Mamãe não está feliz

Uma em cada 4 mulheres vai desenvolver depressão pós-parto; veja como identificar e superar o problema

Danielle Sanches De VivaBem, em São Paulo

O nascimento de um bebê costuma vir acompanhado de muita alegria para a família. Mas, para parte das mulheres, também pode trazer um intenso sofrimento. A depressão pós-parto acomete entre 10% e 20% das mães e, muitas vezes, tem início ainda na gestação —dados da American Psychiatric Association indicam que 50% dos casos se desenvolveram no início da gravidez. Por isso, o problema também é chamado de "depressão perinatal".

No Brasil, a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) estima que uma em cada quatro mulheres vai desenvolver o quadro —visto ainda como tabu e pouco abordado nas conversas familiares. "A mulher é muito julgada por ter esse comportamento num período que deveria ser 'mágico' na vida dela", afirma Joel Rennó Jr., diretor do Programa de Saúde Mental da Mulher do IPq-HCFMUSP (Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). "Por isso, é comum que elas guardem os sentimentos para si."

Não à toa, a doença pode levar tempo até ser (quando é) diagnosticada, o que atrapalha a recuperação. "Se não tratado ainda nos primeiros meses, o risco de o quadro se tornar crônico aumenta bastante", diz Renata Lopes, obstetra especialista em medicina fetal e gestação de alto risco de São Paulo. "Isso eleva o sofrimento da mulher e ainda torna o tratamento mais complexo."

Por que ela acontece?

A principal causa é hormonal e a alteração no humor está associada à queda do nível de estrógeno e progesterona que ocorre no puerpério (período após o parto). Mas não é só isso: o momento também é marcado por mudanças no corpo e na rotina familiar (olá, privação de sono), além da atenção constante que o bebê exige e das dificuldades de amamentação, comuns no início. Em resumo: é muita coisa ao mesmo tempo.

Até mesmo as mulheres que não sofrem depressão pós-parto tempo experimentam uma melancolia logo após o parto. É o chamado "baby blues", um quadro transitório que afeta 80% das mulheres e costuma regredir em cerca de 15 dias.

Para algumas mães, no entanto, o quadro se agrava com o passar dos dias. "Os gatilhos (citados acima) associados a uma predisposição genética aumentam o risco de a mulher desenvolver a depressão", diz a psiquiatra Carmita Abdo, membro da Comissão Nacional Especializada em Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia).

Estão ainda mais vulneráveis ao problema mulheres que sofreram algum tipo de violência antes ou durante a gravidez; que vivem em situação de vulnerabilidade econômica e social; que têm uma gestação não planejada ou desejada; e as que possuem algum histórico pessoal ou familiar de depressão ou transtornos de humor (como transtorno bipolar).

Sinais vão muito além da tristeza

Os sintomas da depressão pós-parto nem sempre são identificados facilmente, já que muitas mulheres escondem o que sentem por medo ou vergonha. Por isso, o vínculo entre médico e paciente é fundamental para facilitar o diagnóstico.

Pandemia isolou e deixou as novas mães mais vulneráveis

Assim como muitas pessoas que desenvolveram algum transtorno mental durante a pandemia do novo coronavírus, as mães que acabaram de ter um bebê também encontraram um terreno mais fértil para desenvolver a depressão pós-parto. Isso porque o isolamento social tirou da mulher o convívio com familiares que funcionariam como sua rede de apoio, auxiliando nas tarefas do dia a dia e reduzindo a carga física e mental dela.

"É um momento de crise e, como qualquer crise, as pessoas mais vulneráveis, mais sensíveis, como é o caso dessas novas mães, vão sofrer mais", acredita a psicanalista Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, em São Paulo.

O confinamento por causa da covid-19 e a impossibilidade de mostrar o bebê ao mundo são fatores que impactam fortemente na saúde mental dessa mulher já fragilizada Vera Iaconelli, psicanalista

Além da falta de apoio familiar, o isolamento acaba dificultando e até impossibilitando o acesso à ajuda médica. "Certamente as mulheres continuam sofrendo e estão tendo menos acesso aos diagnósticos e tratamentos durante a pandemia", afirma Júlia Rocha, médica de família no Rio de Janeiro. "Nem todas têm acesso a um psiquiatra e passam apenas com os médicos do posto e, com a crise sanitária, acabaram perdendo até isso", diz.

Alterações de humor que ocorrem após o parto

Baby blues

É a melancolia que surge logo após nascimento do bebê. Atinge cerca de 80% das mães e dura por até duas semanas. Nesse período, são comuns oscilação de humor, choro fácil, sensação de estar sobrecarregada e irritabilidade. "Mas são sintomas pontuais, ou seja, não duram o dia todo", explica a obstetra Joice Armelin, de São Paulo.

Depressão pós-parto

Acomete entre 10% a 20% das mulheres e os sintomas se tornam mais evidentes entre quatro a seis semanas após o parto. A tristeza se aprofunda, as oscilações de humor ficam mais intensas e a mulher passa a mostrar desinteresse tanto por si mesma quanto pelo bebê. Sem tratamento, há grande risco de a depressão se tornar crônica.

Psicose pós-parto

Considerado raro, o quadro mais grave da depressão pós-parto provoca uma quebra com a realidade. Surgem sintomas como delírios e alucinações; a mulher se mostra agitada e com pensamentos desconexos. É comum que ela sinta que algo ruim vai acontecer à família. Precisa de ajuda imediata, pois há risco de vida para a mulher e o bebê.

Como tratar?

O medo de ser afastada do bebê mantém muitas mães sofrendo em silêncio. De fato, em um passado não muito distante, era comum tirar a mulher do convívio familiar "para descansar". Há ainda as que preferem não falar nada pois acreditam que precisarão tomar remédios e parar de amamentar.

Hoje, porém, o tratamento para a depressão pós-parto foca em manter mãe e bebê juntos (se não houver risco de vida para nenhum deles). Isso inclui prescrever, quando necessário, medicações compatíveis com o aleitamento materno, como a fluoxetina e a sertralina. O acompanhamento ainda prevê sessões de psicoterapia para que a mulher tenha um espaço de fala livre de julgamentos.

"Tanto a presença do filho como a amamentação reforçam o papel da mulher no contexto familiar, o que tem impacto positivo no processo de cura e reestabelecimento", diz Patty Terrível, pediatra e especialista em aleitamento materno do Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros e membro do Departamento de Aleitamento Materno da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo).

E sim, existe luz no fim do túnel: "Se iniciada logo após o diagnóstico, a combinação de remédios e terapia costuma apresentar bons resultados após dois meses de tratamento", afirma Joice Armelin.

A importância da rede de apoio

Nem sempre a depressão pós-parto se manifesta de forma evidente e muitas vezes a mulher não consegue perceber que precisa de ajuda. Por isso, ter ao lado pessoas em quem confiar é fundamental para ajudar tanto a sinalizar que algo está errado (e até acompanhá-la ao médico) como no acolhimento e na recuperação.

O que fazer para contribuir de verdade com a mãe

  • Evite julgar as atitudes ou a forma como ela age

  • Escute o que ela tem a falar

  • Assuma tarefas do dia a dia (ou ofereça ajuda, se você não morar com a mãe)

  • Cuide do bebê para que a mãe possa dormir ou tomar banho

  • Observe a mulher e veja se os sintomas evoluem

  • Acompanhe a mulher ao médico, se achar que ela e o bebê correm risco

Os impactos do problema no bebê

O vínculo entre mãe e filho é uma das relações mais próximas já vistas na natureza. E isso tem razão de ser: tudo na interação entre os dois —do cheiro da pele ao contato da amamentação— oferece estímulos psicológicos, emocionais e motores importantes para o desenvolvimento do bebê.

Por isso, é comum que os filhos de mães com depressão apresentem um discreto atraso de desenvolvimento cognitivo e motor. "O bebê não sabe nomear, mas consegue captar a tensão e pode se mostrar mais irritado e choroso", explica Danielle Admoni, psiquiatra da infância e da adolescência na Escola Paulista de Medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). É comum também apresentarem déficit no ganho de peso.

Mas isso não pode, nem deve, ser usado contra a mulher. "Não há nada que não possa ser revertido", acredita Patty Terrível. "A mãe precisa se tratar para que, recuperada, consiga reestabelecer o vínculo afetivo e oferecer todos esses estímulos novamente."

Mamãe, não sinta culpa, mas admita que tem um problema

A romantização em torno da função materna também é um importante gatilho para a depressão. Isso porque há grandes expectativas do que significa virar mãe e sentir o tão falado "amor maior do mundo" no peito.

Quando isso não acontece, surge o peso da culpa por se sentir mal no que deveria ser "o melhor momento da sua vida". Mas isso não precisa ser assim. "O corpo da mulher passou por uma transformação enorme, única, e precisa de tempo para se recuperar", avalia Cristina Carvalho, ginecologista e obstetra da Fundação São Francisco Xavier, em Minas Gerais. "Precisamos reforçar que a depressão não é culpa dela. É uma questão orgânica", diz.

Para Isabella Thomé Lopes, psicóloga do Hospital e Maternidade Santa Joana, a palavra "culpa" deveria ser substituída por "responsabilidade" —ou seja, admitir que vive um problema, que ele foge ao seu controle, mas que é possível lidar com o tratamento adequado.

"É o momento de entender que ser uma boa mãe é mais do que dar conta de tudo, ou amar o bebê de cara, ou ainda não chorar para se mostrar forte", diz a especialista. Falar sobre o assunto com pessoas de confiança e na terapia é importante para que a mulher se sinta acolhida e, principalmente, tenha chances de trabalhar e superar esses sentimentos.

Topo