Cérebro ativo e em forma

Como a ginástica cerebral ajuda a manter a mente lúcida até a velhice

Danielle Sanches De VivaBem, em São Paulo

Você já deve ter ouvido falar da importância de praticar exercício físico. Mexer o corpo não apenas reduz o risco de desenvolver grande parte das doenças crônicas conhecidas (problemas cardiovasculares, obesidade, depressão e até câncer, por exemplo), como também garante chegar bem à velhice, com ossos, tendões e músculos capazes de suportar nosso corpo mesmo depois de terem trabalhado duro por décadas.

Mas o que nem todos lembram é que o cérebro também precisa de "malhação" para evitar as chamadas perdas cognitivas —quando funções como atenção, memória e até criatividade são prejudicadas pelo envelhecimento das células nervosas, os neurônios.

"Na prática, os exercícios chamados de 'ginástica cerebral' reduzem o risco de desenvolver doenças neurológicas, como as demências, o que aumenta a qualidade de vida na velhice", explica Vitor Tumas, professor do Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo).

Até quem sofre desse tipo de doença pode se beneficiar dos treinos cognitivos. "Nesse caso, eles ajudam a compensar as perdas de outras funções e são uma estratégia para amenizar as dificuldades e se manter funcional dentro das limitações", afirma a psicóloga Katie Almondes, professora da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte) e coordenadora do Sene (Serviço de Neuropsicologia do Envelhecimento), ligado à universidade.

Essa reportagem especial é o primeiro de muitos conteúdos que serão publicados nos próximos dias para mostrar a importância de estimular o cérebro para ter uma velhice independente, autônoma e saudável. O especial abre a campanha Ginástica Para O Cérebro, que faz parte de uma série de VivaBem em que trazemos, ao longo de uma semana, conteúdos temáticos para contribuir para uma vida mais saudável e cheia de bem-estar.

A seguir, explicamos —com a ajuda de especialistas— a importância de estimular a mente desde criança e como o cérebro se comporta ao longo da vida.

Neuroplasticidade: a capacidade adaptativa do cérebro

Para entender a importância dos exercícios para o cérebro, primeiro precisamos compreender um pouco sobre o funcionamento do órgão. É dentro do cérebro que estão grandes quantidades de neurônios, as células nervosas responsáveis por captar, interpretar e armazenar informações. Isso acontece por meio das sinapses —como são chamadas as conexões entre os neurônios.

Há até bem pouco tempo, acreditava-se que o cérebro tinha uma natureza estática —ou seja, você nascia com um número fixo de neurônios e, ao longo da vida, ia perdendo células nervosas por problemas de saúde, agressões externas ou envelhecimento.

Mas essa ideia está ultrapassada. "Sabemos hoje que ele é mais resiliente diante desses problemas", afirma Tumas. Isso devido à neuroplasticidade, como é conhecida a capacidade que o cérebro tem de expandir conexões e encontrar novos caminhos para continuar funcionando de forma satisfatória.

A neuroplasticidade, ou plasticidade neural, ainda não foi completamente desvendada pelos cientistas —já que a observação de sinapses que viajam num piscar de olhos nem sempre é simples em laboratório. Mas já se sabe, por exemplo, que é uma característica intrínseca e funcional de um cérebro normal, que usa essa habilidade para processos importantes como aprendizado e memória, de acordo com um artigo publicado na revista científica Frontiers in Cellular Neuroscience.

Quando começar a exercitar o cérebro?

A infância e juventude são períodos "de ouro" no desenvolvimento cognitivo, pois há uma grande capacidade de gerar conexões duradouras no cérebro. Por isso, quanto mais estímulos forem oferecidos nessas fases, maiores as chances de criar uma boa reserva cognitiva para o futuro.

Mas isso não significa que adultos maduros e idosos não possam melhorar suas reservas. "Obviamente, o aprendizado é mais lento aos 60 do que aos 20", afirma o geriatra Natan Chehter, membro da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia) e médico da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. "Mas essas atividades não devem ser desestimuladas, ao contrário, é importante praticar para criar e manter as conexões ativas", afirma.

Atualmente, existem programas de treinamento para crianças a partir dos seis anos. "O estímulo melhora a performance delas na escola ao aumentar a capacidade de concentração, memória e raciocínio", explica Livia Ciacci, neurocientista da rede Supera - Ginástica para o Cérebro. "Isso vale para jovens vestibulandos e até adultos em busca de melhorar seus resultados no trabalho", diz.

E como escolher as atividades certas? De acordo com Carla Silva, neuropsicopedagoga e autora do livro "Ginástica Cerebral - 100 cartas com exercícios mentais", o ideal é optar por tarefas que não sejam feitas de forma habitual. "Os exercícios devem ter um grau médio de dificuldade, para não gerarem frustração, e precisam ter uma carga de desafio para estimular o cérebro de forma efetiva", diz a especialista.

A importância da reserva cognitiva

A plasticidade cerebral permite que pessoas que sofreram um AVC ou um trauma criem mecanismos para reaprender funções perdidas com a morte das células nervosas, por exemplo. O processo é semelhante entre os mais velhos, que já perderam neurônios pelo processo natural de envelhecimento ou por doenças degenerativas como Alzheimer e outros quadros que atacam o cérebro.

Mas o que determina a eficiência dessa plasticidade é a chamada reserva cognitiva, uma espécie de "poupança" formada ao longo da vida por meio de estímulos para a geração de sinapses e conexões entre neurônios.

"Essas sinapses geram uma rede neural com vários caminhos possíveis para acessar informações", explica Fernando Freua, neurologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Quanto mais robusta for essa rede, mais caminhos o cérebro dispõe para se reorganizar após sofrer algum trauma, explica o especialista.

A construção de uma boa reserva cognitiva depende de estímulos intelectuais, principalmente na infância e na juventude, mas pode —e deve— ser incrementada com exercícios durante toda a vida. "Quando isso não acontece, a tendência é haver uma estabilidade e, no longo prazo, uma diminuição dessa reserva", afirma Sônia Brucki, neurologista da ABN (Associação Brasileira de Neurologia), coordenadora do Grupo de Neurologia Cognitiva e do Comportamento da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).

Mente ágil: processos cognitivos a serem exercitados ao longo da vida

  • MEMÓRIA

    É um processo básico, extremamente complexo e importante para o aprendizado, já que tem a função de captar, interpretar e armazenar as informações que chegam ao cérebro.

  • RAPIDEZ DE RACIOCÍNIO

    É o tempo que o indivíduo leva para entender e reagir a uma informação (imagens, sons, movimentos etc.) recebida pelo cérebro.

  • ATENÇÃO

    É graças a ela que temos consciência do ambiente que nos cerca e selecionamos apenas os estímulos que serão úteis ou que nos interessam, dependendo do contexto em que estamos. Ela pode ser de dois tipos: focalizada (quando nos concentramos em uma coisa apenas); e a dividida (quando atendemos a mais de um estímulo ao mesmo tempo).

  • CRIATIVIDADE

    É a capacidade de buscar novas e diferentes soluções diante de tarefas novas ou rotineiras. Nós já nascemos com ela mas, se não for estimulada, a criatividade vai diminuindo ao longo da vida.

  • NOÇÃO ESPACIAL

    É a habilidade de perceber o ambiente ao redor e como ele se relaciona com o seu corpo, envolvendo, por exemplo, posicionamento e orientação no espaço em que ocupamos. Nós não nascemos com essa habilidade: ela é construída ao longo da vida, especialmente na infância, a partir de imagens e experiências corporais.

  • INTERAÇÃO SOCIAL

    A habilidade de se relacionar com outros em sociedade é uma das mais importantes para o desenvolvimento do cérebro. É a partir disso que construímos relações pessoais, compreensão sobre nós mesmos e sobre comportamentos esperados em determinados contextos.

Neuroplasticidade, reserva cognitiva e saúde mental

Quando a pandemia do novo coronavírus surgiu, muito se falou do impacto que o isolamento social teria na vida de todos —e, em especial, dos idosos. Isso porque a falta de interação social (uma habilidade cognitiva importante para o cérebro) também aumentaria o risco de transtornos psiquiátricos como depressão, ansiedade e síndrome do pânico.

Essas doenças são consideradas um risco para a neuroplasticidade do cérebro e têm impacto direto na reserva cognitiva. "Elas provocam a diminuição da neurogênese, reduzindo o número de novos neurônios e novas sinapses", explica Brucki.

Isso é um risco particularmente alarmante para idosos, que já têm esse processo reduzido naturalmente por fatores como alterações do metabolismo provocadas pelo envelhecimento e por comorbidades associadas à idade.

Mas não é só isso. Pessoas deprimidas ou ansiosas tendem a se isolar e reduzir interações sociais ou até evitam de sair para determinados locais que provocam crises, por exemplo. "Essa mudança de hábitos provoca uma redução nos estímulos que a pessoa recebe, o que também acaba prejudicando a formação da rede neural", afirma a neurologista. Nos idosos, a solidão e a redução de interação social também provocam esse tipo de perda.

Processos demenciais: será que todo mundo vai ter?

Quando falamos em envelhecimento cerebral, um dos maiores medos é justamente a perda de funções cognitivas —como orientação espacial, comunicação, memória, atenção— que impeçam uma vida autônoma. "É o maior medo das pessoas. Só de esquecer algo elas já se assustam", explica Chehter.

O especialista esclarece, no entanto, que é preciso alinhar expectativas: com o envelhecimento do corpo, o cérebro também vai ser afetado. "A velocidade de processamento de informações e a capacidade de fazer duas coisas ao mesmo tempo, por exemplo, serão afetadas. Vai ser mais difícil mesmo", diz.

Isso não significa, no entanto, que a pessoa sofra de demência —como é chamada a classe de mais de 150 doenças neurodegenerativas que provocam profundas perdas cognitivas pela morte de conexões e neurônios. Dentre elas, as mais prevalentes entre os idosos são Alzheimer (que tem como característica marcante o esquecimento de fatos importantes) e a demência por corpos de Lewy (com sintomas semelhantes ao Alzheimer).

Na verdade, achar que todo mundo vai sofrer de "demência senil" é bobagem. "Isso não existe. Demência é uma doença, que acomete mais idosos, mas é uma doença", afirma o geriatra. No entanto, ainda não temos como saber quem vai ou não apresentar o problema em algum momento da vida. "Por isso, precisamos nos cuidar, manter o cérebro estimulado para tentar prevenir as perdas, se elas ocorrerem", diz.

Fatores que aumentam o risco de demência

Em 2020, uma comissão de cientistas da revista científica Lancet indicou 12 fatores que aumentam o risco de desenvolver demência. São eles:

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