Números divulgados pela Abrata (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores Afetivos) apontam a existência de cerca de 140 milhões de pessoas com transtorno bipolar no mundo. Outro dado preocupante indica que 50% dos portadores da doença tentam o suicídio ao menos uma vez na vida, sendo que 15% desses não sobrevivem. Médicos e organizações de saúde acreditam que esses números vão aumentar por causa da pandemia.
Nós, psiquiatras, falamos sobre uma quarta onda da pandemia. A primeira é a própria pandemia. A segunda é a superlotação dos sistemas de saúde. A terceira atingirá um monte de gente que tem doenças físicas e não está indo agora ao hospital se tratar. E a quarta será a pandemia de saúde mental, pois muitos hospitais psiquiátricos estão sendo fechados para se transformar em covidários, muitos psiquiatras mais experientes estão saindo da linha de frente, muita gente está parando de tomar remédio ou ficando em casa em situações de conflito doméstico" Táki Cordas, coordenador da assistência clínica de psiquiatria do HCFMUSP.
Como evitar essa quarta onda?
Em uma cartilha compartilhada logo no começo do isolamento com políticas para manter a saúde mental durante a crise da covid-19, a ONU (Organização das Nações Unidas) pediu mais atenção para crianças, mulheres, trabalhadores da linha de frente e a população suscetível ou portadora de transtornos psicológicos. Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, afirmou que a saúde mental é uma responsabilidade coletiva e que "uma falha em levar o bem-estar emocional das pessoas a sério levará a custos sociais e econômicos em longo prazo para a sociedade".
A psicóloga Dora Sampaio Goés, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, recomenda o aumento da frequência em consultas psicoterapêuticas, principalmente para os pacientes bipolares que conseguem perceber que estão entrando em crise. "Buscar outras atividades nesse momento também é importante. É uma boa ideia tentar ser mais solidário, entrar em causas de ajuda social, fazer esporte, cozinhar, participar de atividades lúdicas e desenvolver a espiritualidade."
O acompanhamento psiquiátrico também é essencial para que o bipolar leve uma vida "normal". Por isso, o médico Jair Mari alerta sobre os riscos de abandono do tratamento durante a pandemia. "Já observamos na emergência de psiquiatria do CAISM (Centro de Atenção Integrada à Saúde) que várias pessoas não conseguiram manter o tratamento e isso aumentou as crises. Bipolares têm mais dificuldade para criar uma rotina e a pandemia exige uma reorganização. Sabemos que eles tendem a ser mais inquietos, têm mais dificuldade com o tratamento, e isso pode levar até ao uso de drogas."
O CAISM é a principal emergência psiquiátrica da cidade de São Paulo. São 12 leitos no pronto-socorro para atender pacientes em crises maníacas. Lá, 75% dos casos são resolvidos em quatro ou cinco dias. "Tivemos que arranjar doações para proteger os profissionais. Como você faz para tratar um paciente que está com covid-19 e está em surto ou mania? É complicado. A secretaria de saúde do Estado não mandou dinheiro extra para proteger essas pessoas."
Foi também com o auxílio de doações que o centro conseguiu comprar tablets para que os pacientes internados pudessem se comunicar com os familiares, já que as visitas presenciais foram suspensas. "Atendemos em situação de diversidade e nossa batalha é para fazer um SUS digno", completa o médico.
Nesse período, surgiram denúncias da suspensão de serviços psicoterapêuticos nos CAPS (Centros de Atenção Psicossociais) durante a pandemia. O CAPS oferece atendimento gratuito psicológico e psiquiátrico à população e tem um papel importante na luta pela saúde mental do Brasil.
O Ministério da Saúde disse que os atendimentos foram mantidos dentro dos protocolos de segurança. Segundo dados do governo, foram registrados 2.783.150 procedimentos no Sistema de Informação Ambulatorial (SIA/SUS) entre os meses de março e maio desse ano (dados preliminares). Já em 2019, foram registrados, no mesmo período, 4.839.833 procedimentos.
Gabriella foi uma das pessoas que reclamou das alterações no atendimento do CAPS durante a pandemia. A médica que a atendia foi transferida de unidade e a profissional substituta chegou a receitar um novo tratamento sem sequer conhecer a paciente. Com tantas mudanças, a paulistana começou a se automedicar (o que não é indicado) para contornar o descontrole emocional.