Foi com 80 anos que Claire decidiu que era hora de descansar de verdade. Já fazia dez anos que batia ponto todos os dias na Receita Federal, mesmo aposentada compulsoriamente por conta da idade.
"A vida inteira eu estudei muito, mas só coisa técnica. Sabia o regulamento do imposto de renda de cor, meu livro de cabeceira era o Diário Oficial. Quando eu aposentei, pensei: vou fazer o que?", conta.
Nunca tinha escrito um verso na vida, mas começou a frequentar alguns saraus em São Paulo e pensou em se arriscar pela poesia. "Eu vi que os poemas apresentados eram muito bons. Eu tinha escrito uns três, mas os meus não davam para competir com eles, tinha que ser uma coisa diferente. Tentei fazer um poema humorístico, mas não deu certo. Daí pensei: e se eu fizer um poema erótico? Fiz e gostei", diz.
Chegando no Sarau Sopa de Letrinhas, um dos mais tradicionais da cidade, enfrentou uma sala imensa -- "não tinha nenhuma velhinha como eu" --e o medo de ser vaiada. "Eu me levantei, todo mundo ficou me olhando e pensando 'o que essa velha vai fazer?'. E eu disse: 'vou falar para vocês uma receita". E começou:
"Meu vizinho queria fazer um bolo,
me pediu a receita.
Eu não tinha a receita,
mas eu tinha vinte anos!
Fui ajudar...
Não tinha farinha para ele amassar
com as mãos,
ofereci o meu corpo
e ele amassou."
Os olhos dos presentes se viraram para ela, que continuou:
"Não tenho açúcar, ele me disse,
ofereci os meus lábios
e ele me beijou.
Ele era bom cozinheiro,
pôs o leite para ferver,
o leite fervia no meu corpo inteiro.
Nós dois queríamos fazer o bolo,
mas... e a receita?
Ele abriu o caderno,
estava escrito,
me ama.
Não fomos mais para a cozinha
fomos para a cama."
Seus versos, declamados sempre de cor, fazem tanto sucesso que Claire já lançou três livros e se apresenta frequentemente em saraus do centro e das periferias de São Paulo. E de onde vem tanta energia e criatividade? "Da necessidade de ser arrimo de família aos 10 anos. Eu tinha seis irmãos mais novos que não podia deixar passar fome", conta a economista aposentada.
A inspiração vem da leitura frequente, do amor pelos três maridos que faleceram e do coração ainda apaixonado. "Eu tenho uma paixão que não é vivida, é só sentida. É correspondida, mas gente não se conhece pessoalmente. Quem vai entender um relacionamento tão intenso de uma mulher de 90 anos?", questiona a poeta.