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Doença crônica, a obesidade afeta várias partes do organismo e exige tratamento multidisciplinar constante

Fausto Fagioli Fonseca Colaboração para o VivaBem Thiago Limón/UOL

Apesar de muitas vezes a principal motivação para alguém emagrecer ser a estética, a grande razão para uma pessoa perder peso deve ser a saúde.

A obesidade é considerada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) uma doença crônica —ou seja, um problema de longa duração, que muitas vezes acompanha o indivíduo para o resto da vida e exige cuidado constante. Ela pode prejudicar o organismo da cabeça aos pés, literalmente, aumentando o risco de diversas doenças (as chamadas comorbidades) e de morte precoce.

"O tecido adiposo (gordura) produz diversos hormônios e outros fatores pró-inflamatórios. Seu aumento excessivo causa uma inflamação constante e pode alterar funções de diversos órgãos", explica Rachel Freire, nutricionista especialista em obesidade, pós-doutorada em saúde pela Escola de Medicina da Universidade Harvard (EUA) e professora do Ipemed (Instituto de Pesquisa e Ensino Médico).

Um estudo publicado ano passado na revista Obesity Science and Practice rastreou dados de quase 3 milhões de adultos do Reino Unido por uma média de 11 anos. As pessoas com obesidade grau I demonstraram um risco cinco vezes maior de desenvolver diabetes tipo 2, em comparação a pessoas com peso saudável. Já para quem tem obesidade grau III, o risco foi 12 vezes maior. O excesso de gordura corporal também foi associado a uma probabilidade maior de ter doenças cardíacas, AVC (acidente vascular cerebral), apneia do sono, osteoartrite, certos tipos de câncer e transtornos psiquiátricos.

As partes do corpo mais afetadas pela obesidade

  • Articulações

    O excesso de peso aumenta a sobrecarga nos joelhos, no quadril, na coluna e em outras articulações. "Há um processo inflamatório constante que, em longo prazo, pode lesionar as articulações e desgastar suas cartilagens, gerando uma osteoartrite. Além de dor, o problema compromete a mobilidade e a qualidade de vida da pessoa", diz Alexandre Stivanin, ortopedista do Hospital Samaritano e membro da Sbot (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia).

  • Coração

    A obesidade gera inflamação nos vasos sanguíneos e favorece o acúmulo de placas de gordura neles, causando seu enrijecimento e estreitamento. Isso provoca o aumento da pressão arterial (hipertensão) e exige que o coração se esforce mais para bombear o sangue --o que pode levar a uma insuficiência cardíaca. "Já as placas de gordura podem obstruir um vaso e causar um infarto", explica João Vicente, cardiologista do Hospital Sírio-Libanês.

  • Cérebro

    O estreitamento dos vasos sanguíneos aumenta o risco de AVC. O problema ocorre quando o fluxo sanguíneo no cérebro é interrompido ou drasticamente reduzido --devido ao entupimento de uma veia--, ou quando há o rompimento de um vaso no órgão, causando hemorragia. Estudos também mostram que pessoas com excesso de peso têm maior risco de desenvolver transtornos psicológicos, como compulsões, depressão e ansiedade.

  • Fígado

    Os quilos a mais levam ao acúmulo de gordura em diversos órgãos, entre eles o fígado. Isso prejudica o seu bom funcionamento e causa alterações metabólicas, como a resistência à insulina, que aumenta o risco de diabetes. O excesso de gordura no fígado (doença chamada de esteatose hepática) ainda pode gerar uma inflamação, que provoca a morte de células do órgão e leva a um processo de fibrose (cicatrização). A condição pode progredir para cirrose hepática e até para um câncer.

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  • Pâncreas

    A gordura também pode se estocar nas células do pâncreas, alterando a produção da insulina. "Com isso, pode ocorrer a resistência ao hormônio, o aumento do nível de açúcar no sangue (glicemia) e o surgimento do diabetes tipo 2", diz Vicente. Vale lembrar que o diabetes aumenta o risco de aterosclerose (acúmulo de gordura nos vasos sanguíneos), principal causa de infarto e AVC.

  • Pulmões

    O acúmulo de gordura na região do tronco cria uma barreira mecânica que dificulta a expansão dos pulmões durante a inspiração. Assim, há uma redução da capacidade respiratória e a pessoa pode sofrer com falta de ar, fadiga etc. A obesidade também favorece o surgimento de problemas como asma e apneia obstrutiva do sono --interrupção da respiração enquanto dormimos, que eleva o estresse no organismo e aumenta o risco de problemas como diabetes, doenças do coração e infarto.

Entenda os graus de sobrepeso e de obesidade

O IMC (Índice de Massa Corporal) é um cálculo universal, adotado pela OMS para classificar padrões de saúde relacionados ao peso —desde a desnutrição até a obesidade. O resultado é obtido a partir da divisão do peso, em quilogramas (kg), pelo quadrado da altura, em metros (m). Valores de IMC entre 25 kg/m2 e 29,9 kg/m2 indicam que a pessoa está com sobrepeso. Já valores a partir 30 kg/m2 indicam obesidade, que é divida em três níveis (veja infográfico abaixo).

As divisões do IMC são baseadas em evidências científicas, que sugerem que os valores estabelecidos para sobrepeso e obesidade estão associados a um aumento no risco de doenças metabólicas (diabetes, hipertensão, colesterol alto) e morte prematura.

Rachel Freire diz que o IMC é uma boa ferramenta, mas vale alertar que ele não é 100% preciso e, em alguns casos, pode falhar por levar em conta só o peso e altura —e não o percentual de gordura corporal.

Um fisiculturista, por exemplo, pode ser baixo e ter um peso elevado, devido à grande quantidade de músculos. Assim, seu IMC será alto. Mas, obviamente, esse atleta não tem um percentual de gordura elevado e não pode ser considerado obeso só com base no IMC.

Para confirmar o diagnóstico de obesidade, o cálculo deve ser associado a avaliações clínicas para identificar a composição corporal (bioimpedância e a análise de dobras cutâneas, por exemplo) ou a outros métodos subjetivos (circunferência da cintura, relação cintura quadril etc.).

Principais fatores que levam à obesidade

Geralmente, o ganho de peso ocorre devido à má alimentação e ao sedentarismo —o combo faz com que a pessoa consuma mais calorias do que o corpo gasta e essa energia que "sobra" é estocada na forma de gordura.

Mas não pense que a pessoa come mal ou não faz exercícios por falta de vontade de mudar hábitos ou por preguiça. A obesidade é considerada uma doença multifatorial (tem várias causas) e há inúmeros motivos que podem levar ao descontrole alimentar, à falta de disposição para se exercitar, ao desequilíbrio calórico e consequentemente ao acúmulo de peso. Veja os principais:

  • Influência do ambiente

    A má alimentação (assim como a boa) geralmente é "aprendida" no ambiente familiar, ainda na infância, e pode persistir por toda a vida. Outras pessoas com quem vivemos influenciam diretamente na nossa dieta: não é fácil comer salada quando na sua casa pedem fast-food quatro vezes por semana; ou resistir a doces quando seus colegas de trabalho compram todos os dias brigadeiro, milk shake, churros...

  • Genética

    Estudos apontam que fatores hereditários são responsáveis por de 25% a 40% dos casos de obesidade. Além disso, filhos de pais com excesso de peso têm risco até 80% maior de desenvolver o problema (e aí entra também a questão do ambiente e não só do DNA). Freire explica ainda que existem 24 doenças genéticas em que a obesidade é uma das manifestações descritas, porém, essas condições são raras. "Por exemplo, algumas pessoas observam maior tendência a acumular gordura e maior dificuldade de emagrecimento por mutações em alguns genes, como o FTO e MC4R."

  • Alterações hormonais

    A tireoide produz os hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), responsáveis por regular diversas funções do metabolismo. Alterações na glândula podem diminuir o nível dessas substâncias no organismo e fazer com que o corpo gaste menos calorias para exercer suas funções básicas, o que leva ao ganho de peso. O estilo de vida (má alimentação, sedentarismo, consumo de álcool, sono ruim etc.) e certas doenças ainda podem afetar a produção de diversos hormônios que influenciam no acúmulo de gordura corporal, como a testosterona, a insulina, a leptina, a grelina e até a melatonina.

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  • Sono e estresse

    Dormir poucas horas ou viver tenso aumenta o nível de cortisol (hormônio do estresse), que avisa que o corpo está em situação de perigo e deve se preparar para "correr ou lutar". Isso pode gerar um desejo por comidas calóricas, já que o organismo entende que precisa de energia para enfrentar o "inimigo". Também há um aumento de açúcar (glicose) no sangue, liberado pelo fígado. Como todo esse combustível não é usado (já que você não precisava fugir), ele é estocado em forma de gordura, especialmente na barriga.

  • Fatores emocionais

    Estudos mostram que pessoas com ansiedade, depressão e outras alterações no humor têm maior risco de desenvolver obesidade. Isso porque, muitas vezes, acabam usando a comida para aliviar os sentimentos negativos gerados por esses transtornos. Aí, exageram na ingestão calórica e desenvolvem até compulsões alimentares.

  • Mudanças na microbiota intestinal

    Nosso intestino tem milhares de micro-organismo que participam do controle do metabolismo e da digestão. Eles interferem na capacidade de extrair energia dos alimentos e de estocá-la como gordura. Também estão relacionados com a produção de neurotransmissores que trazem bem-estar, melhoram o humor e reduzem a ansiedade e sintomas depressivos. Diversos estudos associam o maior número de bactérias ruins no intestino ao ganho de peso. Por isso, é importante se alimentar bem e fazer exercícios, para garantir a manutenção de uma microbiota saudável.

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  • Medicamentos

    Corticoides (usados contra alergias, doenças autoimunes, asma etc.) e drogas utilizadas no tratamento da depressão, de alterações de humor, da dor crônica e do diabetes podem favorecer o ganho de peso. Existem vários motivos para isso. Uns medicamentos aumentam a fome, outros afetam o metabolismo e ainda há aqueles que facilitam a formação de novas células de gordura. Se perceber que começou a engordar após iniciar o uso de um remédio, converse com seu médico para saber se há outra opção de tratamento e redobre os cuidados com a alimentação.

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A obesidade é uma doença que precisa de "supervisão" para sempre

Segundo relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), a obesidade é responsável por mais de 4 milhões de mortes ao ano em todo mundo. No Brasil, 70% das mortes se devem ao excesso de gordura corporal e suas comorbidades —vale lembrar que a condição também é fator de risco para complicações da covid-19.

O problema não para de crescer no mundo todo e seu controle não é simples, principalmente por ter diversas causas e exigir uma supervisão constante. Após a perda de peso, o risco de voltar a engordar é grande —uma pesquisa publicada no American Journal of Clinical Nutrition mostra que somente 20% das pessoas que emagrecerem mais de 33 kg conseguiram manter o resultado por mais de cinco anos.

"A obesidade é uma doença crônica, por isso não existe tratamento de curto prazo para ela. Independentemente da abordagem —seja a mudança no estilo de vida, seja o uso de medicamento—, ela precisa ser contínua e de longo prazo, para minimizar os mecanismos de adaptação do corpo à perda de peso", diz Cintia Cercato, endocrinologista, professora da disciplina de obesidade da pós-graduação da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).

Para controlar o problema, o mais indicado é buscar um tratamento multidisciplinar, com acompanhamento de profissionais de diferentes áreas (veja abaixo), que vão ajudar a pessoa a mudar o estilo de vida, desenvolver uma melhor relação com a comida —sem necessariamente deixar de comer tudo o que gosta—, praticar exercícios e emagrecer de forma saudável, sem radicalismo.

Como cada área da saúde ajuda a tratar o problema

  • Endocrinologia

    Exercida por médicos, essa especialidade dá suporte para o paciente identificar e solucionar alterações hormonais e metabólicas que dificultam a perda de peso. O médico também ajuda no controle de doenças associadas à obesidade, como pressão alta e diabetes. Além disso, avalia a necessidade do uso de medicamentos contra a obesidade --e acompanha o tratamento junto com outros especialistas.

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  • Nutrição

    Uma das principais funções do profissional dessa área é ajudar a pessoa a manter uma boa alimentação, que atenda suas necessidades nutricionais e promova a perda de peso com saúde. Mas isso não resume a entregar um "cardápio para emagrecer". O nutricionista auxilia na reeducação alimentar do paciente, ensinando-o a como fazer as melhores escolhas em diferentes situações do dia a dia e a melhorar a relação com a comida.

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  • Educação física

    Além de elevar o gasto calórico diário e ajudar na "queima" de gordura corporal, a prática regular de atividade física está diretamente relacionada a um estilo de vida saudável --reduz o risco de diversas doenças, promove o ganho de massa muscular (o que acelera o metabolismo), regula hormônios e o nível de açúcar no sangue e estimula a produção de substâncias que melhoram o humor e reduzem a ansiedade e o estresse (ajudando, inclusive, a evitar que a pessoa desconte sentimentos negativos na comida). O papel do profissional de educação física é elaborar uma rotina de treinos que se adapte individualmente a cada paciente, definindo metas possíveis de alcançar e aumentando a adesão ao exercício.

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  • Psicologia e psiquiatria

    Como já falamos, muitas vezes a má alimentação é resultado de questões emocionais. Por isso, profissionais que cuidam da saúde mental podem contribuir bastante no tratamento da obesidade, pois auxiliam o paciente a lidar melhor com transtornos que o levam a comer compulsivamente e a ter uma melhor relação com a comida.

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Esqueça dietas! Reeducação alimentar é o melhor caminho

Dietas muito restritivas —que proíbem um nutriente (carboidrato, por exemplo), excluem grupos de alimentos (grãos, carne, tubérculos, massas, laticínios, com açúcar, com glúten etc.) ou pregam a monotonia das refeições (só viver de shake ou de sopa)— podem até gerar um emagrecimento rápido. No entanto, é difícil alguém conseguir manter uma alimentação assim para o resto da vida. Aí, ao abandonar a dieta, como não houve uma reeducação, a pessoa volta a comer mal e acaba recuperando o peso perdido (o famoso efeito sanfona).

Além da frustração, que muitas vezes faz a pessoa desistir de emagrecer, esse perde e ganha de peso coloca a saúde em risco. "As consequências do efeito sanfona são severas, levando não somente à perpetuação da obesidade, como também de suas comorbidades", alerta Paola Machado, doutora em ciências da saúde com foco em fisiopatologia da obesidade e nutrição pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

Portanto, o melhor é reeducar a alimentação. Reduzir o consumo de fast-food, doces, produtos ultraprocessados e carboidratos refinados (pão, macarrão etc.) e priorizar a ingestão de comida de verdade: carnes, ovos, legumes, verduras, frutas e castanhas.

Com a ajuda de uma equipe multidisciplinar, crie metas realistas de emagrecimento e com prazos curtos: planeje perder 1 kg a 2 kg por mês, por exemplo, em vez de focar em eliminar 25 kg em um ano. Sim, o resultado final será o mesmo. Mas é muito melhor celebrar uma pequena conquista a cada 30 dias do que esperar só um resultado está distante —e, por falta de motivação, desistir no meio do caminho.

Tenha paciência, seja flexível e não se culpe quando deslizar. Normalmente, demorarmos quase uma década para engordar 30 kg, mas queremos perder tudo isso em meses. Entenda que o emagrecimento pode levar tempo.

Remédios sem preconceito: como eles ajudam no emagrecimento

Muitas pessoas resistem ao uso de medicamentos para perder peso. Alguns indivíduos acham que remédios "facilitam" o processo e não há méritos no emagrecimento. Outras temem que as drogas viciem ou gerem muitos efeitos colaterais. Esses argumentos estão errados.

Como já falamos, a obesidade é uma doença complexa e emagrecer não é fácil. Muito menos é uma competição ou algo que você tem de "provar" para os outros. Perder peso é uma questão de saúde, e os medicamentos podem auxiliar nisso.

Geralmente, os medicamentos são indicados para quem já tentou emagrecer muitas vezes somente com exercício e reeducação alimentar, sem obter sucesso —ou em casos de obesidade grave e/ou com complicações.

Efeitos colaterais, quando ocorrem, são leves (náusea, dor de cabeça, constipação, diarreia, ansiedade), diferentemente de diversos problemas trazidos pelo excesso de peso —que comprometem a qualidade de vida e aumentam o risco de morte. E se a pessoa não se sente bem com uma medicação, pode conversar com o médico e trocá-la. "Sobre a possibilidade de vício, isso não existe com as substâncias aprovadas no Brasil", afirma Cintia Cercato, que ressalta que os remédios só podem ser usados com prescrição médica, após avaliação, já que há contraindicações.

No Brasil, atualmente há três medicações aprovadas para o tratamento da obesidade: o orlistate, que inibe as enzimas pancreáticas, reduzindo a absorção de gordura; a sibutramina, que atua no sistema nervoso central, em regiões envolvidas na regulação do apetite; e a liraglutida, substância simular ao hormônio natural GLP-1, que atua reduzindo a fome.

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