Avaliação: Ford Ka Freestyle AT quer ser "hatch utilitário" por R$ 67.990
Ford cria termo novo, mas compacto é um "aventureiro", mesmo, e estreia novo visual do hatch em julho
O Ford Ka se tornou praticamente o "ganha-pão" da marca americana no Brasil. Com o EcoSport eclipsado por outros SUVs compactos -- embora ainda sustente um volume razoável de emplacamentos --, Fiesta, Focus e Edge quase desaparecidos, Fusion enfraquecido por SUVs médios, além da Ranger em plano secundário entre picapes médias, fica por conta do pequeno hatch segurar a marca na parte de cima do ranking.
Mas basta fazer as contas: é preciso vender três Ka a cada Jeep Compass para obter o mesmo faturamento, e ainda com margem de lucro menor. Como se manter viva no jogo? Preenchendo lacunas com lançamentos. Assim, a Ford vai colocar nas ruas em julho a linha 2019 de Ka hatch e sedã, que terá como estrela a inédita versão Freestyle. Nesta segunda-feira (28), começa a pré-venda da versão, com sinal de R$ 2 mil e promessa de gratuidade nas três primeiras revisões. Pintura branca custará R$ 500 e opções metálicas, R$ 1.300.
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Qual é a do Ka altinho
Seu objetivo será encarar Chevrolet Onix Activ e Hyundai HB20X numa faixa mais alta de preços: R$ 63.490 para a configuração com câmbio manual de cinco marchas (nova caixa, 9 kg mais leve e teoricamente mais eficiente que a antecessora); R$ 67.990 para a configuração automática (seis velocidades, mesmo câmbio do EcoSport). Motor é sempre o 1.5 3-cilindros flex de 136 cv com etanol.
Mas espera lá: será que ainda há espaço para o sucesso de um compacto aventureiro? Executivos da montadora garantem que sim.
"Hoje esse tipo de versão responde por apenas 5% de todo o mercado de compactos no Brasil, mas tem potencial para passar de 20%", estima Mauricio Greco, diretor de marketing da companhia. O executivo não abriu metas de vendas, mas deixou escapar que a marca espera atingir patamar semelhante ao dos rivais, justamente na faixa entre 15% e 20% de participação.
Curioso é que a Ford tem feito todos os malabarismos possíveis para chamar o Ka Freestyle de qualquer coisa que não seja hatch aventureiro: CUV (sigla em inglês para "veículo utilitário crossover", mais adequada a modelos como EcoSport, HR-V e Nissan Kicks do que ao Ka) e "hatch utilitário" são as expressões favoritas.
UOL Carros seguirá cartilha do mercado e vai chamá-lo de hatch aventureiro mesmo, já que o carro é "altinho" e tem adereços plásticos, definidores do nicho.
O que ele tem
Aventureiro ou utilitário, fato é que o Ka Freestyle chega ocupando patamar tecnológico acima de seus principais concorrentes, Onix Activ, HB20X, Renault Sandero Stepway e afins. Nossa reportagem experimentou a configuração automática no campo de provas da Ford, em Tatuí (SP), e conheceu seus predicados.
Primeira boa notícia vem na parte de segurança. A versão virá equipada de fábrica com seis airbags (frontais, laterais e de cortina), controles de estabilidade e tração, auxílio à partida em rampas e assistente anticapotamento (um sensor de ângulo de deriva estima o grau de inclinação nas curvas e atua nos freios para corrigir eventuais riscos).
Mais importante ainda, a Ford resolveu se mexer após a nota zero no teste de impacto lateral do Latin NCAP e aplicou reforços à carroceria do Ka: barras protetoras nas portas laterais (só as dianteiras, frisamos) e aços com maior grau de rigidez (chapas até 1,2 mm mais espessas) para coluna B, pilares do teto e assoalho da fileira traseira.
Pacote de equipamentos traz ainda alarme, trio elétrico (com repetidores de luzes de seta nos retrovisores externos), ar-condicionado manual, sensores traseiros de estacionamento, câmera de ré, cintos de três pontos e apoios de cabeça em todas as posições, pontos de fixação para cadeirinhas infantis (Isofix), bancos revestidos parcialmente em couro sintético e a excelente central multimídia Sync 3 -- tela tátil de 6,5 polegadas, projeção de celulares e possibilidade de instalar aplicativos.
Ou seja, o modelo é bem servido, embora não apresente nenhum item revolucionário.
Desempenho e dinâmica: pontos altos
Motor 1.5 Ti-VCT tem tecnologia avançada e atualizada: tricilíndrico, 12V, é dotado de controle independente de comandos de admissão e escape, coletor integrado ao cabeçote, bomba de óleo variável com dois estágios de controle de pressão e sistema de pré-aquecimento que dispensa o tanquinho de partida a frio.
Com isso, demonstra ótimo fôlego e elasticidade para um carro que pesa cerca de 1.100 kg. São 128/136 cv de potência (a 6.500 rpm) e 15,6/16,1 kgfm de torque (a 4.750 rpm), na medida para uso em ambiente urbano e rodoviário.
O escalonamento do câmbio automático de seis velocidades, com relação mais longa nas três primeiras marchas em relação ao EcoSport, deixa as arrancadas e retomadas mais suaves do que se esperaria. Parece uma decisão acertada, pois prioriza conforto e consumo de combustível especialmente na estrada. De acordo com a montadora, modelo alcançou 12,3 km/l com gasolina em rodovia no programa de etiquetagem do Inmetro.
Direção, com assistência elétrica progressiva, poderia ser um pouco mais precisa, mas está bem ajustada e conta com auxílios antivibração e de compensação de esterço em pisos inclinados, ambos muito bem-vindos. Pena que o volante tenha empunhadura grossa demais, o que atrapalha a pegada. Isolamento acústico apresenta bom nível para um compacto, graças à aplicação de materiais antirruído em para-brisa, buchas de suspensão, cofre do motor, caixas de roda e assoalho.
Apesar da altura de 18,8 cm em relação ao solo -- 1,7 cm a mais do que o atual Ka, o que proporciona bons ângulos de ataque e saída para encarar valetas, lombadas e desníveis --, o Ka Freestyle segura de maneira surpreendente a inclinação em curvas, fruto do bom trabalho aplicado às suspensões. Jogo dianteiro tipo McPherson conta com barra estabilizadora mais grossa do que a linha anterior, enquanto eixo de torção traseiro está 30% mais rígido.
Durante pequeno teste feito em pista de terra batida e cascalho, sentimos que o conjunto está, de fato, melhor calibrado e mais silencioso para encarar até aquele caminho de terra batida, bem levezinho, entre a estrada e o sítio, além de dificilmente acusar fim de curso. Por outro lado, o uso de pneus de uso urbano e baixa resistência ao rolamento compromete a aderência fora do asfalto e nos levou até a derrapar.
Segundo a Ford, a decisão de usar esse tipo de pneu e não um de uso misto, como acontecia com o extinto Ka Trail, se deu porque "85% da utilização" do modelo ocorrerá em perímetro citadino.
E a cara nova?
Se o carro é predominantemente da cidade, então por que apelar a apliques de plástico por toda a extensão da carroceria, às barras longitudinais de teto e a soleiras nas portas? Estes velhos penduricalhos de utilidade questionável -- e que, além de tudo, comprometem peso e eficiência aerodinâmica do modelo -- passam longe do ar inovador que a Ford quer conferir ao modelo. Acabamento em preto brilhante para grade e capas de retrovisores são outros elementos exclusivos da linha aventureira.
Por dentro, acabamento "diferenciado", nas palavras da Ford, não convence totalmente. A receita é similar àquela vista no EcoSport Storm: painel em tom marrom escuro causa certa estranheza e não disfarça a simplicidade do plástico rígido -- que possui textura honesta, verdade. Revestimento em imitação de couro e com tecido canelado e estilizado por frisos alaranjados e cinzas dá o tom nos bancos. O forro de teto, preto, é fundo demais e não dispõe de alças de segurança.
No fim, os pontos altos da cabine são o ótimo aparador de celular, as duas entradas USB iluminadas e a boa disponibilidade de porta-objetos.
Como no Ka atual, são 2,49 metros de entre-eixos, o que deixa as pernas dos ocupantes da fileira traseira no aperto. O porta-malas de 257 litros não é amplo como o de rivais, mas pelo menos tem um interessante tapete emborrachado na base, que ajuda a proteger a integridade de objetos nas curvas.
Apesar dos vacilos e limitações, o Ka Freestyle chega ocupando degrau superior ao de outros compactos aventureiros em termos de tecnologia, segurança e desempenho. E sem cobrar mais por isso, pelo menos por enquanto. A ver se, neste momento tão delicado da Ford no Brasil e no mundo, a linha aventureira ajudará a fabricante a reencontrar o caminho da prosperidade no Brasil.
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