É perigoso, sim!

Diabetes descompensado causa complicações graves que comprometem a saúde e aumentam o risco de morte precoce

Samantha Cerquetani Colaboração para VivaBem

Receber um diagnóstico de diabetes mellitus pode ser bastante assustador. Não é para menos. Além de exigir mudanças na alimentação e em vários hábitos, se não for controlada, a condição causa problemas graves de saúde e pode levar à morte precoce. E aí vem um dado preocupante: 46% dos brasileiros com diabetes (8,5 milhões de pessoas) não sabem ter a doença —logo, não cuidam do quadro e correm grande risco de sofrer com suas consequências.

O diabetes ocorre quando o corpo não produz insulina ou não consegue usá-la adequadamente. Este hormônio é responsável por controlar a glicose (açúcar) no sangue —que em excesso acarreta hiperglicemia.

"A falta de tratamento e de mudanças adequadas na rotina faz com que o nível de açúcar no sangue (glicemia) mantenha-se elevado. Isso gera as complicações do diabetes. Em logo prazo, a hiperglicemia é tóxica para os órgãos, vasos sanguíneos e nervos, o que causa doenças como neuropatia (nervos), nefropatia (rins) e a retinopatia (olhos)", explica Roberto Raduan, coordenador do Departamento de Complicações Agudas e Hospitalares da SBD (Sociedade Brasileira de Diabetes).

Essas complicações podem evoluir para a amputação dos membros inferiores, cegueira e insuficiência renal. Além disso, quem tem diabetes está mais propenso a desenvolver problemas cardiovasculares, como infarto e AVC.

Nesta reportagem você vai entender como a doença causa sequelas no organismo e ler os depoimentos de pessoas que tiveram complicações sérias.

Entenda os tipos de diabetes

  • Diabetes tipo 1

    Ocorre quando o corpo não produz insulina suficiente ou para de produzi-la completamente. Surge repentinamente e as pessoas precisam de injeções diárias de insulina para manter a glicose no sangue em valores normais. Concentra entre 5% e 10% do total de pessoas com a doença e é mais frequente em crianças e adolescentes, mas pode aparecer mais tarde. É uma doença autoimune, o que significa que ocorre porque o sistema imunológico do corpo ataca e destrói erroneamente as células que produzem insulina.

  • Diabetes tipo 2

    Ocorre quando as células do corpo não respondem à insulina. Leva mais tempo para se desenvolver e atinge mais as pessoas acima dos 40 anos. Geralmente, é desencadeada por excesso de peso e hábitos ruins (má alimentação, sedentarismo, tabagismo, dormir mal). Corresponde a 90% dos casos, apresenta poucos sintomas e pode permanecer sem diagnóstico por anos.

  • Diabetes gestacional

    É a presença elevada de glicose no sangue durante a gravidez. A situação se normaliza após o parto. Mulheres que têm esse tipo de diabetes estão mais propensas a desenvolver o tipo 2 durante a vida.

"Perdi a visão e espero um transplante de rins"

Quando pensa na infância, a funcionária pública Jenifer Pavani, 40, recorda das dificuldades que passou por ter diabetes tipo 1.

Recebi o diagnóstico aos 9 anos. Em 1990, não tínhamos muitas informações e sofri muito bullying pelo meu emagrecimento repentino.

Por ser jovem, ela se revoltou e não seguiu as recomendações de tratamento e mudanças na rotina. Por isso, comia descontroladamente e não monitorava a glicose. Depois de ir para a UTI (Unidade de Terapia Intensiva), decidiu que mudaria, mas as complicações chegaram muito cedo.

"Com 25 anos, recebi o diagnóstico de retinopatia diabética. Fiz tratamento com laser e cirurgias. Depois tive glaucoma, o que causou perda total da vista esquerda. Hoje enxergo apenas com 8% de um olho", completa.

Após perder a visão, ela descobriu que o diabetes também havia prejudicado seus rins e estava com insuficiência renal crônica. "Consegui retardar as complicações e estabilizar a doença. Mas com a pandemia, deixei de seguir o tratamento. Agora estou com 20% da função renal e esperando um transplante."

Apesar das dificuldades, foi aprovada em um concurso na Secretaria de Esportes da Prefeitura de Santos (SP). Lá, conheceu o esporte adaptado, competiu no atletismo e aprendeu a surfar. "Escrevi um livro para alertar sobre os riscos do diabetes. A prevenção e o tratamento adequado salvam vidas e a minha história não precisa se repetir."

Diabetes em números

"Convivo há 50 anos com o diabetes e já fiz 5 cirurgias"

Em 2020, já durante a pandemia, o veterinário Francisco Guimarães, 58, foi submetido a um transplante duplo de pâncreas e rins. Foi sua quinta cirurgia realizada devido ao diabetes tipo 1. Apesar da gravidade, em 15 dias já estava recuperado.

Ele conta que os tratamentos na década de 1960 eram bastante rudimentares. Por conta do diabetes, não teve uma infância fácil e, muitas vezes, deixou de brincar.

O médico acreditava que eu viveria até os 45 anos, no máximo. A insulina era aplicada nas minhas pernas com agulhas grossas de aço. Ficava sempre machucado e com manchas.

Naquela época, não havia muitas formas de controlar a glicemia. Por isso, ele foi afetado drasticamente pelas sequelas. "Não tinha alternativa. O tratamento inadequado comprometeu a minha visão e os meus rins. Tive também polineurite (inflamação nos nervos) e não é sempre que consigo andar. Mas, atualmente, vivo sem dor", relata.

Bastante disciplinado com a rotina, ele segue à risca as orientações de dieta, exercícios físicos e faz acompanhamento médico regular.

"O dia a dia de uma pessoa com diabetes nunca é igual ao outro. É preciso ficar atento o tempo todo ao que comemos e a quantidade de insulina necessária. Nunca podemos deixar o tratamento de lado para evitar complicações."

"Não sofri um infarto por um triz"

Em agosto de 2018, Edvaldo Furtado, 70, passava por um exame de rotina quando foi informado que poderia infartar a qualquer momento.

Fui fazer um teste ergométrico e constataram que eu tinha um problema cardíaco. Tive de sair correndo para fazer o cateterismo, que mostrou as coronárias entupidas. Só não sofri um infarto porque fiz esse exame. Escapei por pouco, mas tive que colocar uma ponte de safena e também mamária.

O aposentado, que mora em Indaiatuba (SP), tem diabetes tipo 2 desde a década de 1980 e, antes do problema cardíaco, já tinha sofrido muito com as sequelas da doença.

"Já perdi a visão de um olho, tive disfunção sexual e neuropatia diabética. Agora estou fazendo acompanhamento cardiovascular. Convivo com a doença há 38 anos e, na primeira década, não seguia as recomendações médicas", completa.

Quase três anos depois do susto, ele faz atividade física, se alimenta corretamente e não deixa de ir às consultas médicas a cada seis meses. "Vejo que muitos não levam a sério e acham que as complicações do diabetes nunca vão chegar. É preciso conscientização e informação para que essa doença não leve ao óbito precoce."

Como o diabetes afeta o corpo?

  • RINS

    O diabetes prejudica os rins ao afetar sua capacidade de filtragem e também ao danificar os vasos sanguíneos dos órgãos (nefropatia diabética). Isso acontece porque o alto nível de açúcar os sobrecarrega. Surgem assim doenças como a falência renal, que exige diálise e até transplante.

    Imagem: Mathias Pape/UOL
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  • OLHOS

    O excesso de glicose no sangue danifica os vasos sanguíneos dentro da retina (retinopatia diabética). Quem tem diabetes está mais propenso a ter glaucoma (pressão elevada nos olhos) e catarata (vista opaca). Essas condições comprometem a visão e podem causar cegueira.

    Imagem: Mathias Pape/UOL
  • MEMBROS INFERIORES

    A doença causa má circulação sanguínea e danos aos nervos (neuropatia). Isso acarreta formigamento, fraqueza e perda de sensibilidade nos pés. Por isso, um pequeno corte nos pés pode causar uma amputação, já que a pessoa demora a perceber o machucado e, por não cuidar da infecção, ela se agrava.

    Imagem: Mathias Pape/UOL
  • CORAÇÃO E VASOS

    A glicose em excesso também faz mal ao coração. Ela aumenta a formação de placas de colesterol que entopem as artérias. Além disso, há aumento de coágulos no sangue que podem obstruí-las. Isso ocasiona infartos, AVCs e insuficiência cardíaca.

    Imagem: Mathias Pape/UOL
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"Uma faca caiu no meu pé e eu não senti"

Aos 82 anos, Benedita Pedrosa é cheia de histórias para contar. Diagnosticada há 30 anos com diabetes, seu corpo acumula diversas sequelas da doença, que surgiram durante as últimas décadas. No início, foi afetada com uma má circulação nos membros inferiores. Em seguida, teve retinopatia diabética, que comprometeu a visão, e um AVC.

Durante os anos, fui perdendo a sensibilidade dos membros inferiores. Um dia deixei a faca cair na ponta do meu pé e não senti nada. Só percebi o que tinha acontecido quando vi o sangue na cozinha.

Em 2018, seus filhos notaram que na planta do pé tinha aparecido uma área com pus. O médico constatou uma infecção no local. Apesar de iniciar o tratamento com antibióticos, as bactérias se multiplicaram rapidamente: ela precisou amputar o quinto dedo do pé direito.

"Menos de um mês depois, a infecção voltou e tive que amputar o quarto dedo do pé direito. Também precisei colocar um stent [um pequeno tubo de metal] na artéria da coxa para melhorar a circulação. Três meses depois, esbarrei o pé esquerdo no canto da porta. O machucado infeccionou e amputei o primeiro dedo do pé esquerdo."

Benedita passou mais de um ano realizando curativos todos os dias para estimular a cicatrização, que ocorreu de forma satisfatória. Ela segue fazendo acompanhamento regular com diversos especialistas para evitar mais complicações.

Reconheça os sinais de alerta

Perceber que o diabetes está descompensado diminui as complicações. Mas nem sempre é possível identificar sintomas do problema. De acordo com Silmara de Oliveira, endocrinologista e diretora da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia), na maioria das vezes, o diabetes tipo 2 é silencioso.

É comum que o diagnóstico ocorra quando há um infarto ou ao tirar a carteira de motorista e perceber que a visão não está boa.

No entanto, quando o nível de glicose no sangue está descontrolado ou elevado, o corpo dá alguns sinais:

  • Aumento da urina;
  • Sede excessiva;
  • Aumento do apetite;
  • Perda de peso repentina;
  • Cansaço;
  • Vista embaçada ou turvação visual.

Para Alexandre Melo, diretor da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade) e professor da UFPB (Universidade Federal da Paraíba), o olhar e a atenção do profissional de saúde aos sinais precoces podem evitar as sequelas.

"Nos primeiros meses após o diagnóstico, deve ser realizado o acompanhamento de mudança de estilo de vida. O médico deve ficar atento se o paciente segue as orientações e entender que mudar é um processo, não será do dia para a noite", afirma.

Para o especialista, quando há uma complicação, a pessoa não deve ser culpabilizada e precisa receber apoio para controlar o quadro e ter mais qualidade de vida.

"As complicações demoram cerca de 10 anos para ocorrer. Quando acontecem, significa que houve uma falha na mudança de estilo de vida."

Como evitar as complicações do diabetes?

  • Para quem não tem a doença

    É importante realizar atividade física regular, fazer acompanhamento médico, caso tenha histórico familiar, e manter uma alimentação balanceada.

  • Para quem já tem a doença

    É preciso se consultar com o médico regularmente e fazer exames de rotina para checar como está a saúde de forma geral. O ideal é realizar quatro consultas por ano.

  • Para evitar sequelas graves

    O tratamento envolve alimentação, exercícios e medicação. Para Roberto Raduan, da SBD, a doença necessita de cuidados constantes e por tempo ilimitado. "O grande desafio é a adesão ao tratamento. É preciso ter disciplina na dieta, nos exercícios e no monitoramento domiciliar da glicemia. É fundamental cuidar dos pés, ir ao oftalmologista e ter o endocrinologista como um parceiro para enfrentar essa longa jornada", finaliza.

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