Somos o que comemos

Alimentação é essencial para genes funcionarem, mas genética também vem mudando forma de enxergar nutrição

Danielle Sanches De VivaBem, em São Paulo

Em algum lugar dentro do seu corpo, uma estrutura chamada DNA está dizendo ao seu cérebro que você "pre-ci-sa" comer mais um doce. Esse DNA também determina, nas papilas gustativas, se o coentro terá para você um gosto agradável ou não. E ainda ordena, quando você toma café, que ocorra uma descarga extra de energia provocada por uma sensibilidade à cafeína.

Esses são só alguns exemplos da relação entre o que comemos e a nossa genética. O tema é estudado há muitas décadas e ganhou fôlego após o primeiro sequenciamento do genoma humano, finalizado em 2003, que trouxe à luz cerca de 99% dos nossos genes. O Projeto Genoma Humano, como ficou conhecido, revelou que somos feitos de pouco mais de 23 mil genes e abriu as portas para o sequenciamento genético de outros animais e até patógenos (organismos que são capazes de causar doença).

As informações serviram também para revelar como os nutrientes presentes em alimentos conversam com nosso material genético. Estudar isso é o papel da nutrigenômica, uma ciência que analisa como vitaminas, minerais e outras substâncias presentes em tudo o que comemos interferem na expressão dos nossos genes e como essa relação pode ou não ajudar na prevenção de doenças.

Uma ciência dividida em três

Entender a influência dos alimentos nos genes é um trabalho complexo; por isso, há três áreas de estudo:

Nutrigenômica

Estuda a influência dos nutrientes na modulação da resposta genética do nosso DNA. Ou seja, tenta compreender como vitaminas, minerais e outros compostos dos alimentos interagem com o nosso genoma e ativam (ou não) o funcionamento dos genes contidos nas células. É considerada a ciência "mãe" da nutrição genética.

Nutrigenética

Busca compreender a resposta do gene após ele interagir com um nutriente e como ela é diferente em cada indivíduo de acordo com a variabilidade genética (as mutações comuns que cada um tem no próprio DNA). Por exemplo: para algumas pessoas, controlar o colesterol pode ser mais difícil mesmo reduzindo o consumo de gordura por uma questão de resposta genética a esse tipo de nutriente.

Epigenética nutricional

Analisa os processos de modulação e modificação genéticas, e como isso interfere na expressão dos genes quando estes entram em contato com nutrientes. Essa área busca compreender como um indivíduo, mesmo sem uma mutação aparente, tem a expressão genética alterada em contato com determinado nutriente.

O que é expressão genética?

Todas as nossas células carregam em si uma cópia do DNA, uma espécie de manual de como nosso organismo deve funcionar. As informações —desde qual a cor dos seus olhos até qual célula vira músculo, pele ou cabelo— estão expressas em genes que orientam a produção de proteínas para fazer acontecer os processos físicos do organismo.

Acontece que essas estruturas não estão ligadas o tempo todo. "Elas precisam ser acessadas, ativadas por certas moléculas, como os nutrientes", explica Miguel Mitne Neto, líder científico da área de genômica do Grupo Fleury, rede que realiza exames de mapeamento genético com foco na absorção de medicamentos e nutrientes, entre outros.

Mas vale dizer que as substâncias presentes nos alimentos não são as únicas capazes de ativar nossas informações genéticas. Poluição, substâncias presentes no cigarro e no álcool, estresse e nossa saúde mental podem interferir na expressão dos genes. Até mesmo as bactérias que vivem nosso intestino (microbiota intestinal) fazem parte dessa lista. "As bactérias boas são capazes de produzir diversas substâncias que, uma vez na circulação sanguínea, influenciam de forma positiva na expressão dos genes", explica Christian Aguiar, médico nutrólogo em São Paulo.

Como as substâncias dos alimentos ativam nossos genes

O papel de alguns alimentos na nossa genética

  • Ômega 3

    Doenças inflamatórias como obesidade e diabetes provocam uma falha na sinalização celular, atrapalhando processos como o da absorção de insulina. De acordo com um estudo publicado no periódico PLOS One, a ingestão de ômega 3 (presente em salmão, sardinha, atum, chia e linhaça) ajuda a inibir a expressão dos genes causadores da inflamação, devolvendo a normalidade aos processos celulares.

  • Vitamina E

    Um estudo publicado na revista Nature mostrou que, em excesso, o nutriente estimula a atividade de estruturas especializadas na renovação celular nos ossos, induzindo a um quadro de osteoporose.

  • Antioxidantes 

    A ingestão de alimentos com sulforano (presente em brócolis, couve-flor e rúcula) e licopeno (tomate, melancia, mamão, repolho roxo) auxilia no estímulo da codificação e produção de enzimas antioxidantes que irão combater a ação de radicais livres (que influenciam no aparecimento de doenças como o câncer).

  • Zinco e magnésio

    O zinco (encontrado na carne vermelha, shitake, frango, semente de abóbora e gergelim) e o magnésio (feijão branco, abacate, amêndoa, grão-de-bico) são necessários para o processo de transcrição dos genes em proteínas. Isso quer dizer que sem eles os genes não conseguem trabalhar e criar corretamente as proteínas para as quais foram designados. Quando isso acontece, há um comprometimento na leitura do DNA, prejudicando a expressão genética do material.

Conhecer seu DNA pode ajudar a planejar a dieta

Bem, saber o perfil genético de um indivíduo permite avaliar tendências, com base em variantes específicas de determinados genes já conhecidos pela ciência. "É possível entender se uma pessoa emagrece melhor comendo mais ou menos carboidratos, ou se ela tem a necessidade de vitaminas específicas", explica Christian Aguiar. "Com base nisso, é possível traçar estratégias alimentares para melhorar o funcionamento desses genes", afirma.

Essa análise genética permitiria, ainda, saber se é possível reprimir a expressão de genes causadores de algumas doenças, como diabetes ou colesterol alto. Os cientistas já sabem, por exemplo, que o estado inflamatório crônico —um fator de risco para problemas como câncer, obesidade, problemas cardiovasculares— provoca erros na cópia do DNA que podem culminar no aparecimento de algumas doenças. Mas a própria resposta inflamatória é comandada por genes específicos e já mapeados, que poderiam ser controlados com a ingestão direcionada de alguns nutrientes específicos para isso.

É dessa forma que a nutrigenômica e a nutrigenética saíram dos laboratórios e aterrissaram em consultórios de médicos e nutricionistas, que usam os exames genéticos como ferramenta para entenderem qual o melhor plano alimentar para seus pacientes.

A nutrigenômica nos permite entender qual o papel de cada nutriente na expressão genética e como ele pode ou não ajudar na prevenção de doenças"

Dennys Esper Cintra, coordenador do Laboratório de Genômica Nutricional e do Centro de Estudos em Lipídios e Nutrigenômica da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

O papel da nutrigenômica na saúde

Muito além de ajudar a planejar a alimentação, a nutrição genética oferece ainda uma explicação para pessoas que, mesmo com um bom estilo de vida, ainda apresentam dificuldades para emagrecer, por exemplo. "São pessoas com alterações genéticas que podem se beneficiar muito de uma intervenção nutricional com foco na expressão dos genes", acredita Lusânia Greggi Antunes, professora associada da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP (Universidade de São Paulo).

A abordagem da nutrigenômica também pode ser usada para analisar como a ingestão de nutrientes pode reduzir o risco de desenvolver câncer. "O aumento na ingestão de zinco, cobre e manganês pode minimizar uma alteração genética com impacto direto na produção de substâncias antioxidantes com efeito protetor no organismo", afirma Daniel Barreto, nutricionista e professor de pós-graduação na Faculdade de Educação em Ciências da Saúde do Hospital Alemão Oswaldo Cruz e na Nutrir Educacional. Os antioxidantes combatem os radicais livres, que em excesso no corpo, em longo prazo, podem aumentar o risco de desenvolver tumores.

Até mesmo intolerâncias ao glúten ou à lactose podem ser avaliadas sob o ponto de vista genético. "Cada indivíduo é único e entender essas diferenças ajuda a pensar em uma alimentação mais saudável de forma personalizada", afirma Ricardo di Lazzaro Filho, cofundador do laboratório Genera, que realiza testes genéticos, em São Paulo.

Um mapa genético para chamar de seu

O sequenciamento genético das pesquisas se tornou realidade também para o público em geral. Hoje, é possível fazer um perfil do próprio genoma em laboratórios especializados, que oferecem até mesmo um serviço direcionado para a nutrição e a busca por genes envolvendo a obesidade e a dificuldade tanto para perder peso como para deixar de comer alguns tipos de alimentos (açúcar, por exemplo).

O serviço, no entanto, não é barato: o valor para testes do tipo pode variar de R$ 700 a R$ 3 mil, de acordo com o nível de complexidade oferecido. Vale lembrar ainda que esse tipo de exame é preditivo, ou seja, não funcionam como diagnóstico. "Ele é mais uma informação que, junto com o histórico de vida do paciente, nos ajuda a tomar decisões sobre a melhor conduta para mudar o estilo de vida do paciente", afirma Gisele Martins Darós, nutricionista em Itapema (SC).

Por isso, o recomendado é que o exame seja feito como parte de um tratamento especializado. "É preciso saber interpretar as informações do exame e o que fazer com isso", acredita Marcelo Sady, geneticista diretor geral da Multigene, empresa especializada em análise genética e exames de genotipagem. "É fundamental ter um profissional acompanhando esse indivíduo", diz.

Todo mundo precisa fazer um teste?

Embora seja tentador buscar um mapa descrevendo se vamos ficar doentes, os especialistas no assunto lembram que a nutrigenômica é uma ciência complexa e que os exames genéticos oferecem apenas pistas do todo —e não precisam ser feitos por todo mundo que busca uma vida mais saudável.

"Ter ou não um gene (favorável a uma doença) não é uma sentença final", avalia Dennys Cintra. "Existem uma série de outros fatores que vão influenciar na expressão ou não dos genes", afirma. Segundo ele, o nosso corpo é capaz de se adaptar sozinho. "A biologia é mestra em dar volta na matemática", diz.

Cintra lembra ainda que, embora já existam evidências da influência que os nutrientes têm nos genes, são necessários mais estudos para comprovar que isso, de fato, pode ser manipulado pela maior ou menor ingestão desse ou daquele alimento. "Ainda precisamos de um consenso sobre isso, e ele não existe por enquanto", afirma.

Outra questão é que manter hábitos saudáveis —uma dieta rica em alimentos frescos e saudáveis, praticar atividade física, dormir bem e gerenciar o estresse— é importante independentemente da sua carga genética. "Uma alimentação sem industrializados, variada e com muitos vegetais vai ajudar os genes de qualquer pessoa", acredita a nutricionista Sophie Deram, pesquisadora e doutora pela Faculdade de Medicina da USP e colunista de VivaBem.

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