O diagnóstico excessivo (ou seja, a pessoa ser considerada doente quando não tem um transtorno) é um dos principais temores que rondam a nova classificação da OMS. Muitas vezes, pais preocupados podem não conseguir diferir um grande interesse do filho por um jogo do vício e buscar tratamento para a pessoa —gerando um estresse que pode afetar a saúde psicológica e a relação familiar.
Especialistas também acreditam que "transformar" o vício em games em doença vai servir de combustível para um aumento do estereótipo sobre a comunidade. Há décadas gamers já são vistos com desconfiança e, volta e meia, jogos são acusados de ter a capacidade de tornar os jogadores mais violentos —algo que já foi mais de uma vez rebatido. Agora, os detratores dos jogos ganharam um argumento extra.
"O estereótipo do gamer viciado povoa o imaginário de moralistas que não compreendem os jogos eletrônicos. Games muitas vezes são considerados uma perda de tempo que afeta o 'jogador' —porque afasta a pessoa da 'vida real'— ou algo prejudicial para terceiros, pois gamers se tornam violentos. Olha a carga em cima dessa expressão artística. Essa classificação é a primeira vitória significativa que rivais históricos dos games conquistaram", opina Salah Khaled Jr, doutor em ciências criminais, jurista e criminologista, autor do livro 'Videogame e Violência - Cruzadas Morais Contra Os Jogos Eletrônicos No Brasil e No Mundo'.
Além disso, a classificação pode tirar o foco de efeitos positivos de jogos: é um mercado que movimenta milhões, sem falar que muitos games são usados na educação, no combate ao sedentarismo (games de dança, por exemplo) e até no tratamento e diagnóstico de doenças como Alzheimer). Claro que toda tecnologia deve ter seus efeitos adversos combatidos, mas seus benefícios não podem ser deixados de lado.
Jogos pode ser proibidos?
Outro ponto polêmico da nova norma é como ela pode ser usada. Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS Rio) e professor da Faculdade de Direito da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), alerta que a regulamentação não cria uma jurisprudência ou uma nova legislação contra jogos, mas pode sim ser usada como argumento para censurar conteúdos.
"Minha preocupação é como isso pode ser abusado. Depende como juízes e legisladores ao redor do mundo vão ver. Pode servir como argumento para criar formas de restrição de acesso a jogos que venham a ser atrativos especialmente para os mais jovens", opina.
O risco de tornar vicio em jogos uma doença é criar um pânico moral para regulação com menos critérios de jogos que se tornem popular e atrativos
Carlos Affonso, professor de direto da UERJ
A estratégia de censurar games, por exemplo, não é inédita. No Brasil mesmo, alguns títulos chegaram a ter as vendas proibidas em algum período por serem considerados muito violentos.