POR TRÁS DA TELA
Carlos Alberto
Durante dias solitários na UTI, ele pôde sentir o amor da família em áudios
Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo
POR TRÁS DA TELA
Durante dias solitários na UTI, ele pôde sentir o amor da família em áudios
Giulia Granchi, de VivaBem, em São Paulo
Nas UTIs de covid-19, pacientes enfrentam os piores dias da doença sozinhos, sem a presença de amigos ou familiares. Em busca de diminuir a distância, hospitais realizam chamadas de vídeo e áudio para trazer conforto aos dois lados da linha. Para Carlos Alberto Francischetti, as mensagens fizeram a diferença mesmo no período em que passou sedado.
Este é um episódio da série
Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família
episódio 1
episódio 2
episódio 3
As fotos a serem colocadas nas paredes cinzas do apartamento recém-reformado indicam: ali mora uma família unida.
Para Carlos Alberto e Mônica Francischetti, juntos há 25 anos, e seus dois filhos, Gustavo, 12, e Rafaela, 10, passar tempo em família é sempre uma festa.
Antes do cimento e da massa corrida, cada canto foi construído nos sonhos do casal --um quarto para cada filho e uma decoração alegre com estilos bem misturados. "O último toque especial que compramos foi um Buda indiano, que, segundo Carlos, nos traria proteção", conta a esposa, que afirma que, apesar de católicos, a família respeita todas as religiões.
Alguns objetos espalhados pela casa já indicam que mais do que livros e lápis estão fora de ordem. Aos pequenos faltam os berros do pai, que apesar de paciente, fica maluco quando vê tudo bagunçado. Falta o hip-hop tocando no som do carro e o cheiro de churrasco que enchia a sala a cada semana e unia os quatro, especialmente Gustavo, um "carnívoro" convertido pela paixão culinária do pai.
Pouco tempo depois de ser diagnosticado com covid-19, Carlos, aos 43 anos, foi internado na UTI do Hospital do Servidor Estadual, na cidade de São Paulo, onde passou a maior parte do tempo intubado.
Meses antes, ao assistir as notícias sobre a pandemia com a esposa, seu medo era desse futuro angustiante, mas que, na época, parecia longe deles. "Ele dizia: 'meu Deus, que sensação horrível deve ser, sinto que depois que intubam o destino mais próximo é a morte.'"
O que ajuda Mônica a acalmar o coração e a se sentir um pouco mais próxima são as ligações diárias do hospital para contar o estado atual do marido. Além disso, com a ajuda dos médicos, ela, os filhos e a irmã de Carlos, de quem ele é muito próximo, gravam mensagens de encorajamento e saudade.
No dia em que seria intubado, Carlos mandou uma mensagem de voz curta avisando que passaria pelo procedimento. Mônica respondeu que ele devia confiar nos médicos e aceitar que era essa a forma de lutar pela vida.
Ela não pôde ouvir uma nova resposta, mas acredita que a mensagem chegou até ele. Afinal, luta e vida, para Carlos, são quase sinônimos. "O jiu-jitsu é a grande paixão dele. Faz 20 anos que ele pratica, já ganhou campeonatos e no tempo livre está sempre vendo vídeos ou assistindo outros tipos de luta", conta Mônica.
Embora um pouco frustrado por seu código genético não ter feito o trabalho necessário de passar esse amor para os filhos, ele espera levar os sobrinhos, hoje ainda bebês, para o tatame.
Mônica convence de que ele deve ter sucesso na missão, já que além de ser muito bom de conversa, ele e Carla, sua irmã, "vivem um para o outro". "É demais ver o quanto se respeitam e são parceiros, têm uma sintonia muito bonita", diz.
Assim como aconteceu com Carlos Alberto, quase metade dos pacientes internados em UTIs precisam de intubação. Mas mesmo com a intervenção, dois a cada três não resistem e morrem durante o tratamento, de acordo com dados do projeto "UTIs Brasileiras", da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
O pai de Gustavo e Rafaela, no entanto, entrou para o lado positivo da estatística. Após 36 dias internado no hospital, 18 deles intubado, Carlos Alberto recebeu alta. Aos poucos, a vida da família volta ao normal. "Com fisioterapia e oxigênio, mas muito felizes", brinca Mônica.
No Hospital do Servidor Estadual, cada paciente recebe mensagens duas vezes por semana, o que requer muita organização da equipe para não misturar as famílias.
A terapeuta ocupacional Tatiana Vieira do Couto explica como funciona o trabalho: "Pedimos áudios ou vídeos de, no máximo, dois minutos para colocar para os pacientes que estão na UTI. Aí usamos um 'pau de selfie' e uma caixinha de som para amplificar o volume", diz.
Mesmo para os que estão sedados ou intubados, Couto explica que é possível perceber o impacto das mensagens. "Notamos que a pressão arterial e a frequência cardíaca aumentam e algumas pessoas tentam abrir o olho. Damos o feedback para a família logo em seguida."
"O principal é esse paciente sentir que não está sozinho --a UTI covid é muito solitária. Para a família, eu arriscaria dizer que é ainda mais importante. É o único contato, muitas vezes o último. A equipe também se beneficia: em vez de tratarmos o José do leito um, tratamos o José que é avô de três, palmeirense e ama seu cachorro Zeca. Cria-se um vínculo mais humanizado", reflete.
Este é um episódio da série
Nas UTIs de covid-19, pacientes usam áudios e vídeos para se sentirem mais próximos da família
episódio 1
episódio 2
episódio 3
Publicado em 12 de abril de 2021
Reportagem: Giulia Granchi
Edição: Bárbara Paludeti
Direção de arte: Mathias Pape