'Chama as minas para sarrar': corpos e beijos no Carnaval lésbico de SP
No primeiro dia de sol do Carnaval paulistano, mulheres lésbicas e bissexuais foram às ruas do Largo do Arouche na segunda-feira (20) para acompanhar o Bloco Siriricando, um dos poucos blocos de São Paulo que celebra o amor de mulheres por mulheres.
Com muito beijo na boca, pouca roupa e diversidade de corpos e pessoas, era possível observar que o compromisso do bloco que foi às ruas pela primeira vez em 2017 segue sendo aquele de garantir a segurança e a liberdade para as pessoas expressarem suas individualidades e amores na capital paulista.
A ideia do bloco surgiu em 2016 de forma despretensiosa quando um grupo de quatro amigas sentiu a necessidade de suprir a lacuna de um bloco lésbico em São Paulo, que não existia até então. Diferente dos blocos LGBTQIA+ que já compunham a programação do Carnaval da cidade, o Siriricando busca trazer o protagonismo feminino como uma de suas principais bandeiras, buscando um espaço livre de assédio para todas as mulheres.
"A gente saiu a primeira vez no Carnaval oficial sem bateria. Alugamos um caminhão de mudança, colocamos um gerador, um playback, e nós, que nem somos cantoras, ficamos cantando. Os dois primeiros anos foram assim e apenas no terceiro, que foi em 2019, conseguimos uma bateria", conta Bárbara Falcão, uma das idealizadoras do bloco ao lado de Fátima Frazão, Milena Fontes e Vanessa Siqueira.
Apesar das dificuldades de manter um bloco de forma independente, os esforços colaborativos de integrantes do grupo através de vendas de camisetas, cervejas e apoio de editais, permitem que o Siriricando vá às ruas, atualmente, com uma estrutura mais encorpada, diferente da época do playback e caminhão de mudança.
"Tudo começou há um tempo atrás (na ilha de Lesbos). Sappho chamou as minas para sarrar (e eu...)", foi uma das músicas que fizeram parte da trilha sonora do Siriricando. A música, que deu uma versão um tanto quanto sapatão ao hit "Milla", do cantor Netinho, foi uma das diversas adaptações cantadas pelo corpo musical do bloco. Além das adaptações de grandes sucessos, a bateria que realizou o trajeto no entorno do trio elétrico e conta com apoio de uma banda composta por cantora, violino, baixo e guitarra, também tocou músicas autorais que foram responsáveis por animar o Largo do Arouche.
Para Bárbara, poder celebrar a diversidade e o protagonismo de pessoas que se identificam como mulheres, resume a importância de realizar um bloco lésbico em São Paulo, principalmente em tempos em que hostilizações contra pessoas LGBTQIA+ são comuns.
A importância é justamente essa. Você ver esse mar de mulheres vestidas do jeito que querem, em um espaço feito e realizado para elas. É um bloco de protagonismo feminino, não abrimos mão disso, mas é aberto para todas as pessoas, então vem os homens gays e os caras héteros, desde que mantenham o respeito. Bárbara Falcão
Celebrando a diversidade do Siriricando, Ellen Medeiros, de 56 anos, contou ao UOL que participa do bloco desde 2020, quando aconteceu o último Carnaval antes da pausa ocasionada pela pandemia de covid-19. Fazendo uma comparação com o Carnaval dos anos 80, ela comentou que a liberdade possível de ser vivenciada nos blocos de carnavais atualmente evidencia um avanço na luta por direitos das mulheres.
"Nos anos 80, a quantidade de mulheres no Carnaval era mínima. Hoje em dia, estão vivendo mais sua liberdade. Antes, para uma mulher sair em blocos, precisava de muita coragem. Estar aqui hoje, é uma felicidade compartilhada, junto com um bloco que se orgulha", afirmou Ellen, que se identifica como uma mulher lésbica.
Em meio a aproximadamente 7 mil pessoas, conforme afirmou a organização do evento, Jéssica Batista decidiu comemorar seu aniversário de 31 anos carnavalizando com um grupo de 30 amigas no Bloco Siriricando.
"A melhor parte do bloco é a representatividade e poder se sentir à vontade. Aqui eu posso curtir e dançar com a minha galera sem ter que me preocupar em ser assediada", comentou a aniversariante.
Ressignificação do nome
Embora o nome do Siriricando possa parecer genitalista, fazendo uma referência ao ato da masturbação de pessoas com vagina, e assim excluindo mulheres trans e outras pessoas não cisgêneras que se identificam com a lesbianidade, as organizadoras do bloco contam que o passar dos anos colaborou com uma ressignificação do nome escolhido para o bloco.
"Existe sim uma crítica sobre nosso nome ser genitalista e, por isso, houve uma ressignificação. Há seis anos, estávamos em outro momento político e existia a sensação de que a gente precisava se reafirmar em busca de protagonismo. Além disso, a percepção sobre esses outros lugares de protagonismo ainda era fraca", conta Milena.
Também participante do bloco, Sancler, de 27 anos, que se identifica como uma mulher trans e bissexual, afirmou que a existência de espaços que pensam no acolhimento da diversidade é essencial para a realização de um Carnaval inclusivo e respeitoso.
"É crucial eu poder estar aqui sendo eu, porque sem isso, não tem Carnaval. Carnaval é diversidade e a gente precisa se sentir segura e livre de assédio", afirma.
Hoje, após discussões entre as próprias organizadoras do bloco, o Siriricando vem buscando se tornar um espaço cada vez mais acolhedor para todos os corpos dissidentes que se identificam como lésbicos.
"Nossa decisão política é que o Siriricando seja inclusivo para podermos ser acolhedores para toda a comunidade. Buscamos construir um espaço de convivência que não vai excluir quem já é excluído de vários lugares", finaliza Milena.
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