no efeito placebo, o sucesso do desempenho esportivo depende, em boa medida, da interação entre fatores psicológicos (motivação, confiança, condicionamento mental) e fisiológicos (liberação de neurotransmissores, administração da tolerância à dor).

Pois é, muitas vezes, aquela substância que você consome antes do treino e acredita dar um gás extra —ou até queimar gordurinhas — nada mais é do que um placebo. Em um estudo clássico com ciclistas experientes, três grupos de atletas receberam placebo, mas apenas um deles sabia disso e os outros achavam que estavam consumindo cafeína. Resultado: os ciclistas que tomaram placebo acreditando ser a substância estimulante ??pedalaram com até 3% mais potência, enquanto os que sabiam que usaram placebo diminuíram a intensidade (em comparação a um teste anterior de 10 km).

Outro trabalho, com levantadores de peso, revelou melhora de 4% da capacidade de força entre aqueles participantes que acreditaram ter tomado anabolizante em vez de placebo —porém os dois grupos avaliados receberam placebo.

Nocebo: o placebo mau

Espécie de oposto do efeito placebo, o efeito nocebo é a manifestação de sintomas indesejáveis ou inesperados após exposição a determinada substância ou sugestão negativa em relação a ela. É o que explica, por exemplo, começar a sentir os efeitos colaterais de um medicamento logo depois de ler a bula dele.

Um tema bastante investigado como possível resultado do efeito nocebo é a sensibilidade ao glúten, proteína encontrada em alimentos contendo trigo e cevada, principalmente. Muitas pessoas afirmam querer parar de consumir a substância a fim de evitar problemas como inchaço abdominal, dores estomacais, diarreia e mais sintomas gastrointestinais. Porém, isso só é necessário para portadores de doença celíaca, em torno de 1% da população mundial, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Para os demais indivíduos, a restrição seria um exagero e um perigo, já que levaria a um empobrecimento da alimentação.

Um estudo de cientistas australianos publicado no periódico Gastroenterology dividiu 37 pessoas com sensibilidade ao glúten em três grupos e os submeteu a uma semana de dieta com muito glúten, pouco glúten e sem glúten (placebo). Ao final da pesquisa, todos os participantes reportaram piora dos sintomas gatrointestinais, mesmo os que não consumiram a proteína.

A explicação é a mesma válida para o efeito placebo: a expectativa da dor acaba levando à percepção real do desconforto.

Mais especiais do VivaBem

Carine Wallauer/ UOL VivaBem

Marcelo superou as drogas e atravessou o Canal da Mancha nadando

Ler mais
Simon Plestenjak/ UOL VivaBem

Rafael pegou firme no treino e mudou o corpo em 12 semanas

Ler mais
Ana Matsusaki/VivaBem

Não é só pose: fortalecer os músculos faz bem para a mente

Ler mais
Topo